Alemanha dividida: O que está em causa
Helena Ferro de
Gouveia / 23-12-2014 / OBSERVADOR
São os “Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente” e
manifestam-se todas as segundas-feiras. O que significa este movimento num país
visto como próspero e numa sociedade aberta?
Dresden, Bona,
Kassel: o cenário repete-se à segunda-feira. Os autodenominados “Patriotas
Europeus contra a Islamização do Ocidente” (PEGIDA) descem à rua. Empunhando a
bandeira nacional e gritando “Wir sind das Volk”, nós somos o povo, o slogan
das manifestações que em 1989 fizeram vacilar o regime da RDA e levaram à queda
do Muro de Berlim.
Os sinais de
alarme tocaram e políticos e jornalistas, perplexos, dividem-se sobre a reacção
a tomar face a este movimento social. Dialogar? Ignorá-los? Ostracizá-los?
Em democracia a
“rua” não deve ser desprezada, não porque tenha razão, mas para se entender
porque se misturam populismos de direita nas suas diversas nuances – neonazis,
hooligans, nacionalistas – e cidadãos “comuns”. Como explicar este movimento
social numa sociedade rica e de aparente bem estar como a alemã? Angústia
perante a vulnerabilidade das sociedades ocidentais face às ameaças sem
precedentes colocadas pelo terrorismo islâmico? Medo das “células adormecidas”
que os serviços secretos dizem existir no país? Receio dos refugiados que têm
chegado às centenas de milhar? Apreensão face à nova onda de emigração?
Vamos por partes.
Não se pode enterrar a cabeça irresponsavelmente na areia e fingir que não se
vê que, sob a capa politicamente correcta do multiculturalismo, se permitiram
entorses aos valores de uma sociedade livre e democrática.
À sombra do
Estado de Direito alemão existe, por exemplo, uma justiça paralela. Em Berlim
ou Bremen os problemas de violência familiar, em famílias muçulmanas, são
resolvidos, à luz da Sharia, por “Juízes de Paz” que são em simultâneo imãs. Invocando
o argumento da liberdade religiosa, em pleno século XXI, as mulheres continuam
a ser forçadas a aceitar maus-tratos, a ser submissas, a casar contra a sua
vontade, tudo sob ameaça de violência física e psicológica. Para demasiados
machos na Alemanha a “honra” de um homem fica entre as pernas de uma mulher. Só
em 2014, 15 mulheres foram vítimas de hediondos “crimes de honra”, praticados
nalguns casos com a conivência e a aprovação das famílias. E face a uma quase
indiferença da sociedade.
Os ataques de 11 de
Setembro – planeados em Hamburgo –, a série sucessiva de atentados que foram
sendo desmantelados pela polícia nesta última década, os diversos episódios de
violência protagonizados por salafistas e a partida de centenas de jovens
muçulmanos residentes na Alemanha para se juntarem ao ISIS, contribuíram para
aumentar o desconforto do convívio.
Estes factos não
podem ser ignorados, como também não pode ser ignorado que o que move o PEGIDA
e a AfD, Alternativa para a Alemanha, não é uma questão religiosa. A suposta
“islamização” da sociedade ou fanatismo fundamentalista é uma superficie de
projecção para um profundo mal-estar de ordem social, política e económica.
Num gesto de
defesa intransigente da democracia, Josef Schuster, presidente do Conselho
Central dos Judeus na Alemanha, saiu em defesa da comunidade muçulmana,
considerando “absolutamente inaceitável que se instrumentalize o radicalismo
islâmico para atacar toda uma religião” e nela os Ausländer, os estrangeiros,
que a praticam. Nas palavras das chanceler Angela Merkel, “não há lugar na
Alemanha para o incitamento ao ódio”. Porém, nem a chanceler nem os partidos da
coligação governamental de Berlim, ou seja, o arco do poder, terão entendido
(ou querido entender) o que se esconde por detrás da retórica anti-islâmica e
xenófoba. Muitos dos que enchem as ruas às segundas-feiras são movidos pelo
ressentimento. O Instituto Nacional de Estatística alemão publicou há pouco
tempo os dados relativos a 2013, e neles pode ver-se que um em cada cinco
alemães vivia em situação de exclusão social ou de pobreza absoluta. Em números
reais são 16,2 milhões de pessoas. O modelo económico alemão está a esfriar.
A isto se soma a
crónica dificuldade de a Alemanha, apesar da nova vaga de imigrantes causada
pela crise financeira europeia e dos benefícios para a sua economia desta leva
de profissionais qualificados, se aceitar como um país de imigração e que os
que os “Gastarbeiter”, os “trabalhadores convidados” (uma palavra que me causa
calafrios), se radicaram há muito no país
Apesar dos
movimentos migratórios do pós-guerra se terem iniciado na década de 60 do
século passdo, e de a Alemanha ser o país da União Europeia com maior número de
imigrantes e refugiados, só em 2005 teve a primeira de Lei de Imigração (e
apenas com coligação SPD-Verdes se alterou a lei da nacionalidade, passando do
direito de sangue para o direito de solo, facilitando a obtenção da
nacionalidade por estrangeiros). Vinte por cento dos homens e mulheres que
vivem na Alemanha têm origem estrangeira, mas foi preciso o Mundial de 2006
para que houvesse uma mudança de paradigma do Wir (nós) – Ihr (vocês) para o
Ihr sind Wir (vocês são nós). Mudança incompleta no entanto.
