quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O Solnado foi à guerra e o Costa foi aos mercados / PEDRO SOUSA CARVALHO


O Solnado foi à guerra e o Costa foi aos mercados
PEDRO SOUSA CARVALHO 16/10/2015 – PÚBLICO

António Costa não soube ganhar as eleições e pelos vistos também não as sabe perder. Depois da derrota de 4 de Outubro, Costa precisa urgentemente de uma vitória. De uma vitória qualquer para o ressuscitar e o reabilitar politicamente. Uma vitória num congresso, numa comissão política, num referendo, numas eleições, num jogo político, numa raspadinha, o que quer que seja. António Costa ainda tem contas a ajustar com o partido. Destronou António José Seguro – que ganhou as autárquicas com estrondo e as europeias por “poucochinho” – para conduzir o PS a uma derrota numas eleições em que o mais difícil era mesmo não ganhar.

António Costa tenta a todo o custo agarrar-se aos destroços do 4 de Outubro para sobreviver politicamente. Aos que o declararam morto politicamente, Costa encolhe os ombros e responde "é a vida". E segue em frente. Se Costa tiver sete vidas para gastar, já desbaratou umas quantas nestas eleições. Como diria Churchill, na guerra uma pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política pode ser morta várias vezes.

Tal como Raul Solnado que foi "bater à porta da guerra", esta semana António Costa foi bater à porta dos mercados. Quando chegou aos mercados, bateu à porta e apresentou-se: “Sou o líder do partido que perdeu as eleições em Portugal, mas acho que estou em melhores condições de governar do que aqueles que as ganharam.” Como assim?, perguntaram os mercados, sempre desconfiados. Ao que Costa respondeu: "Vou fazer um governo que será apoiado por dois partidos de esquerda radical, antieuro e antiausteridade." Os mercados, que normalmente são bastante maldispostos, franziram o sobrolho. Mas Costa apressou-se a explicar: o PCP e o Bloco de Esquerda estão disponíveis para apoiar os socialistas, colocando na gaveta as ideias mais radicais como a renegociação unilateral da dívida, a saída do euro e outras que tais. Os mercados respiraram de alívio.

Mas que tipo de apoio é esse que Costa terá desses partidos radicais? Esta semana, Jorge Cordeiro, da comissão política do comité central comunista, explicou à agência Lusa: “Poderão contar com a nossa activa participação para assegurar todas as medidas que correspondam aos direitos, interesses, rendimentos, salários dos trabalhadores, reformados. Tudo o que não corresponda, contarão com a oposição do PCP." A ver se nos entendemos. Os comunistas estão dispostos a dar o seu apoio para repor tudo e mais alguma coisa, vá-se lá saber com que dinheiro. Mas, caso seja necessário alguma medida de restrição para cumprir o Tratado Orçamental e equilibrar as contas públicas, o PS contará com “a oposição do PCP”. Sem dúvida um bom acordo… para os comunistas.

Ainda esta semana, a agência DBRS, a única que teve a simpatia de não classificar a nossa dívida como lixo, veio mostrar-se preocupada com a possibilidade de Portugal vir a ter um governo apoiado pela esquerda radical ou de ter um governo instável que seja incapaz de executar reformar estruturais. Que coisa mais chata estar a falar de reformas estruturais nestes dias de euforia política. Só que é bom não esquecer que, se esta agência canadiana nos baixar o rating, a dívida pública que os bancos portugueses têm em carteira deixa de ser elegível para obter liquidez junto do banco central. Quem não souber o que é isso que pergunte aos gregos.

Também há os recados do Conselho das Finanças Públicas, que esta semana veio dizer que com “uma política minimalista de consolidação orçamental” e com a reversão total dos cortes salariais e da sobretaxa de IRS, a economia até pode crescer um pouco mais no curto prazo, mas será insuficiente para cumprir as regras orçamentais europeias – o que significa crescer menos ou entrar em recessão nos médio e longo prazos. Recados chatos de Teodora Cardoso, dirão uns. Outros dirão que chato é mesmo ter de voltar a passar por aquilo por que passámos nos últimos quatro anos.

Portugal não precisa de alianças políticas que sejam apenas instrumentais para se chegar ao poder. Portugal precisa de um governo estável, que acredite genuinamente nas virtualidades de ter as contas equilibradas para não hipotecar o futuro – que, não asfixiando a classe média e deixando ao abandono os mais desfavorecidos, não descure a disciplina orçamental. Não se trata de uma veleidade ideológica, mas de acautelar que teremos um futuro. Quer o programa da coligação, quer o do PS (o original de Mário Centeno) dão estas garantias. Como tal seria natural e desejável que no final desta euforia política saísse um governo liderado pela força política que ganhou as eleições e que tivesse o apoio e a fiscalização do PS. Nenhum socialista levará a mal. A esquerda do PS está muito mais próxima da direita dos sociais-democratas do que da esquerda radical do PCP e do Bloco.


Passos Coelho já escancarou as portas para uma negociação com o PS, mostrando-se disposto a aceitar todas as reivindicações e sugestões dos socialistas, desde que não ponham em causa o Tratado Orçamental, o que parece sensato. António Costa, já imbuído de espírito natalício, veio avisar que não se pode olhar para as medidas do programa do PS como meras “bolas de Natal que vão enfeitar o programa, que é a árvore de Natal da coligação”. Mas o líder do PS não pode querer ficar com tudo: com as bolas, com a árvore, com a renas e com o bolo-rei. Por falar em bolo-rei, Cavaco Silva deve, a partir de agora, que já foram conhecidos os votos da emigração, ter um papel mais activo para ajudar a desbloquear este impasse, que, já se percebeu, não é programático, nem ideológico.

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