O
Solnado foi à guerra e o Costa foi aos mercados
PEDRO SOUSA CARVALHO
16/10/2015 – PÚBLICO
António Costa não
soube ganhar as eleições e pelos vistos também não as sabe
perder. Depois da derrota de 4 de Outubro, Costa precisa urgentemente
de uma vitória. De uma vitória qualquer para o ressuscitar e o
reabilitar politicamente. Uma vitória num congresso, numa comissão
política, num referendo, numas eleições, num jogo político, numa
raspadinha, o que quer que seja. António Costa ainda tem contas a
ajustar com o partido. Destronou António José Seguro – que ganhou
as autárquicas com estrondo e as europeias por “poucochinho” –
para conduzir o PS a uma derrota numas eleições em que o mais
difícil era mesmo não ganhar.
António Costa tenta
a todo o custo agarrar-se aos destroços do 4 de Outubro para
sobreviver politicamente. Aos que o declararam morto politicamente,
Costa encolhe os ombros e responde "é a vida". E segue em
frente. Se Costa tiver sete vidas para gastar, já desbaratou umas
quantas nestas eleições. Como diria Churchill, na guerra uma pessoa
só pode ser morta uma vez, mas na política pode ser morta várias
vezes.
Tal como Raul
Solnado que foi "bater à porta da guerra", esta semana
António Costa foi bater à porta dos mercados. Quando chegou aos
mercados, bateu à porta e apresentou-se: “Sou o líder do partido
que perdeu as eleições em Portugal, mas acho que estou em melhores
condições de governar do que aqueles que as ganharam.” Como
assim?, perguntaram os mercados, sempre desconfiados. Ao que Costa
respondeu: "Vou fazer um governo que será apoiado por dois
partidos de esquerda radical, antieuro e antiausteridade." Os
mercados, que normalmente são bastante maldispostos, franziram o
sobrolho. Mas Costa apressou-se a explicar: o PCP e o Bloco de
Esquerda estão disponíveis para apoiar os socialistas, colocando na
gaveta as ideias mais radicais como a renegociação unilateral da
dívida, a saída do euro e outras que tais. Os mercados respiraram
de alívio.
Mas que tipo de
apoio é esse que Costa terá desses partidos radicais? Esta semana,
Jorge Cordeiro, da comissão política do comité central comunista,
explicou à agência Lusa: “Poderão contar com a nossa activa
participação para assegurar todas as medidas que correspondam aos
direitos, interesses, rendimentos, salários dos trabalhadores,
reformados. Tudo o que não corresponda, contarão com a oposição
do PCP." A ver se nos entendemos. Os comunistas estão dispostos
a dar o seu apoio para repor tudo e mais alguma coisa, vá-se lá
saber com que dinheiro. Mas, caso seja necessário alguma medida de
restrição para cumprir o Tratado Orçamental e equilibrar as contas
públicas, o PS contará com “a oposição do PCP”. Sem dúvida
um bom acordo… para os comunistas.
Ainda esta semana, a
agência DBRS, a única que teve a simpatia de não classificar a
nossa dívida como lixo, veio mostrar-se preocupada com a
possibilidade de Portugal vir a ter um governo apoiado pela esquerda
radical ou de ter um governo instável que seja incapaz de executar
reformar estruturais. Que coisa mais chata estar a falar de reformas
estruturais nestes dias de euforia política. Só que é bom não
esquecer que, se esta agência canadiana nos baixar o rating, a
dívida pública que os bancos portugueses têm em carteira deixa de
ser elegível para obter liquidez junto do banco central. Quem não
souber o que é isso que pergunte aos gregos.
Também há os
recados do Conselho das Finanças Públicas, que esta semana veio
dizer que com “uma política minimalista de consolidação
orçamental” e com a reversão total dos cortes salariais e da
sobretaxa de IRS, a economia até pode crescer um pouco mais no curto
prazo, mas será insuficiente para cumprir as regras orçamentais
europeias – o que significa crescer menos ou entrar em recessão
nos médio e longo prazos. Recados chatos de Teodora Cardoso, dirão
uns. Outros dirão que chato é mesmo ter de voltar a passar por
aquilo por que passámos nos últimos quatro anos.
Portugal não
precisa de alianças políticas que sejam apenas instrumentais para
se chegar ao poder. Portugal precisa de um governo estável, que
acredite genuinamente nas virtualidades de ter as contas equilibradas
para não hipotecar o futuro – que, não asfixiando a classe média
e deixando ao abandono os mais desfavorecidos, não descure a
disciplina orçamental. Não se trata de uma veleidade ideológica,
mas de acautelar que teremos um futuro. Quer o programa da coligação,
quer o do PS (o original de Mário Centeno) dão estas garantias.
Como tal seria natural e desejável que no final desta euforia
política saísse um governo liderado pela força política que
ganhou as eleições e que tivesse o apoio e a fiscalização do PS.
Nenhum socialista levará a mal. A esquerda do PS está muito mais
próxima da direita dos sociais-democratas do que da esquerda radical
do PCP e do Bloco.
Passos Coelho já
escancarou as portas para uma negociação com o PS, mostrando-se
disposto a aceitar todas as reivindicações e sugestões dos
socialistas, desde que não ponham em causa o Tratado Orçamental, o
que parece sensato. António Costa, já imbuído de espírito
natalício, veio avisar que não se pode olhar para as medidas do
programa do PS como meras “bolas de Natal que vão enfeitar o
programa, que é a árvore de Natal da coligação”. Mas o líder
do PS não pode querer ficar com tudo: com as bolas, com a árvore,
com a renas e com o bolo-rei. Por falar em bolo-rei, Cavaco Silva
deve, a partir de agora, que já foram conhecidos os votos da
emigração, ter um papel mais activo para ajudar a desbloquear este
impasse, que, já se percebeu, não é programático, nem ideológico.
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