Sinal inequívoco
destes mixed feelings na sociedade germânica é a proposta recente dos
democratas-cristãos da Baviera (CSU) para que os estrangeiros residentes na
Alemanha falassem em casa apenas alemão (como se fosse possível aplicar tal
medida ou fiscalizá-la). Dando mostras de muito bom senso, a opinião publicada
e os cartoonistas reduziram essa proposta àquilo que é: rídícula.
No meio da
apreensão que as tensões sociais na Alemanha nos devem causar, e às quais a
política terá de dar resposta, há sinais de esperança e de clara maturidade da
democracia alemã. E esses vêm do cerne da sociedade. Cada vez que o PEGIDA
desce à rua, o número de contra-manifestantes tem sido claramente superior. Esta
segunda-feira a Semperoper em Dresden, em frente à qual os populistas de
direita se congregavam, desligou as luzes da sua fachada. Em Munique 12 mil
pessoas manifestaram-se contra o PEGIDA e contra “a idiotização do Ocidente”, e
na Ópera da cidade onde Hitler iniciou o seu percurso para chegar ao poder pendiam
entre as colunas três faixas: “humanidade, respeito, diversidade”.
Jornalista, vive na Alemanha
Record 17,000 join nationalist march in Germany
Many in Berlin shocked by emergence of far-right anti-Islamist
group Pegida as growing numbers join weekly Dresden protest
Agence France-Presse in Berlin
theguardian.com, Monday 22 December 2014 / http://www.theguardian.com/world/2014/dec/22/anti-islam-march-germany-sing-christmas-carols
A record 17,000 people have joined the
latest in a string of demonstrations against Islam in Dresden ,
eastern Germany ,
celebrating the rise of their far-right populist movement by singing Christmas
carols.
The march on Monday night was organised by
Patriotic Europeans Against Islamisation of the West – a group that has grown
rapidly since its first protest in October.
Politicians from all major parties have
been stunned by the emergence of the right-wing nationalists who vent their
anger against what they consider a broken immigration and asylum system.
About 4,500 counter-demonstrators marched
through the city under the slogan “Dresden
Nazi-free”, warning that there was no space for racism and xenophobia in the
country that perpetrated the Holocaust.
Most Pegida followers insist they are not
Nazis but patriots who worry about the “watering down” of their
Christian-rooted culture and traditions. They often accuse mainstream political
parties of betraying them and the media of lying.
Braving cold and wet weather, they gathered
outside the historic Semperoper concert hall for their pre-Christmas recital.
Police put their numbers at about 17,500, up from the previous high of 15,000 a week earlier.
The management of the opera house signalled
its distaste by turning the building’s lights off and flying flags outside that
read: “Open your eyes”, “Open your hearts”, “Open doors” and “Human dignity is
sacrosanct”, the first line of the national constitution.
The Protestant bishop of Saxony state,
Jochen Bohl, said the Pegida followers, by singing Christmas carols, were
seeking “to exploit a Christian symbol and a Christian tradition” for political
purposes, German news agency DPA reported.
Former German chancellor Gerhard Schroeder,
of the centre-left Social Democrats, called for concerned citizens to launch a
“rebellion of the decent” against the anti-foreigner movement, saying “that’s
the kind of public reaction we need now”.
Pegida, born in a city that was part of
communist East Germany
until the fall of the Berlin Wall 25 years ago, has spawned copycat groups in
western areas which have failed so far to attract similar crowds.
Smaller clone groups rallied Monday in the
western cities of Bonn , Kassel and Wuerzburg, but they only drew up
to 200 followers each and were all vastly outnumbered by counter-demonstrations
that drew 20,000 nationwide.
Police reported no major violence but said
eight people were temporarily detained after confrontations in Kassel , reported German news agency DPA.
The biggest anti-Pegida march was held in
the southern city of Munich ,
where at least 12,000 rallied under the banner “Make space – Refugees are
welcome”.
“We have space for people of different skin
colour, ethnic origin and mother tongue,” city mayor Dieter Reiter told the
crowd.
“We have space for all religions and
believers: for those who go to the mosque on Fridays, who go to the synagogue
on Saturdays, or to church on Sundays, but also for those who prefer to just
stay home.”
The movement has emerged at a time when Germany , Europe’s biggest economy, has become
the continent’s top destination for asylum seekers, and the world’s number two
destination for migrants after the United States .
The influx of refugees from Syria , Iraq ,
Afghanistan
and several African and Balkan countries has strained local governments, which
have scrambled to house the newcomers in old schools, office blocks and army
barracks.
Chancellor Angela Merkel has cautioned
Germans against falling prey to any form of xenophobic “rabble-rousing”, while
other lawmakers have deplored the new “pin-striped Nazis”.
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