segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O medo volta a pairar sobre a Grécia. Atenas prepara-se para um jogo de póquer que pode decidir o futuro do euro.


O medo volta a pairar sobre a Grécia
DIRECÇÃO EDITORIAL 29/12/2014 / PÚBLICO
Uma vez mais o medo de uma mudança política volta a pôr a Europa e os mercados em estado de alerta. Entre a soberania e a sobrevivência, as escolhas dos gregos são difíceis

O exercício da democracia tornou-se uma actividade perigosa numa Europa em crise e é por isso que a antecipação de eleições legislativas na Grécia causa tanta ansiedade nas instâncias da União ou nos escritórios do FMI. Percebe-se. Quando se depende da ajuda externa para manter a solvência do Estado, o conceito de soberania fica limitado e o interesse dos credores transforma-se numa arma de arremesso político. Face à proximidade de eleições que, de acordo com as sondagens, colocam o Syriza na liderança, o presidente da Comissão Europeia admitiu que “não gostaria que forças extremistas chegassem ao poder”. Se chegarem, todo o plano de resgate, todos os esforços feitos pela troika para manter o Governo de Atenas à tona da água e todos os avanços que, apesar de tudo, se fizeram para ultrapassar uma crise que chegou a ameaçar a moeda única ficam em causa. 

Até que o resultado das eleições seja conhecido, a União Europeia e os mercados financeiros preparam-se para viver um compasso de espera. Bruxelas já havia adiado as negociações sobre a continuidade do programa de ajuda das quais depende a libertação de mais uma tranche de 1800 milhões de euros, para Março. Hoje, o FMI entrou no jogo e travou até depois das eleições a sua intervenção no processo. Subliminarmente, o que está em causa é mais do que um aviso. É uma ameaça. Não se negoceiam empréstimos com quem inscreve no seu programa a vontade de não os cumprir ou de, pelo menos, os renegociar.

Os cidadãos gregos ficam avisados. Entre a persistência de políticas de austeridade que já derreteram quase um quarto do produto interno bruto da Grécia desde 2008 e a falta de liquidez, a escolha está nas suas mãos. Nenhum dos cenários em aberto é propriamente brilhante, mas, apesar de tudo, o país começou a cumprir os critérios do défice e a economia dá sinais de vida. Mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma pode ser um caminho. O Governo percebeu que tinha de se ajustar a um novo ciclo e aproximou-se da táctica de confronto com a troika proposta pelo Syriza, recusando aumentar o IVA dos medicamentos ou acrescentar novos cortes nas pensões. E Alexis Tsipras, líder do Syriza, tratou nas últimas semanas de se mostrar na Comissão Europeia e no Banco Central Europeu, num gesto que pressupõe vontade de diálogo e, talvez, abdicação. Já não fala de “reestruturação da dívida”, prefere invocar uma “renegociação”.

Apesar da ténue aproximação entre blocos, há sinais de que os eleitores podem canalizar o medo que lhes chega do exterior para a eleição do bloco moderado. O Syriza, que ganhou as eleições europeias, mas que, de acordo com as últimas sondagens, tem agora uma vantagem de apenas 3% sobre a Nova Democracia, pode morrer na praia. A vontade de mudar colide de novo com a necessidade de manter o mal menor. Com um quarto da população activa no desemprego, com uma dívida correspondente a 200% do PIB, a Grécia tem pouca margem para ir para lá da resignação.



Atenas prepara-se para um jogo de póquer que pode decidir o futuro do euro
SÉRGIO ANÍBAL 29/12/2014 - PÚBLICO

Mercados assustados com cenário de chegada ao poder na Grécia de um governo que diga aos credores que não consegue pagar toda a dívida.
Banco Central Europeu, liderado por Mario Draghi, reúne-se cinco dias antes das eleições antecipadas na Grécia.

A possibilidade de chegada ao poder nas próximas semanas de um governo anti-austeridade na Grécia voltou ontem a pôr os investidores dos mercados internacionais a falar dos riscos de ruptura na zona euro. Para já, contudo, são poucos os que arriscam fazer apostas para o desfecho do jogo de póquer que se poderá vir a realizar entre um eventual governo formado pelo Syriza (coligação de esquerda) e os líderes europeus.

