quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Xeque-mate a Putin? / OBSERVADOR . Wrecking Russia’s economy could be a disaster for the west / GUARDIAN.


Xeque-mate a Putin?
17 Dezembro / OBSERVADOR
Edgar Caetano

O ano de 2014 começou com o mundo a questionar-se até onde é que Vladimir Putin iria avançar. O mesmo ano termina com todos a questionarem-se até onde a Rússia pode cair.

Uma parede do tamanho dos Montes Urais. E várias espadas: sanções económicas, risco de recessão, fuga de capitais e preço do petróleo em queda acentuada. Entre estas espadas e a parede está Vladimir Putin, o líder do regime russo. Se, no início de 2014, o mundo se questionava até onde conseguiria ir a Rússia, depois da anexação da Crimeia, hoje a pergunta é outra: até onde pode cair um país – o maior do mundo – que está à beira do colapso? No xadrez da geopolítica internacional, um antigo campeão da modalidade, o russo Garry Kasparov, diz que não vê estratégia de fuga possível para o presidente russo. Xeque-mate?

Os cidadãos russos começam a agitar-se com a forte descida do rublo nos últimos dias, sem perceber se a intervenção do banco central terá capacidade para conter o deslize da divisa. A pequena recuperação dos preços do petróleo na tarde de quarta-feira ajudou o rublo a estabilizar depois da perda de 19% no dia anterior, a maior dos últimos 16 anos. Além disso, o banco central e o Ministério das Finanças intervieram no mercado através da venda de reservas de moeda estrangeira e compra de rublos. Foi uma tentativa de estancar a hemorragia mais bem sucedida do que o aumento da taxa de juro 10,5% para 17% anunciado no dia anterior, que ficou conhecido como a “terça-feira negra”.

Já há relatos de russos que tentam usar rublos para comprar carros, eletrodomésticos e mobília, protegendo-se da desvalorização da moeda através da compra de tudo aquilo que acreditam que os pode ajudar a conservar valor. As televisões russas atualizam ao minuto a cotação do rublo, procurando antecipar até quando irá agravar-se a depreciação da moeda e o encarecimento dos bens de consumo, incluindo os bens alimentares. Do dia anterior, chegam as notícias de empresas, como a Apple e a IKEA, a congelarem as vendas para o país. Encontra-se a palavra “pânico” nas manchetes de alguns jornais, como o financeiro RBK.

A BBC conta que a imprensa liberal do país não tem dúvidas de quem é a culpa daquilo que está a acontecer. “O rublo vale tanto quanto a autoridade de Vladimir Putin, aos olhos do mercado. Os eleitores podem ser enganados, mas o mercado não”, pode ler-se na Novaya Gazeta. Já o Moskovskiy Komsomolets, um tablóide, diz: “este país vai finalmente pagar o preço da decisão crucial que foi a anexação da Crimeia”. “Esfumou-se o sentimento de que Putin é uma espécie de mágico que consegue controlar tudo”, escreve o jornal. Surgiram também já as piadas nas redes sociais, como a que fala do cavalheiro russo que se atirou do topo de um edifício – desesperado com a desvalorização da sua riqueza – mas que, mesmo assim, aproximou-se do chão a uma velocidade menor do que a queda do rublo.

Como chegou a Rússia até aqui?

A queda abrupta do petróleo não explica tudo

Um dos mais mediáticos opositores de Vladimir Putin, o campeão de xadrez Garry Kasparov, deu esta quarta-feira uma entrevista à Bloomberg e garantiu que a questão não tem apenas a ver com o preço do petróleo, por muito determinante que este seja para uma economia como a russa. O preço do petróleo também se afundou nos finais de 2008, até aos 36 dólares por barril, e nunca a cotação do rublo desceu para mais de 30 rublos por dólar. Segundo Garry Kasparov, esta crise está a revelar as fragilidades de uma economia demasiado dependente dos petrodólares e de um sistema político nas mãos de um líder, Vladimir Putin, que Kasparov considera um “ditador”. “O mercado está a perceber que as reformas estruturais de que a Rússia necessita não irão acontecer enquanto Putin estiver no poder”, acredita Garry Kasparov, que é também presidente da nova-iorquina Human Rights Foundation (Fundação de Direitos Humanos).

"O mercado está a perceber que as reformas estruturais de que a Rússia necessita não irão acontecer enquanto Putin estiver no poder"
Garry Kasparov, campeão de xadrez e presidente da Human Rights Foundation.

Cerca de três quartos das exportações russas deve-se ao petróleo e ao gás natural, e é com o encaixe da venda desses bens que o país financia metade da despesa pública. Os números ilustram a dependência que a economia tem do petróleo. O banco central russo prevê um crescimento de meras décimas nos próximos dois anos, mas, com a volatilidade nos preços do petróleo, estas projeções são como atirar a um alvo em movimento. A própria instituição reconhece que a economia russa pode contrair-se entre 4,5% e 4,7% no próximo ano se o preço do petróleo for de 60 dólares, em média, ao longo de 2015. Um cenário em que a taxa de inflação no país atingiria os dois dígitos, criando tempos difíceis para a população.

