Isto
pode não acabar bem
Rui Ramos
13/10/2015,
OBSERVADOR
No caso de Costa
insistir no governo de esquerda, a direita terá de exigir novas
eleições em que seja dado ao povo o direito de escolher entre duas
coligações, a do PSD-CDS e a do PS-PCP-BE.
Em Junho de 2004, o
primeiro-ministro Durão Barroso aceitou o convite para presidente da
comissão europeia. O PSD escolheu Santana Lopes para lhe suceder. O
governo era então apoiado por uma maioria absoluta do PSD e do CDS.
No entanto, o PS, o PCP e o BE reagiram violentamente. Foi explicado
que as eleições legislativas eram essencialmente um plebiscito aos
candidatos a primeiro-ministro, e que Santana, sem eleições, seria
um chefe de governo “ilegítimo”. Houve manifestações em frente
ao palácio de Belém a exigir eleições antecipadas. A 9 de Julho,
quando o presidente optou por dar posse a Santana, o secretário-geral
do PS demitiu-se. A dramatização resultou: em Novembro, o
presidente acabou por dissolver a assembleia, apesar de o governo
nunca ter perdido a maioria absoluta no parlamento.
Estas eram as
regras, segundo o PS: o primeiro-ministro só podia ser o líder do
partido que ganhasse as eleições com mais votos do que os outros
partidos. Como explicou António Costa, em Setembro de 2009: “os
portugueses conquistaram um direito a que não podem nem devem
renunciar: o direito a que os governos não sejam formados pelos
jogos partidários, mas que resultem da vontade expressa,
maioritária, clara e inequívoca de todos os portugueses.” Eram
ainda as regras a 4 de Outubro deste ano. Já não eram no dia
seguinte.
O avanço
estratégico do BE e do PCP
Vamos falar então
de “jogos partidários”, que é donde agora saem os governos.
Para António Costa, o jogo é óbvio: só como primeiro ministro
pode voltar ao Largo do Rato sem correr o risco de ser pendurado numa
árvore. Para o BE e o PCP, também: é o jogo de sempre. Ao
contrário do que se diz, não foram eles que mudaram, foi Costa. O
PCP e o BE estiveram sempre dispostos a apoiar um governo do PS:
bastaria que o PS rompesse com a “direita”. A expressão “maioria
de esquerda” foi aliás inventada pelo PCP em 1976. Em 1987, o PCP
esteve pronto, com o PRD, a juntar-se no governo ao PS. Em todas as
ocasiões, foi o PS – ou, mais precisamente, Mário Soares — ,
que recusou misturar-se com o PCP.
O PCP e o BE não
querem por enquanto tirar Portugal da NATO ou do Euro. O PCP e o BE
são partidos leninistas, e os leninistas aprenderam a actuar por
“etapas”. Nesta “etapa” inicial, têm dois objectivos:
comprometer e condicionar o PS, e aceder aos recursos do Estado (o
“queijo Limiano” também é vermelho). A declaração de Catarina
Martins ontem, ao abolir o governo PSD-CDS após uma conversa com
Costa, revela o jogo: o BE e o PCP estão resolvidos a um “recuo
programático”, se isso corresponder a um “avanço estratégico”,
que deixe o PS à sua mercê.
A redução do PS
Vigora ainda a tese
de que esta é a ocasião de o PS comprometer no governo o PCP e o
BE, de modo a absorver os seus eleitores. Talvez sim, mas talvez não.
O PS, no caso de Costa realizar o seu “governo de esquerda”,
corre dois riscos. O primeiro é ajudar a fixar, a partir do Estado,
o eleitorado até agora volátil do BE. Nunca mais o PS se livraria
da concorrência bloquista, como ao fim de 40 anos ainda não se
livrou do PCP, devido ao poder que os comunistas adquiriram nas
autarquias e nos sindicatos.
