BES. Afinal, de quem é a culpa?
Por Luís Rosa
publicado em 13
Dez 2014 in
(jornal) i online
A julgar pelos depoimentos de Ricardo Salgado e de Morais Pires, a
recepcionista da sede deverá ter mais responsabilidade na gestão do banco do
que o ex-presidente e o técnico bancário de nível 8
A propósito da
manchete do i “Ricardo Salgado esqueceu-se de declarar 8,5 milhões de euros” ao
fisco, Ricardo Araújo Pereira criou um personagem chamado Ricardo Ribeiro que
padecia do mesmo problema de amnésia fiscal de Salgado. Ribeiro tinha tropeçado
em 8,5 milhões de euros esquecidos em casa e teve de ir às Finanças. “É
daquelas coisas parvas, uma pessoa chega a casa ao fim do dia com os 8,5
milhões, pousa em cima de uma mesa mas aquilo, sem querer, cai para o chão,
rola para debaixo do sofá e nunca mais me lembrei deles. Estavam ao lado de uma
caneta bic, mas isso ninguém liga. É extremamente desagradável. Só quem não
passa por isto é que não sabe. E o contrário também. Topar com 8,5 milhões de
euros não é a maravilha que as pessoas pensam”, rematava Ribeiro.
Gerir um banco
também não é uma maravilha, pensaria Ricardo Ribeiro se tivesse ouvido esta
semana Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e José Maria Ricciardi no
parlamento. “É daquelas coisas parvas”.
Em primeiro
lugar, ninguém manda. O presidente executivo durante 22 anos não sabe de nada,
mas garante que o banco estava bem até quererem destrui-lo – não o próprio
Salgado, mas sim outras pessoas, os maus. Onúmero 2 do BES (é verdade, um chief
financial officer costuma ser o braço-direito do presidente quando não existe
um vice-presidente) é um “técnico bancário de nível 8” que fazia fé em toda a gente
e que usa gravatas Hermés para parecer um banqueiro. E o administrador
Ricciardi, responsável pelo risco, na realidade não era o responsável porque
estava sempre em viagem, a trabalhar na expansão do BES Investimento – ao
menos, fez denúncias ao Banco de Portugal quando tomou conhecimento de
irregularidades.
Ouvidos os
depoimentos, Ricardo Ribeiro teria de concluir forçosamente que os dois
banqueiros Salgado e Ricciardi e o “técnico bancário de nível 8” Pires não eram, obviamente,
responsáveis por nada – muito menos pelo buraco de 3577 milhões de euros do BES
no final do 1.º semestre deste ano. Nem vale a pena falar, obviamente, da
derrocada do Grupo Espírito Santo. Bem vistas as coisas, é muito mais provável
que a recepcionista e as empregadas de limpeza da sede do banco na Avenida da
Liberdade sejam as responsáveis pela falência do banco do que os
administradores do mesmo – cenário, refira--se, que não está totalmente
afastado pelas autoridades...
Sarcasmos à
parte, o direito à defesa não pode ser transformado num insulto à inteligência
dos deputados e dos portugueses. Mas foi isso que Ricardo Salgado e Morais
Pires fizeram. Ninguém acredita nas razões de Ricardo Salgado para culpar tudo
e todos – como ninguém acredita que Pires nem a contabilidade do banco
controlasse. A credibilidade dos dois ficou esta semana seriamente afectada.
Pelo contrário, os deputados da comissão parlamentar de inquérito do BES
recuperaram um pouco a credibilidade do parlamento.
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