A cabeça da serpente e o rabo do
boi
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO 14/12/2014 – PÚBLICO
Será que Portugal se tornou já na
“porta dos fundos” da Europa?
Repentinamente e
finalmente aconteceu. No contexto da longa batalha que os moradores dos bairros
históricos travam contra o ruído e anarquia da “animação” nocturna estimulada e
licenciada pelo “zé”, finalmente, veio o anúncio da futura proibição nocturna
de venda de bebidas alcoólicas, depois das 22 horas.
Isto leva-nos de
imediato ao debate desenvolvido por Raquel Varela no contexto da entrevista de
Y Ping Chow em nome da comunidade chinesa, onde a professora se refere não
apenas às Lojas Chinesas, mas também às mercearias asiáticas.
Chow, sem
hesitações, define de imediato a sua comunidade não como um grupo, um povo, mas
como uma raça empreendedora, isto em contraste com as características
hesitantes, passivas ou mesmo indolentes dos portugueses.
Para isto, e na
melhor tradição da simbologia chinesa, ele remata que esta raça “prefere ser a
cabeça da cobra a ser o rabo do boi”.
Cada vez que a
questão da invasão saturante das lojas chinesas e a questão da qualidade dos
seus produtos é levantada, de imediato neutraliza-se de forma inibidora o ritmo
e a natural capacidade de discernimento do evidente, com o argumento da
etnicidade.
Recusa-se a
discussão do facto que a estratégia do Urbanismo Comercial da Câmara Municipal
de Lisboa tem sido inexistente, que estas lojas usufruem de isenção fiscal por
cinco anos, que não estão sujeitas a horários de trabalho nem a visitas de
Inspecção de Trabalho. Que são entrepostos de escoamento de produtos
inferiores, produzidos em verdadeira escravatura e agências estratégicas de
obtenção de divisas.
As cíclicas
mudanças de ramo ou de local, mantêm as isenções fiscais.
Ora, muito
recentemente fomos confrontados com um escândalo nas chefias do Estado, difícil
ainda de definir, mas fácil de classificar, como Imoralidade, na sua forma
encoberta e indirecta de atribuição de um preço para o direito de circulação no
espaço Schengen, e para a nacionalidade portuguesa.
Segundo o próprio
Chow, andamos portanto a dormir, e esta impressão é confirmada na recente
entrevista de Miguel Neves no PÚBLICO, que afirma: “A Europa está passivamente
a olhar para o investimento chinês. É claro que este dá um contributo no
imediato, é capital que entra e permite ajudar o financiamento de algumas
grandes empresas, mas, a prazo, tem outras consequências que não estão a ser
antecipadas, nem há uma estratégia de resposta.”
E aqui não se
trata apenas da EDP e REN, ou de exemplos da Fidelidade ou a ES Saúde, mas
trata-se de uma estratégia concertada onde o crescente interesse da China na
Plataforma Atlântica Portuguesa (Açores), nos seus recursos naturais, tanto ao
nível dos subsolos como das pescas, além da importante plataforma estratégica
das Lajes.
A China no seu
expansionismo tornou-se no campeão da globalização. Mas o seu conceito de concorrência
não é baseado numa sociedade aberta, mas num capitalismo de Estado, totalmente
controlador e intervencionista, enquanto o nosso está determinado pela
liberdade e por direitos individuais, tanto nas ideias como na organização do
trabalho e justiça, fundamentais, e adquiridos com muito esforço e luta.
Será que Portugal
na sua profunda e omnipresente crise, na sua desesperada necessidade de
dinheiro, no seu atordoamento passivo e letargia, se tornou já na “porta dos
fundos” de fácil penetração, na fortemente fragilizada, mas ainda, mais do que
atractiva Europa?
E, entretanto,
entre as brumas, nas neblinas da impotência, os ressentimentos indefiníveis
crescem e amontoam-se... e o fio
condutor explosivo e irracional do populismo espera, aguardando a sua
oportunidade.
Historiador de Arquitectura
1 comentário:
Excelente Post.
Enviar um comentário