O primo que sabia de menos
Manuel Fernando Moniz Galvão Espirito Santo Silva, ex-chairman da Rioforte,
não viu e não sabia o que se passava no grupo. Também não sabia o que se ia
passando nas suas empresas. E o que assinou, assinou "à confiança".
Filipe Santos
Costa |
20:09 Terça
feira, 16 de dezembro de 2014 / EXPRESSO
Eu não
sabia", "não me lembro", "eu nunca imaginei",
"não sei", "não acompanhei", "nunca supus",
"nunca participei", "nunca tive qualquer informação",
"não lhe sei dizer", "não estava no meu âmbito",
"nunca tratei", "não era da minha competência ou
responsabilidade", "não sou um financeiro", "nunca
participei", "nunca intervim", "nunca fui membro",
"nunca tive funções executivas", "agora não me recordo",
"desconheço", "estava a par, mas não com detalhe", "não
era do meu pelouro", "eu não estava lá no dia-a-dia", "não
faço comentários", "que eu saiba", "não sei",
"não tenho aqui os dados", "não sei responder", "não
sei dizer neste momento", "eu não me recordo bem", "só me
dei conta depois", "ainda não conhecemos", "estamos a
investigar o que aconteceu", "desconhecemos", "foi alheio
ao meu conhecimento", "não sei exatamente quem", "ficámos
surpreendidos", "eu não acompanhei", "eu não era
responsável", "acho muito estranho", "não acho
normal", "não estive envolvido", "eu não tinha
conhecimento", "nunca assisti", "eu não tinha nenhuma relação"...
Não, nunca, nada,
ninguém... Népia. Nem uma suspeita, nem uma revelação, nem uma novidade para
amostra. Ao longo de quatro horas e meia, Manuel Fernando Moniz Galvão Espirito
Santo Silva, o homem que durante uma década - e até ao descalabro final -
esteve no topo da estrutura não-financeira do grupo Espírito Santo,
precisamente o lado pelo qual o império começou a desmoronar-se, não assumiu
qualquer responsabilidade e praticamente não trouxe qualquer informação nova
aos trabalhos do inquérito parlamentar que investiga o fim do banco e do grupo
controlado pela família Espírito Santo.
Primo de Ricardo
Salgado, primo de José Maria Ricciardi, membro do conselho superior do grupo em
representação do ramo Moniz Galvão (o que tinha mais peso na estrutura de topo
do grupo, com cerca de 20% da Espírito Santo Control), antigo vice-presidente da
Espírito Santo Resources, depois chairman da ES Resources e depois ainda
chairman da holding que lhe sucedeu, a Rioforte, Manuel Fernando não sabia, não
ouviu, não fez. Nalguns casos, assinou - mas tratou de garantir aos deputados
que assinou porque lhe davam para assinar. "Exclusivamente com base na
absoluta confiança."
Na sua declaração
inicial, o ex-chairman da Rioforte começou por definir o que não sabia e o que
não fez. "Não sou um financeiro e nunca fui membro das Comissões
Executivas nem do BES, nem da ESFG nem da Rioforte. Desde 2005 que as minhas
funções no grupo eram apenas 'não executivas', embora acompanhasse como
chairman a estratégia da Rioforte". Nas suas funções de administrador não
executivo do BES e da ES Financial Group, "além de nunca ter tido
quaisquer funções executivas no BES, nem na ESFG, nunca participei nas
comissões executivas, e nunca intervim, seja de que forma for, na gestão do
banco ou na definição da sua estratégia."
Não sabia que uma
parte do passivo da ES Internacional não estava refletido nas contas - sabia do
"relevante endividamento", mas "nunca supus, e tanto quanto me
apercebi o mesmo sucederia com a generalidade dos demais administradores, que
tal endividamento fosse tão elevado". Aliás, frisou, "na ESI, era um
entre 16 administradores".
Salgado controlava toda a
tesouraria
Tudo o que tinha
a ver com tesouraria era controlado por Ricardo Salgado, que "era muito
competente" e "mereceu sempre plena confiança de todos". "O
grupo tinha uma tesouraria central que era gerida pelo dr. Ricardo Salgado e
José Castella, com o apoio de Francisco Machado da Cruz" - o famoso
contabilista que, percebeu-se pelas palavras de Manuel Fernando, dificilmente
teria manipulado sozinho as contas da ESI. "É um desvio muito grande, acho
muito estranho."