O segundo risco é o
PS perder os seus eleitores “moderados”. A partir do momento em
que o PS fizesse parte de um bloco com dois partidos que, mesmo sem
conspirarem nos quartéis, não acreditam na democracia pluralista
nem na economia de mercado, muitos cidadãos que acreditam nessas
coisas hesitarão em votar PS. Ou seja, o resultado do jogo de
António Costa poderia ser uma redução do voto do PS, e a
consolidação eleitoral do BE, ao lado do PCP. Nesse cenário, a
esquerda passaria a consistir em três partidos, a valer 10%-15% de
votos cada um, e a valerem todos em conjunto menos do que valem
agora. Seria o fim do PS como grande partido de governo e também,
por isso, o fim da “maioria de esquerda” em Portugal. E logo que
isso fique claro, a aliança PS-PCP-BE tornar-se-á mais instável do
que um saco de gatos.
A oportunidade da
direita
E é aqui que convém
entrar em linha de conta com a direita. Quase toda a gente parece
pressupor que a direita ficaria sentadinha e caladinha enquanto Costa
invade São Bento com o PCP e o BE. Não esperem tanta abnegação. A
direita não pode ficar quieta, a não ser que queira desaparecer
numa nuvem de irrisão. Imaginem-se no lugar do PSD e do CDS.
Primeiro, tiveram de executar um ajustamento negociado pelo PS,
apenas para verem Costa renegar todas as responsabilidades e
deixar-lhes o odioso. Depois, ganharam as eleições segundo as
regras antigas, apenas para verem Costa mudar as regras e roubar-lhes
o governo.
A conformarem-se sem
luta com mais esta golpada de Costa, os líderes do PSD e do CDS
acabariam desacreditados. Também eles, por uma questão de
sobrevivência, serão obrigados a subir a parada. Em 2004, a enorme
pressão criada pelas esquerdas levou Sampaio à dissolução, apesar
da maioria de direita no parlamento. Desta vez, caberia à direita
ajudar o próximo presidente a concluir que o país precisa de uma
clarificação eleitoral, apesar da maioria de esquerda. A direita
terá de vir para as redes sociais e para a rua. Terá de mostrar-se
“indignada” com a “ilegitimidade” de um governo de derrotados
nas eleições. Terá de exigir que seja dado ao povo, em Maio ou
Junho, logo que seja possível, o direito de votar numas eleições
em que se defrontem claramente duas coligações, a do PSD-CDS e a do
PS-PCP-BE. Será essa, aliás, a única maneira de evitar maior
crise.
Depois de quatro
anos de austeridade, a resistência à “Frente Popular” será
para o PSD e o CDS a grande oportunidade de se reconciliarem com o
seu eleitorado e, sobretudo, de recuperarem de vez para uma maioria
de direita os eleitores do PS que acreditam na democracia pluralista
e na economia de mercado. Nunca, por isso, o PSD e o CDS aceitarão o
governo Costa-PCP-BE como “normal” antes de novas eleições.
Uma nova polarização
política
É também natural
que a “Frente Popular” tente aproveitar a resistência do
centro-direita. Acusará o PSD e o CDS de “radicalização”, como
aliás já está a fazer. Há-de inventar conspirações “fascistas”
e conjuras do “imperialismo alemão”. Fará comícios com
Varoufakis e Pablo Iglesias, com toda a gente a gritar “não
passarão”. Radicalizar-se-á mais do que Costa e até o PCP e o BE
têm previsto.
Ficaremos outra vez
entre “fachos” e “comunas” como em 1975, para grande confusão
das gerações que nasceram depois e que não gostam de se “enervar”
com a política. É verdade que desde vez não há COPCON. Nem por
isso deveremos deixar de recear algum tipo de ruptura política que,
num país meio falido e numa democracia agora sem regras, terá
custos e demorará anos a sarar. E tudo isto para quê? Para António
Costa não se demitir de secretário-geral do PS. A grande história
é, por vezes, feita de pequenas coisas.
Sem comentários:
Enviar um comentário