Manuel Alegre pagou dívida das
presidenciais com ajuda de conta solidária. Constitucional não sabe quem fiscaliza
LILIANA VALENTE /
29/12/2014, OBSERVADOR.
O candidato ficou com uma dívida de 422 mil euros em 2011, mas uma conta
solidária arrecadou 222 mil. PS deu o resto. Constitucional lamenta buraco na
lei. Não há controlo da origem deste dinheiro.
Manuel Alegre
terminou a campanha para as eleições presidenciais de 2011 com uma dívida de
422 mil euros para pagar e só o conseguiu fazer graças a uma conta solidária,
que arrecadou metade do valor, e ao PS, que pagou o resto. O desfecho é
revelado pelo Tribunal Constitucional que diz que não há informação sobre como
foram feitos esses pagamentos e que a lei eleitoral tem um buraco na legislação
que a impede de controlar quem dá dinheiro aos candidatos, no caso de estes
ficarem com dívidas.
Nas eleições
presidenciais de 2011, Manuel Alegre perdeu pela segunda vez para Cavaco Silva
e ficou com um saldo negativo na conta de 422.075,18 euros. Como pagar este
dinheiro? Ao Observador, o diretor da campanha, Duarte Cordeiro, contou que “o
partido [o PS] assumiu as responsabilidades remanescentes e neste momento não
há responsabilidades que ficaram por pagar”. Mas parte desta verba já havia
sido paga com recurso a uma conta solidária e esta é uma questão que mereceu
dúvidas do Constitucional.
No acórdão do
Tribunal Constitucional sobre as contas das candidaturas às eleições
presidenciais, que foi revelado em novembro, os juízes começam por dizer que
“não foi dada qualquer explicação de como o candidato fez ou irá fazer face aos
prejuízos da campanha”. E como tal, o Constitucional quis saber mais e
perguntou à candidatura como iria pagar as contas.
Na volta do
correio, a candidatura respondeu duas coisas. Primeiro, que a Entidade das
Contas não pode fiscalizar “como serão pagas as dívidas remanescentes” uma vez
que a dívida que ficou “é essencialmente do foro privado” e, depois, que parte
da dívida teria sido paga por anónimos que contribuíram para uma conta
solidária em nome do mandatário financeiro, António Carlos dos Santos, e de
Helena Roseta, apoiante da candidatura. Mas não é possível saber quem deu nem quanto,
uma vez que são donativos feitos foram do âmbito da campanha e a título
privado. É este o problema que o Constitucional encontra, dizendo que saber
como quem deu o quê é ainda “mais premente”. Mas diz também nada poder fazer
quanto a este assunto. Restou ao TC acreditar na palavra da candidatura que se
comprometeu a saldar as dívidas “sem recurso ao financiamento de empresas
privadas”.
No entanto,
apesar dos contributos na conta solidária, continuaram “por regularizar dívidas
com os maiores fornecedores e com os responsáveis distritais da campanha na
ordem dos 200 mil euros”, escrevia a campanha. O restante, cerca de 200 mil
euros, foram posteriormente cobertos por transferências feitas pelo PS, ainda
na época de José Sócrates.
Dívidas sem
fiscalização
O acórdão do
Tribunal Constitucional deixa, no entanto, em aberto uma questão sugerida pelos
juízes: quem fiscaliza os pagamentos das dívidas que ficam por pagar? A
resposta: ninguém. A lei não dá competências ao Tribunal Constitucional no caso
de eleições a título individual ou não partidário (que são sobretudo as
presidenciais e listas independentes para as eleições autárquicas).
No acórdão, o
Tribunal até diz que “a questão do pagamento das dívidas da candidatura, finda
a campanha eleitoral, e o respetivo controlo por parte da ECFP [Entidade das
Contas e Financiamento dos Partidos], prende-se com a necessidade de assegurar
a inexistência de donativos subsequentes, mormente através de perdões de
dívida, donativos esses que, caso provenham de pessoas coletivas, correspondem
a financiamentos proibidos”, mas admite o mesmo tribunal estar de mãos atadas
neste caso.
“Em tudo o mais,
designadamente quanto ao que ocorra posteriormente ao julgamento das contas da
campanha, não tem este Tribunal qualquer competência decisória ou mesmo
instrutória”, lê-se no acórdão.
Os juízes
consideraram que o plano de pagamentos da candidatura de Manuel Alegre não
tinha assim qualquer evidência de que “as dívidas remanescentes hajam sido
perdoadas” e portanto não existia “nenhuma ilegalidade ou irregularidade”. Mas
lamentam não poderem fiscalizar o pós-eleições nestes casos. Caso haja lucro,
os candidatos são obrigados a devolver o excedente ao Estado, caso haja
prejuízo, a responsabilidade cabe ao mandatário financeiro e ao candidato e não
há mais relação nem com a Assembleia da República (que paga as subvenções) nem
com o Tribunal Constitucional (que não pode fiscalizar além campanha).
