Guerra do petróleo revolve a cena
política internacional
Análise Jorge
Almeida Fernandes / 18-12-2014 / PÚBLICO
Não pretendo
apagar as determinações da economia mas sublinhar a dimensão do petróleo como
“arma política”. O preço do crude começou a baixar por duas razões: quebra na
procura mundial e excesso de produção. Para a Arábia Saudita, o mais ameaçador
aspecto da “abundância” foi a subida exponencial da produção de petróleo de
xisto nos Estados Unidos, que ameaçava a sua preponderância no mercado mundial.
A decisão de manter a produção e fazer cair drasticamente o preço — o inverso
das crises petrolíferas do século XX — visa, em primeiro lugar, atacar o
petróleo de xisto. Mas envolve também cálculos políticos mais sofisticados.
Assiste-se a uma
súbita recuperação da centralidade saudita na geopolítica energética e,
consequentemente, do seu estatuto de potência regional. Entre as muitas
“vítimas” da quebra dos preços estão países como a Nigéria ou a Venezuela,
todos os que têm custos altos de extracção ou os que dependem excessivamente da
receita energética. Muitos deles têm dificuldade em suportar um preço abaixo
dos 100 dólares por barril. Os casos com maiores implicações políticas são os da
Rússia e do Irão.
Sauditas e
americanos
Os sauditas
dispõem das maiores reservas do mundo conhecidas, com um baixíssimo custo de
extracção. Podem por isso suportar um preço baixo durante muito tempo. É a arma
com que jogam.
Um dos aspectos
mais significativos desta crise é que, sendo o petróleo de xisto americano o
alvo determinante da nova política saudita, parece haver uma intrigante
cumplicidade entre os dois países. Os produtores americanos com custos mais
elevados terão de fechar as suas explorações. Mas Washington não parece
demasiado preocupada, porque calculará que, em compensação, poderá retirar
dividendos políticos.
Olhemos para um
ano antes. O acordo preliminar de Novembro de 2013 entre o Irão e o grupo 5+1
(Estados Unidos, Rússia, China, França, Grã-Bretanha e Alemanha), sobre o
nuclear iraniano, fez vislumbrar uma “viragem tectónica” na paisagem do Médio
Oriente. A mais curto ou longo prazo, Teerão poderia retomar o papel de grande
potência regional e abrir as portas a uma cooperação estratégica com os Estados
Unidos, desejada por muitos estrategos americanos.
Desde a invasão
americana do Iraque, a política regional passou a ser dominada pela rivalidade
entre Estados sunitas e xiittas. A Arábia Saudita sofrera um desaire na Síria,
depois de ter visto o Iraque cair sob influência iraniana. A seguir, a irrupção
dos jihadistas do Estado Islâmico reforçou a colaboração entre Washington e
Teerão. Hoje, Riad terá recuperado a sua debilitada influência sobre a
Administração Obama.
“Os sauditas
nunca deixaram de usar os petrodólares com fins políticos: é a sua principal
arma diplomática”, escreve David Gardner, do Financial Times. A sua obsessão é
impedir uma futura hegemonia do Irão xiita no Golfo. O Irão, sujeito a sanções,
precisaria de exportar o seu petróleo a um preço bem acima dos 100 dólares o
barril. A decisão saudita é um golpe importante no sentido de “estrangular a
economia iraniana”, frisa o analista americano John Hulsman, do Council on
Foreign Relations. Interessante é que os americanos também poderão ganhar. Sem
impor novas sanções a Teerão — o que ameaçaria o frágil processo negocial —,
vêem aumentar a pressão sobre os ayatollahs, o que poderia reforçar as
perspectivas de um acordo no dossier nuclear. Por outro lado, os sauditas não
choram a sorte da Rússia de Vladimir Putin, sua adversária na Síria, que
esperam ver enfraquecida. E muito menos a chorarão os americanos. O jornalista
americano Jordan Weissman ironizou a propósito da situação de Putin: “Parece
que a arma económica mais poderosa de que os Estados Unidos dispõem contra a
Rússia são os poços de petróleo do Dakota do Norte e do Texas” — que
desencadearam a queda do preço do petróleo.
Que fará Putin?
A situação da
Rússia é a mais ameaçadora de todas. Os analistas não falam apenas em “crise
económica” mas no “colapso do sistema económico de Putin”, que não soube
diversificar a economia e a manteve refém dos preços do gás e do petróleo, para
lá de uma corrupção sistémica. O risco de bancarrota é real.
Escreve o
economista russo Serguei Guriev: “Apenas nos restam duas certezas. Primeiro,
sem o levantamento das sanções ou sem a subida do preço do petróleo, a economia
russa comportar-se-á pior em 2015. Segundo, podemos prever que a resposta de
Moscovo — tanto na economia como na política externa — será imprevisível.” O
grande problema é exactamente esta imprevisibilidade.
Nenhuma
reconversão económica se faz no curto prazo e as questões a que o Kremlin tem
de dar resposta são imediatas e drásticas: moeda em descalabro, perda de
confiança dos russos, capitais em fuga e nenhuma perspectiva de investimento
estrangeiro. Muitos analistas ocidentais invocam a necessidade de Putin aceitar
uma “retirada estratégica” na Ucrânia como forma de recuperar alguma margem de
manobra.
Mas o que está em
jogo é o próprio estatuto de Vladimir Putin. Plebiscitado pelos russos como o
“líder forte” que restabeleceu a estabilidade e a grandeza russa, é o seu
“sistema” que está ameaçado de desabamento — pela queda do esteio do petróleo. Depois
de ter atingido o pico da confiança pública com a anexação da Crimeia e a
intervenção na Ucrânia, corre o risco de ver derreter a popularidade.
“Putin é o
símbolo da Rússia e do Estado para os cidadãos comuns”, declara à Bloomberg
Igor Bunin, presidente do Centro de Moscovo para as Tecnologias Políticas. “As
pessoas olham-no como a estrela da sorte que as salvará. Têm medo de o perder
como símbolo.” Vão agora enfrentar um choque terrível.
Nos últimos anos,
a táctica de Putin consistiu em mostrar -se como o paladino de um Estado forte
e de uma Rússia forte, cercada de países hostis. Foi mestre no uso da arma do
patriotismo. Pode mudar de imagem? Optará por um realismo frio ou por uma
escalada nacionalista e beligerante? É o reino da imprevisibilidade. Nos
aviões, dá-se um conselho: “Apertem os cintos.”
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