Não privatizem a TAP por
convicção
PEDRO SOUSA
CARVALHO 12/12/2014 / PÚBLICO
Costuma-se dizer
que à terceira é de vez. No princípio do século, a TAP esteve para ser
privatizada e vendida à Swissair, que entretanto faliu. Doze anos mais tarde,
já com Passos Coelho e com a troika, o Governo tentou privatizar a companhia e
vendê-la ao colombiano Gérman Efromovich, que, não tendo falido, pelos vistos
não tinha na altura 25 milhões de euros para dar de sinal pelo negócio. E
agora, dois anos volvidos, o mesmo Governo volta a insistir na venda da
companhia de bandeira nacional. Porquê? “Por convicção”, justifica Pires de
Lima.
Aceito que haja
várias razões que possam levar o Governo a privatizar uma empresa. A convicção
não é uma delas. E a TAP não é uma empresa qualquer que possa ser privatizada
só porque meia dúzia de ministros que se acham muito liberais tem convicções. Os
portugueses têm uma relação afectiva, emocional e até de orgulho na TAP, quer
durante a ditadura, quer na democracia. Quer no tempo dos Super-Constellation,
quer agora com os A340. E têm uma imagem de empresa competente e das mais
seguras do mundo. Talvez este seja o maior capital da empresa. Longe de ser
perfeita, e ainda com alguns tiques de monopolista, a TAP é um património do
país que não deve ser entregue ao primeiro Frank Lorenzo que nos passar um
cheque.
Claro que toda
esta lamechice e toda esta relação emocional não pagam salários ao final do mês
e, por maiores que sejam os afectos, não chegam para comprar aviões. Como tal,
vamos a contas e a argumentos mais sólidos.
Para saber se
concordamos ou não com a venda da TAP, temos primeiro de perguntar qual a razão
pela qual o Governo quer privatizar a companhia. Descarto, logo à partida,
aquele argumento de que "os privados sabem gerir melhor". Se um
governo gere um Estado, que somos todos nós, também há-de saber gerir uma
companhia aérea. E, por convicção, também descarto aquele argumento da
convicção.
O Governo vai
privatizar a TAP porque precisa de encaixe para reduzir a dúvida pública? Não.
As contas e os capitais próprios negativos da TAP infelizmente não permitem
ambicionar a um grande encaixe. Basta pensar que em 2012 Gérman Efromovich,
depois de assumir a dívida da companhia, iria dar ao Estado um encaixe líquido
irrisório de 35 milhões de euros. Até o BPN deu mais dinheiro aos cofres públicos.
Então e o
argumento de que a TAP deve ser privatizada porque com as contas
desequilibradas não consegue crescer? No último relatório e contas da TAP,
Fernando Pinto aparece a dizer: a perspectiva para 2014 é “a do lançamento de
11 novas rotas, duas para o Brasil, uma para a Colômbia, outra para o Panamá e
as restantes na Europa. Vamos adicionar seis aviões à nossa frota e esse é um
enorme crescimento”. Bom, se isto não é crescer, o que é? A TAP tem a dimensão
ideal para a dimensão do mercado onde opera e, nos últimos anos, graças ao
incremento do turismo em Portugal, tem batido sucessivos recordes de transporte
de passageiros.
Aqui chegados,
perguntar-se-ão: então se a TAP é assim tão boa, porque é que todos os anos dá
prejuízos? Há cinco anos consecutivos que a TAP, S.A., o negócio da aviação,
tem dado lucros, graças à boa gestão de Fernando Pinto. Mas a TAP SGPS (a
holding que interessa e que será privatizada) dá prejuízos todos os anos,
também graças a Fernando Pinto. A decisão do presidente da TAP de comprar uma
empresa de manutenção no Brasil em 2005 rebentou com a TAP e é a única razão
pela qual a empresa ainda hoje acumula capitais próprios negativos. Não vem ao
caso, mas a Procuradoria-Geral da República ainda hoje está a investigar este
negócio obscuro, incompreensível e ruinoso para a TAP. Ainda hoje, a brasileira
M&E é responsável por metade dos mil milhões de euros de dívida da TAP
SGPS.
Então o argumento
de que a TAP deve ser vendida porque uma privatização permitiria injectar
dinheiro fresco na companhia e equilibrar as contas? É um bom argumento. Mas a
questão aqui é saber quem deve injectar dinheiro: os privados ou o Estado? O
problema dos privados é que a privatização tem de (ou deve) excluir, à partida,
as operadoras de bandeira europeias. Se uma Lufthansa comprar a TAP, isso irá
implicar a transferência do hub (placa giratória) de Lisboa, que é algo
estratégico para o país. Ainda nos arriscaríamos a ter de fazer uma escala em
Frankfurt para ir de avião a Madrid. Sobram alguns candidatos, sobretudo do
continente americano, sendo que alguns deles têm um currículo na aviação
bastante duvidoso.
O Governo
argumenta ainda que, uma vez nas mãos de privados, a TAP poderá libertar-se das
amarras da administração pública e da austeridade que lhe tem sido imposta,
seja ao nível dos salários ou das contratações. Mas foi o actual Governo que
não teve coragem de a libertar mais cedo dessas amarras criadas ainda por José
Sócrates. Se a companhia precisava de maior flexibilidade, por que não a teve
mais cedo?
E por que é que o
Estado não injecta ele próprio dinheiro para capitalizar a TAP, que em termos
operacionais vai de vento em popa? O Governo argumenta que Bruxelas não permite
ajudas estatais para não distorcer a concorrência. Ontem, a Comissão Europeia
veio tirar o tapete ao Governo, dizendo que a matéria é delicada, mas possível.
Bruxelas rege-se pelo princípio do “one time, last time”, ou seja, as empresas
de aviação públicas só podem ser ajudadas uma única vez e a TAP já foi ajudada
em 1994, num plano de reestruturação que deveria culminar com a sua venda à
Swissair em 2000. O que o Governo esquece (ou não sabe) é que a regra do “one
time, last time” tem um prazo de validade de dez anos, ou seja, se calhar até a
TAP poder voltar a receber uma injecção de capitais públicos. E não deixa de
ser insólito que o Governo parta para uma privatização, usando Bruxelas como
principal argumento, sem sequer se dar ao trabalho de consultar previamente
Bruxelas para esclarecer esta questão. É o que dá fazer as coisas com convicção
e não com competência.
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