sábado, 13 de dezembro de 2014

BES. Afinal, de quem é a culpa? Por Luís Rosa

( ...) "Bem vistas as coisas, é muito mais provável que a recepcionista e as empregadas de limpeza da sede do banco na Avenida da Liberdade sejam as responsáveis pela falência do banco do que os administradores do mesmo – cenário, refira--se, que não está totalmente afastado pelas autoridades...
 Sarcasmos à parte, o direito à defesa não pode ser transformado num insulto à inteligência dos deputados e dos portugueses. Mas foi isso que Ricardo Salgado e Morais Pires fizeram. Ninguém acredita nas razões de Ricardo Salgado para culpar tudo e todos – como ninguém acredita que Pires nem a contabilidade do banco controlasse. A credibilidade dos dois ficou esta semana seriamente afectada. Pelo contrário, os deputados da comissão parlamentar de inquérito do BES recuperaram um pouco a credibilidade do parlamento."
                                                                  Luís Rosa


BES. Afinal, de quem é a culpa?
Por Luís Rosa
publicado em 13 Dez 2014 in (jornal) i online

A julgar pelos depoimentos de Ricardo Salgado e de Morais Pires, a recepcionista da sede deverá ter mais responsabilidade na gestão do banco do que o ex-presidente e o técnico bancário de nível 8

A propósito da manchete do i “Ricardo Salgado esqueceu-se de declarar 8,5 milhões de euros” ao fisco, Ricardo Araújo Pereira criou um personagem chamado Ricardo Ribeiro que padecia do mesmo problema de amnésia fiscal de Salgado. Ribeiro tinha tropeçado em 8,5 milhões de euros esquecidos em casa e teve de ir às Finanças. “É daquelas coisas parvas, uma pessoa chega a casa ao fim do dia com os 8,5 milhões, pousa em cima de uma mesa mas aquilo, sem querer, cai para o chão, rola para debaixo do sofá e nunca mais me lembrei deles. Estavam ao lado de uma caneta bic, mas isso ninguém liga. É extremamente desagradável. Só quem não passa por isto é que não sabe. E o contrário também. Topar com 8,5 milhões de euros não é a maravilha que as pessoas pensam”, rematava Ribeiro.

Gerir um banco também não é uma maravilha, pensaria Ricardo Ribeiro se tivesse ouvido esta semana Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e José Maria Ricciardi no parlamento. “É daquelas coisas parvas”.
Em primeiro lugar, ninguém manda. O presidente executivo durante 22 anos não sabe de nada, mas garante que o banco estava bem até quererem destrui-lo – não o próprio Salgado, mas sim outras pessoas, os maus. Onúmero 2 do BES (é verdade, um chief financial officer costuma ser o braço-direito do presidente quando não existe um vice-presidente) é um “técnico bancário de nível 8” que fazia fé em toda a gente e que usa gravatas Hermés para parecer um banqueiro. E o administrador Ricciardi, responsável pelo risco, na realidade não era o responsável porque estava sempre em viagem, a trabalhar na expansão do BES Investimento – ao menos, fez denúncias ao Banco de Portugal quando tomou conhecimento de irregularidades.

Ouvidos os depoimentos, Ricardo Ribeiro teria de concluir forçosamente que os dois banqueiros Salgado e Ricciardi e o “técnico bancário de nível 8” Pires não eram, obviamente, responsáveis por nada – muito menos pelo buraco de 3577 milhões de euros do BES no final do 1.º semestre deste ano. Nem vale a pena falar, obviamente, da derrocada do Grupo Espírito Santo. Bem vistas as coisas, é muito mais provável que a recepcionista e as empregadas de limpeza da sede do banco na Avenida da Liberdade sejam as responsáveis pela falência do banco do que os administradores do mesmo – cenário, refira--se, que não está totalmente afastado pelas autoridades...


Sarcasmos à parte, o direito à defesa não pode ser transformado num insulto à inteligência dos deputados e dos portugueses. Mas foi isso que Ricardo Salgado e Morais Pires fizeram. Ninguém acredita nas razões de Ricardo Salgado para culpar tudo e todos – como ninguém acredita que Pires nem a contabilidade do banco controlasse. A credibilidade dos dois ficou esta semana seriamente afectada. Pelo contrário, os deputados da comissão parlamentar de inquérito do BES recuperaram um pouco a credibilidade do parlamento.

Sem comentários: