Sérgio
Sousa Pinto rompe com a política de Costa para a esquerda
Paulo Pena
10/10/2015 - PÚBLICO
O
deputado demitiu-se do secretariado nacional do PS no que, para já,
é uma posição individual. A estratégia do secretário-geral
prossegue na próxima semana, apesar do cepticismo visível no
partido.
Dois dias depois das
eleições, no dia 7, o secretariado nacional do PS reuniu-se pela
última vez. Sérgio Sousa Pinto e António Costa discutiram
violentamente. “Aos gritos”, conta um dos presentes. Dessa
reunião saiu a estratégia que a Comissão Política aprovou. A
oposição de Sousa Pinto versava sobretudo uma frase que, lida na
altura, pouco passava de uma intenção: “O PS considera
indispensável a clarificação das posições publicamente assumidas
pelo PCP e pelo BE sobre a existência de condições para a formação
de um novo governo com suporte parlamentar maioritário.” Ainda
hoje, o diálogo à esquerda não passa de uma intenção, mas na
altura parecia quase um bluff, para coligação Portugal à Frente
ver. O deputado não via as coisas assim. Na manhã seguinte usou a
sua página do Facebook para passar a mensagem.
Fê-lo com uma
fotografia, que se não fala por mil palavras pelo menos sugere um
regresso aos traumas da esquerda portuguesa. A imagem que Sousa Pinto
escolheu mostra a Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, no dia 19
de Julho de 1975. Cheia. Não se vê, mas no palanque está Mário
Soares. Esta foi a célebre manifestação da “Fonte Luminosa” (o
outro nome do local) que marcou a ruptura entre o PS e a sua
esquerda, representada pelo IV Governo provisório liderado por Vasco
Gonçalves, há mais de 40 anos. O herói daquela tarde, quando o
deputado socialista tinha três anos, foi Mário Soares. Mas a vida
deu muitas voltas e colocou o herói e aquele que já foi um dos seus
mais próximos discípulos, em campos diferentes. A linha política
de Soares no Processo Revolucionário em Curso (PREC) é defendida
agora por Sousa Pinto – um PS que se distancia do PCP e da
extrema-esquerda– quando Soares se tornou num dos mais notórios
defensores de uma “frente popular” depois da queda do Muro de
Berlim, e do fim do império soviético.
Mas o mais conhecido
antigo líder da Juventude Socialista (JS) tem um outro olhar sobre a
história. Nos últimos tempos, em várias ocasiões públicas, tem
elogiado Winston Churchill, o antigo primeiro-ministro conservador
britânico, sugerindo mesmo que a sua derrota em 1945, depois de ser
um dos vencedores da II Guerra Mundial, é o exemplo maior de uma
injustiça democrática. Até pode ser, vistas as coisas à
superfície. Mas o homem que retirou Churchill do número 10 de
Downing Street, Clement Atlee, era não só o líder do Partido
Trabalhista, partido-irmão do PS no Reino Unido, como o homem que,
ao longo do seu mandato, lançou as bases do estado social britânico,
o “welfare state”, de que o PS se diz herdeiro político, e tinha
como seu conselheiro principal o economista John Maynard Keynes, o
teórico que inspira, ainda hoje, a maioria dos críticos à
austeridade.
Sérgio Sousa Pinto
é, deste ponto de vista, um político muito cioso da sua autonomia.
António Guterres que o diga. Na altura, Guterres era um centrista e
Sousa Pinto representava a “ala esquerda” irreverente, com o seu
enorme grupo parlamentar de jovens socialistas. O debate sobre a
interrupção voluntária da gravidez separou-os definitivamente. O
jovem saiu derrotado. Politicamente, mas também com uma grande dose
de desilusão.
Sousa Pinto
atravessou o seu “deserto” em Bruxelas, no Parlamento Europeu. O
partido parecia estar a dar-lhe uma “sinecura”, um “exílio”,
mas ele não encarou o afastamento assim. Tornou-se um europeísta
convicto. Isso ficou visível nos diálogos que manteve com Mário
Soares, o seu grande apoio em Bruxelas, que resultaram no livro
“Diálogo de Gerações”, editado em 2003.
Numa entrevista à
Sábado, Sousa Pinto explicava o que muitos anteviram no livro - que
o jovem irreverente se moderara e dera lugar a um político muito
mais centrista já longe da “ala esquerda” de onde partira:
“Jaime Gama costuma dizer com graça: ‘Eu não mudei, a política
é que mudou.’ Não inventei essa classificação. Tenho um
percurso e nunca me arrumei em alas.”
Ao fim de 10 anos,
regressou, pela mão de Sócrates. É ele um dos autores da célebre
ideia da “esquerda moderna” que conquistaria o partido, e o País,
de sopetão, entre o Outono de 2004 e Fevereiro de 2005. Escreveu
moções, escreveu programas, foi uma espécie de teórico de um
Sócrates. Nunca integrou nenhum Governo, nem passou de
vice-presidente da bancada, deixando que os dotes de oratória
fizessem em público aquilo que a sua capacidade de persuasão
política fazia em salas fechadas. Voltou a ser reconhecido.
A direcção Sousa
Pinto da JS legou um centro de poder forte ao PS. Ali se formaram
alguns dos quadros mais influentes, hoje, no partido, como Fernando
Rocha Andrade e Marcos Perestrello. António Costa sempre apreciou a
sagacidade de Sousa Pinto, que passou a integrar o órgão mais
restrito da direcção socialista, o secretariado nacional.
É da cúpula que
sai, agora, aparentemente em ruptura com a linha política de Costa.
Sérgio Sousa Pinto não confirma ao PÚBLICO as razões. Só a
demissão: “Confirmo. Reservo declarações para os órgãos do
partido.”
Mas a relação
pessoal entre Costa e Sousa Pinto também foi afectada. De “grandes
amigos” e vizinhos num aldeamento em Fontanelas, Sintra, os dois
passaram a ter uma relação muito mais distante. A ascensão
política de outros ex-dirigentes da JS, como Ana Catarina Mendes e
Pedro Nuno Santos (ambos escolhidos por Costa para a equipa que se
tem reunido com os outros partidos), Duarte Cordeiro (que foi o
director de campanha) e João Galamba (que integra o secretariado
nacional) é apontada por um dirigente como causa do afastamento.
Resta saber se esta
demissão provocará outras críticas à estratégia do
secretário-geral. Apenas Francisco Assis se tem oposto à ideia de
que o PS pode formar um Governo viabilizado por PCP e BE. “A
solução mais adequada era que se constituísse um Governo da
coligação que ganhou, e houvesse da parte do Partido Socialista um
papel de partido de oposição”, defendeu o eurodeputado, na TVI.
Não é o único a pensar assim, mas, para já, todos preferem
esperar para ver o que resulta das negociações iniciadas na semana
passada. O “cepticismo” é visível. Mas só Sousa Pinto decidiu
bater com a porta. Para já.
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