Arquivar é absolver?
JOÃO SEMEDO
26/12/2014 - PÚBLICO
A propósito de Paulo Portas, do ministério público e dos submarinos.
Não é aceitável
que uma investigação se prolongue por mais de oito anos. E que, oito anos
depois, o resultado seja um flop. Se tivesse havido acusação, os crimes já
tinham prescrito. Ridículo. Não é bom para a imagem da justiça, nem para a
credibilidade da investigação criminal. Os suspeitos vão ardendo em lume
brando.
A democracia
exige muito mais. Mas por mais críticas que se faça ao MP, nenhuma crítica
autoriza que se pretenda transformar o arquivamento na absolvição dos
investigados. E, hoje, esse é o ponto.
Há oito anos, o
DCIAP iniciou uma investigação ao negócio dos submarinos por suspeita de
corrupção sob a forma de pagamento de luvas a decisores políticos. Entenda-se,
decisores políticos neste caso são dois: Durão Barroso e Paulo Portas. O
primeiro era chefe do governo que fechou a compra dos submarinos, o segundo era
ministro da Defesa e, como ambos disseram no inquérito parlamentar, a
responsabilidade foi toda de Paulo Portas. Exilado em Bruxelas, Durão Barroso
ficou na sombra da investigação, toda a suspeita se centrou em Paulo Portas. Injusto?
Talvez, mas acontece. Se a justiça nem sempre é justa, muito menos o são os
inquéritos criminais…
O DCIAP precisou
de oito anos para arquivar o processo. Ninguém foi acusado, não se provou o
crime de corrupção. A direita suspirou de alívio, transformou o arquivamento na
“absolvição” de Paulo Portas que, finalmente, “pode dormir tranquilo”.
Esta “absolvição”
de Paulo Portas tem tanto de encenada como de precipitada, como qualquer um
percebe se ler o despacho de arquivamento ou se tiver acesso aos documentos
recolhidos e às audições realizadas no inquérito parlamentar. É uma
“absolvição” construída sobre os silêncios de uns e as mentiras de outros, em
alguns casos os mesmos, e que beneficiou do desaparecimento de documentos muito
reveladores. Por isso é uma absolvição frágil, muito frágil.
O que diz o
despacho?
Que foram
detetadas ilegalidades administrativas, que podiam levar à nulidade do
contrato. Que foi obscura a adjudicação da operação financeira que pagou os
submarinos. Que Paulo Portas excedeu o mandato conferido pelo Conselho de
Ministros em 2003 ao celebrar um contrato de compra diferente dos termos
estabelecidos na adjudicação. Que Paulo Portas conduziu negociações que
decorreram de forma opaca e produziram alterações significativas no
equipamento, na fórmula de cálculo do preço e nas contrapartidas. Que foi Paulo
Portas a incluir o BES no consórcio que financiou a compra dos submarinos, em
detrimento de outros bancos. Que foi Paulo Portas que se envolveu diretamente
nas negociações, inclusive com o próprio Ricardo Salgado, para rever em alta o
contrato de financiamento: a margem de lucro para os bancos do consórcio
aumentou de 0,19 para 0,25%, com obvio prejuízo para as contas públicas. Absolvição?
E, finalmente,
que esta documentação desapareceu do Ministério de Paulo Portas, impedindo de
se “percepcionar o modo como se desenrolou o processo concursal que culminou
com a celebração dos contratos de financiamento”. Desaparecimento que ninguém –
governos, MP - achou por bem investigar.
Ao ministro Paulo
Portas cabia cuidar da conservação destes documentos. Convenhamos ser um
desaparecimento muito conveniente. Sem papéis não há provas, sem provas não há
acusação, sem acusação não há crime, sem crime não há condenação. Quem
beneficiou com a negligência de Paulo Portas? E nem as célebres fotocópias
apareceram para dar uma ajuda aos investigadores… Absolvição?
O despacho do MP
diz preto no branco o que silêncios e mentiras conseguiram esconder no
inquérito parlamentar Os administradores da Escom, ouvidos no Parlamento,
recusaram ter pago prémios, bónus ou luvas fosse a quem fosse. “Só pagámos a
colaboradores e de acordo com as regras habitualmente praticadas”.
Vejamos. Os
alemães contrataram e pagaram 30 milhões de euros à Escom, empresa do BES, pela
assessoria às contrapartidas nacionais. Como hoje sabemos, essas contrapartidas
foram um fiasco. Não admira. A contratada Escom era especializada em projetos
de investimento em África e as contrapartidas eram para empresas portuguesas. As
razões desta contratação, ainda hoje, são um mistério.
30 milhões por um
fiasco. 5 milhões foram para a família Espírito Santo. Um milhão para cada
ramo, como está registado nas atas gravadas do Conselho Superior do GES, cuja
audição deve ser interdita a crianças e pessoas de sensibilidade mais apurada. Segundo
um administrador da própria Escom, 16 milhões foram prémios distribuídos aos
três membros da administração e a um consultor. E cerca de 4 milhões pagaram
custos financeiros e administrativos, despesas de consultoria (técnica,
jurídica, financeira) e alguns salários. Por último – e segundo o mesmo
administrador, um pouco mais de 2 milhões foram consumidos na criação de um
fundo secreto nas Bahamas apenas com o objetivo de esconder o destino do
dinheiro pago pelos alemães à Escom.
A ser verdade o
que contou esse administrador da Escom, tudo somado, faltam 3 milhões de euros.
Onde estão, a que mãos foram parar? Não sabemos, a investigação não descobriu,
quem sabe e quem o recebeu não diz, silêncios e mentiras que os paraísos
fiscais protegem.
Faltam três
milhões e alguém foi contemplado com eles. Nestas negociatas, quem distribui o
“lucro”, quem “paga” não se engana: só recebe quem merece e só merece quem
ajuda, quem colabora, quem facilita, quem decide. No mundo da corrupção não há
borlas nem desperdícios. Não é difícil ver quem terá, também, merecido o seu
quinhão, aqueles milhões. Afinal de contas, nesta história, sabemos bem quem
foi quem e quem fez o quê. Absolvição?
Termino,
repetindo o que disse no final da comissão de inquérito: voltaremos a ouvir
falar dos submarinos. Para alguns, continuarão a ser um pesadelo.
Deputado do BE,
membro da CPI à aquisição dos submarinos e outros equipamentos militares
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