Justiça 2014: a pobreza das
nossas elites
FRANCISCO
TEIXEIRA DA MOTA 26/12/2014 – Público
O arquivamento do processo dos submarinos é a prova das nossas limitações.
A prisão
preventiva do ex-primeiro ministro José Sócrates marca indelevelmente o ano de
2014 no domínio da Justiça. Na verdade, reúne quase todos os ingredientes do
agrado da opinião pública no que respeita aos acontecimentos judiciais:
suspeitas de crimes graves com a privação da liberdade de figuras públicas no
meio de um - alegado - enredo recheado de milhões de euros, de mentiras e de
decepções públicas.
Falta o
ingrediente sexual mas o ineditismo da situação, a gravidade dos crimes em
causa e a personalidade pública do ex-primeiro ministro levam a que o chamado
julgamento na praça pública - inevitável em relação à actuação pública de
figuras públicas - se vá desenrolando quase diariamente e tenha a participação
de milhões de portugueses.
Ainda no domínio
da justiça criminal, naturalmente no top das preferências dos portugueses,
temos o escândalo BES/GES que com a sua extensão "inquérito
parlamentar" nos tem permitido ver um pouco dos bastidores pouco
edificantes das nossas elites.
O receio que
geram estes processos em quem procura perceber e melhorar - será possível? - a
qualidade (?) da nossa vida colectiva é a de os processos se arrastarem
indefinidamente e não se chegar a lado nenhum em termos de certezas e
responsabilização dos principais intervenientes.
O processo dos
submarinos em que nenhum português tem dúvidas que houve pagamento de luvas e
em que nenhum responsável se vai sentar no banco dos réus é um confrangedor
exemplo desta ineficácia da nossa justiça. Mas esse não foi o caso nos
processos em que são arguidos o ex-ministro Armando Vara, a ex-ministra Maria
de Lourdes Rodrigues e o ex-líder parlamentar do PSD Duarte Lima em que se
verificaram condenações, consideradas geralmente como pesadas, nos tribunais de
primeira instância e que transmitiram à opinião pública a ideia que a justiça
não está disposta a "facilitar a vida" aos políticos. Em 2015
saberemos as decisões que vierem a ser tomadas em sede dos recursos que estão a
correr...
Se estas decisões
representam o fim da "impunidade dos poderosos" que é sentida de
forma difusa mas consistente na sociedade portuguesa é algo que ainda ninguém
pode saber pelo que são particularmente censuráveis as sucessivas declarações
da ministra da Justiça quanto ao referido "fim da impunidade" a
propósito de investigações criminais em concreto. Não sei se será o fim da
impunidade mas tais declarações são, seguramente, o fim do princípio da
presunção de inocência.
Se a ministra
revelou bom senso no que toca à indicação da nova Procuradora-geral, tem que se
dizer que a sua gestão do processo da reforma judiciária no aspecto da
plataforma informática Citius - para além dos atrasos no funcionamento dos
tribunais que provocou e se hão-de sentir ao longo de muito tempo - se revelou
de uma incompetência que provoca perplexidade.
Como foi possível
dispensar a consultora externa nesta fase crucial? Como foi possível avançar
para uma monstruosa migração de processos sem se estar certo de que tudo iria
bem? Quem falhou neste processo? Como foi possível a ministra ter estado tanto
tempo de olhos vendados quanto à realidade do que se estava a passar?
Certo é que a
canhestra e mal sucedida tentativa de responsabilizar dois responsáveis menores
e o facto de nem uma orelha, quanto mais uma cabeça, ter rolado, nos transmite
a ideia que no ministério da Justiça, o tempo da impunidade e da
irresponsabilidade não acabaram, antes continuam de vento em popa.
Quanto à reforma
judiciária propriamente dita, ainda é cedo para avaliar das suas reais
vantagens e desvantagens. Se é certo que havia tribunais cuja manutenção não
fazia sentido e que a criação de diversos tribunais especializados espalhados
por todo o país faz todo o sentido, a verdade é que está por provar que iremos
ter uma justiça melhor e mais eficaz com esta nova organização judiciária. Sendo
certo que não se encontram quantificados os custos para as populações desta
reforma e que serão, seguramente, elevados. Há, na verdade, que aguardar pelas
prometidas avaliações da reforma que se confia, serão sérias.
A terminar o ano,
o governo lançou-se numa clara ilegalidade ao determinar a requisição civil do
pessoal da TAP antecipando-se e fazendo tábua rasa da decisão do Tribunal
Arbitral que veio a definir os serviços mínimos que aqueles estão obrigados a
prestar. Esta decisão – agira ultrapassada - foi mais uma manifestação da forma
atrabiliária, opaca e pouco séria como o dossier TAP está a ser gerido neste
fim de ciclo político.
Pessoalmente, não
entendo que a TAP tenha de continuar sempre a ser uma empresa pública. E tenho
as maiores reservas a muitos aspectos das "justas lutas" dos
trabalhadores e defensores da TAP. Mas não tenho dúvidas que esta privatização
tal como está a ser "despachada" não augura nada de bom e deve ser
travada a bem dos interesses nacionais e da nossa sanidade.
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