O problema
coloca-se sobretudo na candidaturas presidenciais, que não são candidaturas
partidárias, ou em candidaturas independentes a eleições autárquicas. Foi o que
aconteceu, por exemplo, a Freitas do Amaral, quando recebeu menos do que tinha
previsto quando foi candidato presidencial contra Mário Soares ou a Helena
Roseta, enquanto candidata independente às eleições autárquicas de 2007, que
ficou com uma dívida de vários milhares de euros que pagou do próprio bolso ao longo
dos últimos anos.
Tribunal de Contas “perdoou”
desvio de 6,4 milhões para as contas dos partidos na Madeira
TOLENTINO DE
NÓBREGA 29/12/2014 - PÚBLICO
Sentença absolve deputados acusados e censura o Ministério Público por não responsabilizar
os gestores dos partidos.
O Tribunal de Contas
(TdC) absolveu os líderes parlamentares e deputados sem grupo parlamentar da
Assembleia Legislativa da Madeira da restituição de 6,4 milhões de euros das
subvenções parlamentares desviados para as contas dos partidos naquele
arquipélago, exigida pelo Ministério Público (MP).
Nas sentenças dos
julgamentos das contas relativas a 2006 e 2007, proferidas pelo juiz
conselheiro Nuno Lobo Ferreira, a secção regional do Tribunal de Contas na
Madeira considerou improcedente, por não provada, a acção que o MP moveu contra
deputados na Assembleia Legislativa da Madeira, na parte respeitante a
responsabilidade financeira reintegratória. O tribunal absolveu-os da devolução
porque concluiu não ter havido infracção “dolosa por desvio de dinheiros
públicos”.
Com esta
sentença, o PSD não terá de devolver 4,5 milhões de euros, como exigia o MP. Ficam
também “perdoados” 1,2 milhões ao PS, 228 mil euros ao CDS/PP, 159 mil ao PCP,
61 mil ao BE e 25 mil ao PND. Entre 2006 e 2014, cerca de 40 milhões de euros
foram indevidamente recebidos e utilizados pelos partidos na Madeira, tendo
mais de metade desse valor entrado nos cofres do PSD.
A maioria dos 11
demandados acabou por “beneficiar” da não apresentação dos exigidos documentos
comprovativos das despesas. O mesmo não aconteceu com os três representantes do
PS que foram declarados “culpados, a título de negligência, pela utilização de
dinheiros públicos em finalidade diversa da legalmente prevista”, embora tenham
acabado dispensados do pagamento de multa.
Apenas o deputado
independente João Isidoro Gonçalves foi condenado à reposição de 26 mil euros,
com dispensa do pagamento de multa. Ficou provado que gastou aquela verba
indevidamente, na aquisição de uma viatura para seu uso pessoal, despesas de
manutenção e seguro desse veículo, viagens a Lisboa, refeições, combustíveis e
donativos e outras despesas não documentadas.
O Ministério
Público, conclui a sentença, não provou que os restantes deputados “sejam o
agente ou, ao menos, um dos agentes da acção, pelo que sobre eles não pode cair
a responsabilidade que lhes é imputada, quer pelo desvio de dinheiros públicos,
quer pela sua utilização em finalidade diversa da legalmente prevista”.
Ao dar por
provado que as verbas das subvenções parlamentares eram recebidas pelos partidos,
“competiria ao MP, na acção, identificar os responsáveis pela movimentação e
gestão desse dinheiro e não escolher, quiçá aleatoriamente, alguém do grupo
parlamentar, sem sequer alegar - e provar – de que forma o dinheiro circulou
entre o partido e grupo parlamentar e quem foram os responsáveis concretos por
essa actuação, de forma a poder identificar o autor ou autores de eventuais
infracções financeiras pela utilização ilegal dessas verbas”, frisa o juiz.
Nas alegações com
que terminaram as audiências de julgamento, o procurador-adjunto da República,
Nuno Gonçalves criticou os deputados e administradores da Assembleia Regional
por “persistirem na convicção, reiterada e redobrada, de que se trata de financiamento
partidário”. Reiterou a jurisprudência sobre o destino exclusivamente
parlamentar das subvenções que, por serem de “valor extraordinariamente elevado
na Madeira”, o excedente é “desviado para pagar cartazes, comícios, campanhas
eleitorais e acções partidárias”.
O tribunal
considerou improcedente a alegação dos deputados que invocaram a
retroactividade da alteração da lei de financiamento partidário que transferiu
em 2010 a
fiscalização das contas das assembleias regionais para o Tribunal Constitucional,
pondo em causa a competência do Tribunal de Contas para proceder ao seu
julgamento.
Um acórdão do
Tribunal Constitucional, publicado a 23 de Dezembro no Diário da República,
reiterou, em definitivo, a competência do Tribunal de Contas para fiscalizar e
julgar as subvenções da Assembleia da Madeira.
Em Julho passado,
tinha declarado inconstitucional a norma da lei da Assembleia da República que,
em 2010, atribuiu ao Tribunal Constitucional, com efeitos retroactivos, não só
a competência para "apreciar a regularidade e a legalidade das contas dos
partidos políticos e aplicar a correspondentes sanções", como também dos
grupos parlamentares, o que até então competia ao Tribunal de Contas.
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