A quebra no preço do petróleo poderá ter sido o fator com que Vladimir Putin não contava quando, na primavera, garantiu que as sanções internacionais não iriam ter um impacto significativo na economia russa. Na verdade, ainda há poucas semanas Putin se referiu a essas sanções como um “estímulo”, num discurso em horário nobre em que atribuiu a crise aos “especuladores estrangeiros” e lançou uma amnistia fiscal e criminal plena aos russos que repatriassem o seu património para o país nesta altura. Foi também nesse discurso que Putin lembrou que “Hitler, com as suas ideias de ódio à humanidade, ia destruir a Rússia e atirar-nos de volta para trás dos Montes Urais”. “Todos devem lembrar-se de como essa história terminou“, atirou o presidente russo.

Nos últimos dias, pouco mudou além de o preço do petróleo ter furado alguns níveis psicologicamente relevantes. Foi o suficiente para instalar o medo nos mercados, que pareciam estar à espera de um momento de catarse, sobretudo desde que o discurso subiu de tom nos meios financeiros: há menos de duas semanas, o presidente do segundo maior banco da Rússia, o VTB, afirmou que equivaleria a uma “declaração de guerra” se a comunidade internacional banisse os bancos russos do SWIFT, uma plataforma global de pagamentos entre bancos e empresas, usada diariamente por mais de 10 mil instituições financeiras.

“Na minha opinião pessoal, se uma tal sanção for imposta [banir os bancos e empresas russas da plataforma SWIFT] isso significará guerra“
Andrey Kostin, presidente do VTB Russia, a 5 de dezembro.

“A Rússia está a viver uma crise cambial total”, diz Alexander Moseley, um gestor de carteiras da Schroders, em nota enviada ao Observador. O especialista diz que “é difícil vislumbrar o que levará à resolução dos fatores subjacentes de instabilidade, sendo certo que um levantamento das sanções ou o final da guerra com a Ucrânia seriam fatores claramente positivos, como seria uma estabilização dos preços do petróleo”. Ainda que tenha sido acordado em setembro um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia, o confronto está longe de estar resolvido e o gestor de investimentos da Schroders diz que este continuará a ser um problema nos próximos tempos.

“À medida que a Rússia se transformou num pária a nível internacional devido à atuação na Ucrânia, não se espera que seja oferecida ajuda internacional”, diz Christian Schulz, economista do Berenberg Bank. E mesmo que essa ajuda chegue, será a troco de mais cedências por parte do presidente russo. E, aí, “Putin não parece disposto a ceder”, diz o economista, a partir de Londres. Nem mesmo depois de o banco central ter tido que subir a taxa de juro – pela terceira vez no espaço de semanas – para 17%, numa tentativa de conter a inflação e a hemorragia de capitais mas que arrisca estrangular o crédito à economia.

O Banco da Rússia já dissipou um quinto das respetivas reservas a tentar conter a queda do rublo nos últimos meses, sem obter sucesso duradouro até ao momento. A enorme subida da taxa de juro anunciada na terça-feira não deu ao Kremlin mais do que um par de horas de alívio. Os próximos dias dirão se a situação irá estabilizar ou se Vladimir Putin e o seu regime terão de equacionar medidas mais duras. Um exemplo, que seria histórico e aumentaria ainda mais as comparações com a crise de 1998: controlos de capitais.

Putin está sob uma pressão cada vez maior da comunidade internacional. Se os comentários por parte dos responsáveis europeus têm sido poucos e vagos, o secretário da Defesa dos EUA, John Kerry, já disse que cabe a Putin tornar a situação do país menos difícil. “As sanções poderiam ser levantadas numa questão de semanas ou, mesmo, dias, tudo depende das escolhas que o Presidente Putin fizer”, afirmou o responsável norte-americano.

O mundo já terá aprendido a não subestimar a resiliência de Vladimir Putin, mas a sua liderança enfrenta agora o desafio de uma instabilidade financeira e social a que poucos resistiram. “Putin navegou a onda dos preços elevados do petróleo nos anos depois de ter assumido o poder, mas não há dúvidas de que a economia em dificuldades está a começar a ter um impacto adverso na sua política. De tal modo que a sustentabilidade do seu regime pode estar em risco”, afirma Nicholas Spiro, um estratego de mercados ouvido pela Reuters.

“A solução é fácil, mas distante”, defende Christian Schulz, economista do Berenberg. Recordando que a investida ucraniana de Vladimir Putin, que lidera um regime dono de armas nucleares, dá muita popularidade ao presidente russo, o economista diz que “a Rússia podia recuar na Ucrânia, de modo a que as sanções impostas pelo Ocidente fossem parcialmente levantadas. Isso poderia devolver alguma confiança mínima aos investidores e estabilizar o rublo”. Contudo, “infelizmente, dificilmente Putin aceitará uma solução para a Ucrânia tendo em conta as notícias recorrentes de atividades por parte dos separistas pró-Russos na zona de Donetsk”, lamenta.



