Costa
já convenceu Bloco. Consegue convencer o PS?
MIGUEL SANTOS /
20/10/2015, OBSERVADOR
António
Costa e Catarina Martins já estão no mesmo barco. Falta saber se
Jerónimo também entra. Quando todos esperam a decisão de Cavaco, o
socialista terá ainda de convencer os céticos. Conseguirá?
No dia em que
António Costa e Catarina Martins foram a Belém dizer a uma só voz
que, por eles, há um governo de esquerda, existe, entre socialistas,
quem ainda tenha algumas reservas em relação a este acordo. Apesar
de PS e BE estarem já afinados, qualquer solução que o líder
socialista encontre terá de passar pelo crivo da comissão política
do PS, marcada para quinta-feira. Por isso, a palavra de ordem entre
os céticos é: “Esperar”. Esperar para ver porque, nesta altura,
“qualquer prognóstico é ruído” e porque tudo depende “dos
termos desse acordo – se existir acordo”, resumem Carlos Zorrinho
e Vera Jardim.
Ao Observador, o
eurodeputado socialista explica que a prioridade do partido deve ser
“a representação da vontade dos mais de 1,7 milhões de eleitores
que votaram no PS” e “a inclusão do maior número de propostas
do PS no próximo programa de Governo“. Mais, sublinha Zorrinho: a
prioridade neste momento – não só do PS, mas também do
Presidente da República – deve ser evitar que o país termine 2015
com “um governo de gestão“, sublinha Zorrinho.
Uma posição já
antes defendida num artigo de opinião publicado no jornal Público.
Sem nunca excluir expressamente um eventual acordo com Bloco e PCP –
como não o fez ao Observador -, o socialista defende que “os
eleitores que confiaram no PS não perdoarão uma troca dos seus
votos por cargos de poder. Esperarão, antes, o uso desses votos para
concretizar melhorias concretas na vida do país e nas suas vidas.
Deve ser essa a linha condutora das negociações em curso. A solução
terá de ser muito clara na demonstração de que será aquela que
melhor salvaguarda o mandato sufragado pelos eleitores do PS”.
Nesse mesmo artigo,
o eurodeputado atirava para depois do congresso extraordinário a
discussão sobre o futuro do PS. “Quererá o PS amarrar-se às
categorias políticas tradicionais e ser o líder da casa comum das
esquerdas ou ousará assumir-se como o grande partido progressista do
sistema político português?”. Para Zorrinho, só a segunda opção
faz sentido porque a “sociedade portuguesa precisa de um grande
partido progressista e referencial de modernidade”. Para já,
prognósticos só mesmo no fim do jogo.
Vera Jardim,
ex-ministro da Justiça de António Guterres, tem muitas dúvidas que
o PS consiga “construir um acordo duradouro e estável” com Bloco
e PCP, até porque as “reivindicações” que bloquistas e
comunistas parecem fazer “são um pouco incompatíveis com os
compromissos internacionais” com os quais os socialistas estão
comprometidos, disse ao Observador.
Mesmo reconhecendo
que um acordo a curto prazo seria possível – com a aprovação de
um eventual programa de governo socialista e do Orçamento do Estado
para 2016 -, o socialista não aceitaria uma solução com data de
validade. Um acordo que traga consigo uma “crise política daqui a
dez ou 11 meses” e que se rasgue à primeira iniciativa do PCP para
“aumentar pensões e salários” – medidas que poderiam colocar
em causa o cumprimento das regras europeias.
Para já, continua
Vera Jardim, “é preciso aguardar e analisar os termos do acordo –
se chegar a existir acordo”. Aí, quando o documento for levado à
reunião da comissão política, “cada um terá de analisar e
decidir à sua maneira”, deixa em aberto o socialista.
É esse o espírito
que atravessa muitos dos que já manifestaram dúvidas em relação à
solução perseguida por António Costa. Alguns socialistas
contactados pelo Observador preferiram mesmo não comentar a situação
e atiraram apenas para depois da reunião da comissão política
qualquer comentário sobre acordo.
Ainda assim, alguns
têm-se manifestado publicamente contra esta solução. À cabeça,
figuras da ala segurista do partido, mas também Francisco Assis, um
possível challenger de António Costa pela liderança do partido. O
eurodeputado chegou a comparar o acordo entre PS, BE e PCP como se
“uma associação de ateus agora se lembrasse de convidar o papa
para fazer parte dessa associação“.
Também de entre os
mais próximos de Costa veio a contestação. Sérgio Sousa Pinto
demitiu-se da direção socialista por discordar do caminho escolhido
pelo líder do PS – uma “barafunda suicidária, sem programa nem
destino certo” e “um penoso caos que entregaria Portugal à
direita por muitos anos”, como chegou a escrever no Facebook.
Fernando Medina foi
menos duro no tom, mas não deixou de levantar algumas dúvidas em
relação à aliança entre PS, BE e PCP. Esta terça-feira, no seu
espaço habitual de comentário na TVI24, o sucessor de António
Costa na presidência da Câmara Municipal de Lisboa lembrou que há
ainda “uma enorme incerteza que vai ter de ser clarificada” nas
negociações à esquerda: falta conhecer “conteúdo concreto” do
acordo entre PS, Bloco e PCP. Para o socialista, “o conhecimento do
acordo é da maior importância para a credibilidade da solução
governativa. Isto ainda não se viu“.
O autarca disse
ainda que Catarina Martins e Jerónimo de Sousa têm de “demonstrar
com muita clareza que cumprem integralmente, e de forma totalmente
escrupulosa, com os elementos fundamentais de estabilidade económica
e politica no quadro da moeda única”, acrescentando que o
cumprimento desses elementos “tem de ser credível e
inquestionável”. E ainda deixou outro recado: “A esquerda não
pode propor ao país, face a uma solução minoritária que é em si
mais instável, outra solução minoritária, com a desvantagem de
não ter o partido mais votado”.
Num texto publicado
no Facebook, Ascenso Simões, cabeça de lista do PS por Vila Real e
ex-diretor da campanha socialista (demitiu-se após a polémica dos
cartazes), deixou várias perguntas a que “importa responder nos
próximos dias”. O “PS aceitar formar governo sozinho? Deve
assumir os riscos de uma gestão dificílima em que, sem qualquer
linha de contacto à direita, se confrontaria, logo no primeiro
orçamento, com o inevitável aumento da despesa e a circunstância
previsível de incumprir as obrigações europeias? Que condições
encontraria na concertação social perante uma UGT fragilizada e uma
CGTP mais robustecida? Que caminho levaria o PS até às eleições
autárquicas com o ónus de uma governação confrontada com a tenaz
parlamentar? A todas estas questões, e há muitas mais, importa
responder nos próximos dias. O PS é um partido, não um
laboratório. Cada decisão marca, com sangue, o futuro”.
Por sua vez, em
declarações aos jornalistas no dia da apresentação da candidatura
de Maria de Belém, João Proença, ex-líder da UGT, também se
mostrou pessimista em relação a um acordo que é “perigoso”
porque pode “colocar em causa o caminho [de consolidação
orçamental] feito até aqui” e porque o partido está “a
subverter os resultados eleitorais“.
Nessa mesma altura,
a 13 de outubro, José Lello, ex-ministro de Guterres, próximo de
José Sócrates e membro da Comissão Política do PS, disse não
acreditar que o PCP e o Bloco de Esquerda “aceitem cooperar num
governo com o PS“. Mas a verdade é que Catarina Martins e Jerónimo
de Sousa parecem mesmo dispostos a dar a mão a António Costa. O
líder socialista terá agora de convencer os que dentro do partido
não concordam com esta aliança.
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