António
Costa anda a aldrabar-nos
JOÃO MIGUEL TAVARES
27/10/2015 - PÚBLICO
Cavaco
só falhou numa coisa: sugeriu que o problema estava no PCP e no
Bloco. Ora, o problema está, evidentemente, no PS.
Na sua caminhada
para primeiro-ministro, António Costa começou por pedir uma maioria
absoluta. Como a maioria absoluta estava difícil, chegava maioria
relativa. Como a maioria relativa estava difícil, chegava ao PS ter
mais deputados do que o PSD. Como o PS não teve mais deputados do
que o PSD, chegava um acordo de legislatura com o Bloco e com o PCP.
Como o Bloco e o PCP não falam um com o outro, chega um acordo de
legislatura com o Bloco e um outro com o PCP. Como o PCP não quer
acordos de legislatura, é possível que chegue um acordo de
investidura. E se o PCP nem um acordo de investidura quiser, António
Costa há-de contentar-se com um acordo verbal e um bacalhau.
A seriedade deste
procedimento é nula. Quase toda a gente achou que Cavaco foi
excessivo na sua intervenção, mas parece-me que quase toda a gente
desvalorizou a passagem mais importante do seu discurso. O Presidente
falou de forma muito directa de uma “alternativa claramente
inconsistente sugerida por outras forças políticas”,
acrescentando de seguida: “É significativo que não tenham sido
apresentadas, por essas forças políticas, garantias de uma solução
alternativa estável, duradoura e credível.”
Convém olhar bem
para os adjectivos usados por Cavaco e compará-los com aqueles que
polvilhavam a frase mais importante proferida por António Costa após
o encontro entre ambos no dia 12 de Outubro. Disse então o líder do
PS: “Tive ocasião de informar o Presidente da República sobre a
criação de condições para podermos ter em Portugal um governo que
seja estável, credível e consistente para os próximos quatro
anos.”
Por muito limitado
que seja o vocabulário de Cavaco, não terá sido por milagre que os
adjectivos que ele escolheu na sua comunicação encaixam na
perfeição nos adjectivos que António Costa utilizou à saída de
Belém. Costa falou em governo estável, Cavaco disse que não havia
solução estável. Costa falou em governo credível, Cavaco disse
que não havia solução credível. Costa falou em governo
consistente, Cavaco disse que a alternativa era “claramente
inconsistente”. Costa falou em governo “para os próximos quatro
anos”, Cavaco disse que não havia uma solução “duradoura”.
É fácil adivinhar
o que se passou: ao verificar a espantosa discrepância entre aquilo
que ouviu da boca de António Costa e aquilo que António Costa
resolveu comunicar ao país à saída do encontro entre ambos, Cavaco
sentiu-se aldrabado. Pouco dotado de sentido de humor, não achou
nenhuma piada aos malabarismos retóricos de Costa e optou por lançar
um agressivo aviso ao país, a ver se conseguia acordar algumas
consciências. Que o efeito da sua comunicação tenha sido unir o
PS, como alguns socialistas se apressaram a celebrar, diz menos sobre
a falta de jeito do Presidente da República do que sobre o estado
miserável em que se encontra o PS.
Vale a pena recordar
que o último socialista com o qual Cavaco Silva teve de coabitar
chamava-se José Sócrates, e o resultado de tão bonito convívio
foi aquele que conhecemos. Como é óbvio, o Presidente não pode
assistir impávido àquilo que considera ser uma golpada parlamentar,
só possível porque os seus poderes se encontram diminuídos, e a
faltas de lealdade de um candidato a primeiro-ministro que ainda nem
sequer tomou posse. Cavaco só falhou numa coisa: sugeriu que o
problema estava no PCP e no Bloco. Ora, o problema está,
evidentemente, no PS.
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