Uma coisa é certa para já: os mercados estão com medo. A prova disso é a subida das taxas de juro da dívida a dez anos da Grécia. Em Julho de 2014 estavam próximas de 6% e agora estão quase a ultrapassar de novo a barreira dos 10%. A que se deve este receio? A explicação está no facto de, quem tem obrigações ou acções gregas, temer que venha a ocorrer com o Syriza uma reestruturação da dívida ou mesmo uma saída da Grécia do euro.

Nas propostas que tem vindo a apresentar para um futuro Governo, o Syriza elege duas grandes linhas de actuação. A primeira é não aprovar mais medidas de austeridade, recusando por isso aquilo que têm sido as exigências da troika para fechar o actual programa. Pelo contrário, o partido liderado por Alexis Tsipras quer mesmo recuar em algumas das medidas dos últimos anos. Por exemplo, diz que irá repor o valor antigo do salário mínimo nos 750 euros.

A segunda é reestruturar grande parte da dívida pública grega, actualmente situada em 177% do PIB. Os responsáveis do Syriza dizem que reduzir a metade a dívida é o mínimo que é preciso fazer para libertar a economia de uma sobrecarga que não lhe permite crescer. E garantem que será possível fazer isso sem sair do euro.

A estratégia é, com uma negociação agressiva e coordenada com outras forças políticas europeias, convencer os líderes europeus que a única solução viável é começarem a aceitar que não vão poder receber de volta todo o dinheiro que emprestaram à Grécia nos últimos anos.

Para essa negociação, o Syriza planeia apresentar um trunfo de peso: os 240 mil milhões de euros que, nos últimos cinco anos e em dois programas acordados com Atenas, os países da UE e o FMI aceitaram emprestar à Grécia. O que uma Grécia liderada pelo Syriza irá dizer é que, se não for aceite uma reestruturação da dívida e continuarem a serem impostas medidas de austeridade, o que estarão a fazer é a empurrar o país para fora do euro e para a falência descontrolada, em que a troika (incluindo o BCE) se arriscaria a não receber nada de volta. Perante este cenário, para os cofres dos países do euro que emprestaram dinheiro à Grécia, a alternativa de aceitar uma reestruturação de dívida parcial poderia não parecer assim tão pouco atractiva.

O bluff pode falhar
Este é contudo um jogo de póquer bastante arriscado para todos os intervenientes. Um Governo Syriza também teria muito a perder se o jogo lhe corresse mal. Se os líderes europeus não cedessem, continuassem a exigir a Atenas mais austeridade e recusassem qualquer tipo de perdão de dívida, o novo governo grego teria de decidir muito rapidamente se seguiria o caminho cheio de incertezas de uma declaração unilateral de falência.

O problema começaria logo por surgir caso não se chegasse até ao final de Fevereiro a acordo para fechar ou adiar o fim do segundo programa da troika. O Governo liderado por Antonis Samaras não conseguiu concluir a tempo as negociações para o recebimento da última tranche no final deste ano, obtendo apenas um alargamento de dois meses da duração do programa. A Nova Democracia não quis, com o espectro de novas eleições à vista, tomar as novas medidas de austeridade que a troika pedia.

Agora, chegar a um acordo de forma rápida com a troika, que permita avançar depois com um terceiro pacote de financiamento (talvez um programa cautelar), parece um cenário improvável para o próximo Governo. E assim a Grécia arrisca-se, não só a ficar sem a última tranche do empréstimo e sem uma nova linha de crédito, como principalmente a ver os bancos perderem imediatamente o acesso ao financiamento do BCE, que já garantiu que apenas concede empréstimos caso o país esteja sujeito a um programa da troika.

Nas principais capitais europeias, por seu lado, fazem-se as contas ao impacto sobre o resto da zona euro de uma saída forçada da Grécia. Há quem defenda que, ao contrário do que acontecia nos primeiros anos da crise, o efeito de contágio seria agora menor, principalmente porque o sector privado dos diversos países está menos exposto à Grécia. No entanto, seria preciso que o BCE (que se reúne cinco dias antes das eleições) mostrasse sinais de estar pronto a ajudar e os Estados estivessem dispostos a suportar nas suas contas as perdas relacionadas com o default grego. Em todos os casos, é difícil de prever como é que os mercados passariam, depois de um default traumático, a olhar para países com grandes dívidas como a Itália e Espanha.


Com tanto a perder de ambos os lados, permanece a dúvida sobre quem poderá vir a ceder primeiro e a desistir de fazer bluff neste jogo de póquer: se os líderes europeus, se um eventual futuro Governo formado pelo Syriza.     

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