O desconcertante testemunho de um consultor no negócio dos submarinos
Miguel Horta e Costa admitiu aos deputados que o consórcio GSC mudou de
modelo de submarino durante o concurso. Às 19h35 a comissão de inquérito parou,
porque o telemóvel da testemunha tocou
“Aconselhei os alemães a irem para o primeiro embate com o submarino mais
barato. A Marinha ficou chateada: Isto parece um Volkswagen com bancos de
madeira...”
Paulo Pena /
4-9-2014 / PÚBLICO
Os
telespectadores da ARTV, os deputados da comissão que investiga as
contrapartidas e os leitores do PÚBLICO e da Lusa foram advertidos, no início,
de que esta não seria uma audição banal. A testemunha, Miguel Horta e Costa, 64
anos, ex-consultor da Escom, avisou que “esta é daquelas histórias que não são
muito verosímeis”. Esta é a sua história. A do homem que participou em fases
decisivas do negócio dos submarinos.
Antes disso,
Miguel Nuno Oliveira Horta e Costa era apenas um autodidacta em armamento e
equipamentos de defesa. Alguém que gostaria de ter sido militar, mas só
descobriu essa vocação depois do 25 de Abril, quando já não tinha idade. Nos
anos 80 começou por “ir às feiras”, não aquelas “que vendem queijo”, esclareceu
aos deputados, mas sim de armamento. E desde essa altura convenceu-se de que
Portugal iria precisar de helicópteros e submarinos.
Em certa ocasião,
foi, “de táxi”, de Londres para uma fábrica de submarinos inglesa. Em França
não o deixaram entrar. Na Alemanha sim. Em meados dos anos 90, depois de muito
insistir – “toda a gente se ria, ninguém queria submarinos para nada” –
torna-se consultor da Escom, acrónimo de Espírito Santo Commerce, uma empresa
com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, e cuja actividade era exercida, sobretudo,
em África. A empresa era presidida pelo seu irmão, Luís Miguel (todos os Horta
e Costa, deste ramo, têm o nome Miguel: “Somos o pior que se pode ser,
miguelistas”). Miguel Horta e Costa queria representar os alemães e pensava que
só com o apoio de um grupo como o GES o poderia fazer. Mais: “As empresas
portuguesas, para fazerem contrapartidas, precisam de um bom banco. O BES era o
banco que, na época, podia fazer com que as contrapartidas resultassem. Mas o
BES não percebia nada de contrapartidas, graças a Deus.”
Aliás, nem o
próprio Miguel Horta e Costa. “Nós não sabíamos nada de contrapartidas. Hoje
provavelmente sei umas coisas valentes.”
A Escom
contrata-o, em data incerta, como consultor externo. O consórcio GSC, da
Man/Ferrostaal, contrata a Escom, algures “entre 1996 e 1997” .
Miguel Horta e
Costa E o Estado português abre um concurso para a aquisição de submarinos, em
1998. Outro dossiê, o do “novo aeroporto de Lisboa”, sobre o qual tinha reunido
“muita documentação do tempo do doutor Salazar”, serviu de isco. “Quando,
finalmente, a Escom aceita pegar no aeroporto de Lisboa, eu tento trazer os
submarinos para o mesmo advogado [Vasco Vieira de Almeida] e a Escom para este
negócio”. Assim se conclui a primeira parte da história.
“A minha função
era a de juntar os alemães com a indústria portuguesa”, esclarece. “Aconselhei
os alemães a irem para o primeiro embate com o submarino mais barato que
tivessem. A Marinha ficou chateada: ‘Isto parece um Volkswagen com bancos de
madeira’.” Entretanto, o Governo que abrira o concurso, de António Guterres,
cai. Entra um novo, do PSD-CDS. E, no final do concurso, os concorrentes
franceses levam vantagem. Então, admite Horta e Costa, os alemães mudam de
submarino. Trocam o “barato” U209 pelo actual U214. Este tem sido, nos últimos
anos, um dos temas tabu neste caso. O Estado nunca admitiu a troca, que os
franceses sempre apontaram como um episódio que desvirtuou a competição. Paulo
Portas, o ministro à data, já foi inquirido.
A própria
inquirição de Horta e Costa oscilou entre estas revelações e momentos de alívio
cómico. O seu telemóvel tocou, várias vezes, enquanto falava, quebrando a
solenidade de um testemunho perante uma comissão que tem poderes parajudiciais.
Numa dessas ocasiões, Horta e Costa, com o microfone ligado (e a gravação da
acta a decorrer) queixou-se: “As antigas mulheres todas a ligarem-me.” Perante
isto, Telmo Correia propôs uma inédita pausa nos trabalhos.
Pouco depois,
Horta e Costa revelava que conhece Durão Barroso “há séculos”, dos tempos do MRPP.
“Mas entrei para o MRPP muito antes dele, ele era um miúdo.” Quem diz Durão,
diz Ana Gomes. Mas, de resto, garante, não conhece muita gente na política. “Não
estou a esse nível. O meu trabalho é simplório. Eu ando na estrada.” Ou: “Sou
um homem das máquinas”. Ou ainda: “Sou um tipo do material.” Era, isso sim, “o
único consultor para este assunto da Escom”. Esteve “em todas as reuniões”.
Assistiu “a muita coisa”. E até chegou a dizer que a Escom rompeu com os
alemães porque não se queria ver envolvida nos esquemas de “facturas falsas”
que, segundo a acusação do Ministério Público, algumas empresas cobraram como
contrapartidas dos submarinos. A coisa acabou praticamente “à pancada”, ficou
escrito nas actas.
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