Marca
italiana criticada por fazer entrevistas de emprego numa montra no
Rossio
CLÁUDIA BANCALEIRO
e RAQUEL MARTINS 30/10/2015 – PÚBLICO
Candidatos
a emprego numa loja em Lisboa foram entrevistados numa das montras
perante quem passava no Rossio.
O caso foi avançado
na página do Facebook do grupo Precários Inflexíveis, o movimento
criado por jovens trabalhadores precários, e até esta sexta-feira
continuavam a surgir críticas a uma acção de recrutamento de
trabalhadores realizada numa das montras da loja Tezenis situada no
Rossio, em Lisboa.
Uma fotografia
publicada na página do grupo mostra uma enorme claquete onde se pode
ler “Recruting Day [dia de recrutamento]. Entra no mundo do retalho
Grupo Calzedónia!”. Em baixo uma pequena mesa na qual estão
sentadas duas pessoas, dando a ideia de que se trata do entrevistador
e de uma candidata a uma vaga de emprego.
A imagem é
comentada pelos Precários Inflexíveis como “uma lamentável
sessão de recrutamento” e um “triste espectáculo de exposição
e vexação”. “O direito à privacidade é um dos direitos mais
elementares de todos os trabalhadores, ainda mais no processo de
contratação”, é acrescentado.
A fotografia foi
entretanto replicada pela rede social, com comentários idênticos ao
do grupo, e na página do Facebook da loja Tezenis no Rossio eram
esta sexta-feira várias as dezenas de críticas à marca. “Fazer
da procura de emprego um show é lamentável! Querem ser
reconhecidos? Divulguem ou pratiquem uma política de recursos
humanos que valorize as pessoas que um dia integraram a marca...”,
escreve um utilizador. “Há coisas que devem ser privadas, não
acho que seja vergonhoso procurar trabalho e até entendo o golpe de
publicidade, mas usar anónimos que necessitam de emprego é jogo
sujo”, partilha um outro.
Esta sexta-feira, a
página do Facebook da Tezenis tinha já retirado as fotografias que
tinha partilhado sobre a acção de recrutamento.
O PÚBLICO tentou o
contacto com a Calzedónia Portugal, grupo ao qual pertence a marca
Tezenis, bem como com a sede da empresa em Itália, mas, até ao
momento, não obteve qualquer reacção às críticas que lhe estão
a ser apontadas. Desconhece-se se este tipo de acção de
recrutamento é uma prática habitual da marca em Portugal ou noutras
representações da Tezenis noutros países.
Precários vão
recorrer à ACT
Os Precários
Inflexíveis consideram que "há certos limites na maneira como
as empresas fazem a promoção de imagem" e adiantaram ao
PÚBLICO que vão apresentar uma queixa na Autoridade para as
Condições do Trabalho (ACT).
Adriano Campos, dos
Precários, afirma que a Calzedónia "já é conhecida por pagar
mal aos seus funcionários e de promover uma política de
precariedade". O caso na loja da Tezenis "acaba por ir
contra o direito básico à privacidade no processo de candidatura a
um emprego". "Há um elemento de exposição clara [da
candidata] e o uso da montra para a realização da entrevista é
feita de uma forma vexatória. Qualquer pessoa via aquele
espectáculo", observou.
“É chocante”,
reage, por sua vez, Fausto Leite, advogado especialista em direito
laboral, que classifica esta acção de recrutamento como
“humilhante” e “uma atitude oportunista que devia envergonhar a
empresa”. “Aproveitam o drama do desemprego e expõem de forma
humilhante as pessoas que andam à procura de emprego”, lamenta.
Do ponto de vista
legal, o advogado considera que esta iniciativa “ofende a dignidade
dos candidatos”, lembrando que esse “é o princípio matricial do
direito e da constituição do trabalho”.
Além disso,
acrescenta Fausto Leite, esta prática “ofende o princípio da
igualdade no acesso a emprego e no trabalho e da proibição de
discriminação”, previstos nos artigos 24.º e 25.º do Código do
Trabalho.
Para o advogado, “a
Autoridade para as Condições de Trabalho devia intervir” junto da
empresa.
O PÚBLICO
questionou a ACT sobre eventuais indícios de violação da
legislação laboral e se irá actuar, mas ainda aguarda uma
resposta.
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