Porém, conforme a
audição se desenrolava, foi ficando claro que, mesmo nos assuntos em que devia
ter feito, ou pelo menos, ter sabido alguma coisa, não fez e não soube. Todas
as grandes questões que envolveram a Rioforte - que desde 2009 concentrava a
área não-financeira e se preparava para ser a cúpula da estrutura do universo
Espírito Santo - aparentemente lhe passaram ao lado. A começar pelo papel da ES
Resources no financiamento da Eurofin, sociedade que terá servido para camuflar
operações menos claras do BES no GES.
Maria Mortágua,
do BE, quis saber como é que nesse esquema, o BES terá emprestado cerca de 1300
milhões à ES Resources (da qual Manuel Fernando ainda era chairman - e que
devia estar em desativação, pois no seu lugar tinha sido criada a Rioforte),
tendo depois seguido 800 desses milhões para a Eurofin.
O gestor garantiu
que nada sabia. Foi um dos momentos mais insólitos desta comissão de inquérito:
"Ouvi essa conversa", "isso foi mencionado", mas saber,
saber, não sabia nada. Quem emprestou 1300 milhões à empresa da qual Manuel
Fernando era chairman? E quem investiu 800 milhões desse dinheiro na Eurofin, e
para que fim?, insistiu a deputada do BE. O chairman não sabia. Falou em
"certas pessoas dentro grupo que tinham acesso também à ES Resources, da
área financeira", "não sei exatamente quem", mas sempre foi
explicando que Salgado, Castella e Machado da Cruz controlavam a tesouraria
central e "bastavam duas assinaturas". Então quais foram? "Não
sei, estamos a investigar."
Sobre o
investimento de 900 milhões da PT na Rioforte, o mesmo mistério. Manuel
Fernando começou por dizer que não sabia, para depois admitir que sabia, mas
não tinha estado envolvido. Só falou com a PT, diz, quando foi preciso informar
que a Rioforte não podia pagar o empréstimo que tinha sido feito.
Sobre os
submarinos, idem aspas: não sabia de nada, não teve intervenção, mas sim,
confirmou que recebeu "1 milhão de euros" por este negócio. Transferidos
pela Escom a título de "pagamento pelos resultados obtidos", mas a
troco de coisa nenhuma.
Nem perguntas
factuais - como "quantas ES Resources existiam?" - o gestor foi capaz
de responder com precisão. "Existia duas ou três", uma nas Bahamas,
outra no Luxemburgo, e outra talvez no Panamá, "não tenho bem a certeza".
Isto, recorde-se, sobre entidades de que tinha sido vice-presidente e, depois,
chairman.
"Só uma vez assinei de
cruz"
Contra este
desconhecimento endémico, sucessivos deputados - BE, PSD, PS, PCP... - foram
lembrando as funções que o gesto ocupava. "O que nos diz é que era o
chairman, mas punham e tiravam dinheiro da sua empresa sem saber de nada",
resumiu Pedro Saraiva, do PSD. E foram lembradas as assinaturas de Manuel
Fernando em muitos documentos do grupo e em atas do conselho superior onde
estes assuntos eram tratados. Assinava de cruz?, questionou o socialista José
Magalhães, fazendo um trocadilho entre a frase feita e o nome do contabilista. "Se
alguma vez assinei de cruz? Assinei muitos documentos à base da confiança. Só
uma vez assinei de cruz" - não explicou quando.
Apesar da
Rioforte ter sido um dos pilares do desmoronamento do grupo, o gestor fez ao
longo da audição muitos elogios à sua robustez ("debilidades na Rioforte
não havia") e ao seu modelo de governação ("tinha uma governança impecável",
"de acordo com as melhores e mais recentes práticas internacionais").
"Onde
confessa que está, não vê, não ouve. E quando fala, não diz", concluiu
José Magalhães.
Houve momentos em
que, perante o desempenho de Manuel Fernando, o constrangimento geral era quase
palpável na sala da comissão de inquérito. Mas talvez não fosse razão para
tanto. Afinal, tratava-se do homem que, apesar de ter começado a sua audição
por notar que fez "estudos superiores em Inglaterra", também contou
que, em 2005, se afastou de funções executivas no ramo não financeiro do GES
"porque senti necessidade de profissionalizar a gestão ao mais alto
nível"... O homem que sabia de menos não pode ser acusado de se ter posto
em bicos de pés.
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