Wrecking Russia’s economy could be a disaster for the west
It’s sheer folly to hope that the country is destabilised and Vladimir Putin overthrown. We’ve no idea what the outcome would be

Angus Roxburgh

Like a rudderless ship running out of fuel and buffeted in an icy storm, the Russian economy looks as if it is heading for a crash. All the graphs – the rouble-dollar rate, the slump in GDP, bank interest rates, oil prices – look like menacing icebergs. The only question seems to be how long the ship can stay afloat.

There are two immediate causes of the crisis: the price of oil, and western sanctions. Oil is trading at below $60 a barrel while Russia, still overwhelmingly dependent on exports of its most precious resource, needs a price of $105 to balance its books. That’s the consequence of having failed to reform and diversify the economy over the past 20 years.

As for the west’s sanctions, they were introduced with one explicit aim – to force Putin to change tack in Ukraine. At least, that was the stated aim. But since the measures show no sign of having any effect on his thinking, and yet the west is considering even more sanctions, there is obviously another goal – to punish Putin for his actions, regardless of whether he changes his mind. Sadly, it is not Putin who feels this punishment. It is the Russian people.

The west needs to accept a simple fact: that Putin’s response to sanctions is always bizarre. He tends to favour reactions that hit his own people rather than the west. America passed the Magnitsky Act to “punish” those alleged to be responsible for the killing of the lawyer Sergei Magnitsky, and Putin responded by banning adoptions of Russian orphans by Americans. There is no sign that the killers of Magnitsky suffered in any way; indeed the only official being investigated for the crime was released. The west imposed sanctions on Putin’s “cronies” and Russian banks because of the invasion of Ukraine and annexation of Crimea; and Putin responded by banning the import of western foodstuffs.

To keep repeating the same mistake again and again and expecting different results is, as they say, a sign of madness. And if by doing so you punish only ordinary Russian people, then it is also cruel – and counterproductive. Twenty years ago the dream was to rescue the former communist world and bring prosperity and democracy to its people. What we are doing now is impoverishing and alienating the Russians.

We can, of course, stick to our guns and insist that “sanctions are having an effect”. But what will we gain if the only effect is to destroy the Russian economy? Perhaps the hope is to destabilise the country so much that Putin is overthrown. (I detect much schadenfreude among observers, who desperately hope a collapse of the Russian economy will bring about Putin’s fall.) If so, it is a highly dangerous game of chance. Pouring fuel on Kremlin clan wars that we barely understand would be the height of folly. We have no idea what the outcome might be – and it could be much worse than what we have at present.

Or perhaps the hope is that the Russian people, ground down into poverty and despair, will rise up against the Kremlin and install a government of the west’s choosing. Dream on!

It has long been my contention that we should deal with the causes of Putin’s aggressive behaviour, not the symptoms. There is a way to bring him back into the fold (always assuming that anyone actually wishes to do so any more), but it will require fresh ideas that are utterly unappealing to most of the west’s leaders. It will take bold and imaginative thinking, not kneejerk reactions and the false logic of piling on ever tougher sanctions.

Perhaps it is time to recognise that George W Bush’s disastrous foreign policy legacy encompasses far more than just Iraq, torture and the fanning of terrorism. Bush also understood nothing about Russia – right from the moment that he looked into Putin’s eyes and told us how he “got a sense of his soul” – and now we are living with the consequences.

It was the Bush administration that created the sense of insecurity that has caused Russia to react, and overreact, to every perceived threat – including, most recently, the perception that Ukraine was being forcibly dragged out of Russia’s orbit and into the west’s. Bush unilaterally abandoned the anti-ballistic missile treaty, seen by Russia as the cornerstone of strategic balance; he began building a missile shield on Russia’s doorstep; he expanded Nato to Russia’s frontiers, blithely granting the east Europeans “security” while causing Russia to feel threatened.

The solution is clear. Abandon the missile shield. End the expansion of Nato. And think boldly about a new security arrangement for the whole of Europe – one that will bring Russia in rather than leaving it outside feeling vulnerable. If this were done, everything I know about Putin and Russia tells me the crisis over Ukraine would be solved - and the Russian economy would not end up being needlessly destroyed, causing woe and bitterness among its people. If it is not done, we will have to deal with a resentful Russia for decades – for Putin’s successors will also demand security.

Let us return to the ideals of 1989, when Mikhail Gorbachev envisaged a new “common European home”. That is what every Russian leader since him has wanted – while the west, it seems, never did.

• Angus Roxburgh served as an adviser to the Russian government from 2006 to 2009


Angus Roxburgh is a writer and broadcaster. He was the BBC's correspondent in Moscow and Brussels, and also reported for the Guardian. His most recent book is The Strongman: Vladimir Putin and the Struggle for Russia. He served as an adviser to the Russian government from 2006 to 2009

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