Aquilo
que Cavaco tem de fazer
JOÃO MIGUEL TAVARES
20/10/2015 / PÚBLICO
O Presidente da
República tem entrado pouco nas contas da governabilidade, a meu ver
erradamente. Duvido que o seu papel vá ser tão modesto quanto
alguns crêem, porque se o primeiro passo que Cavaco Silva tem de dar
é bastante óbvio, já o segundo pode ser muito nebuloso.
O passo óbvio é
este: começar por indigitar Pedro Passos Coelho primeiro-ministro,
mesmo que António Costa jure ao país ter uma solução estável
entre mãos. Parece cada vez mais certo que António Costa não tem
essa solução, mas ainda que a tenha ou a possa vir a ter, a
coligação ganhou o direito de cair no Parlamento, e ninguém
compreenderia que fosse de outra forma.
A razão é dupla.
Em primeiro lugar, existe a tradição de quem vence as legislativas
formar governo, e essa tradição deve ser respeitada. Mesmo não
sendo eu daqueles que andam a subsidiar o peditório do golpe de
Estado, nem dos que acham que os comunistas ainda têm dentes para
comer criancinhas ao pequeno-almoço, a verdade é que se trata de
uma prática ininterrupta de 40 anos, agravada pelo facto de a
possibilidade de uma coligação à esquerda nunca ter sido
explicitamente assumida durante a campanha eleitoral.
Assim sendo, mesmo
que a frente de esquerda acabe por surgir e venha a formar governo,
ela terá de ser sempre assumida como uma solução de recurso, e
nunca como primeira opção. Além disso – e este é o meu segundo
ponto –, nada nos garante que parte do PS não possa viabilizar um
governo de direita. Os mandatos dos deputados são individuais, e
todos nós escutámos Francisco Assis e outros socialistas a
denunciar a tragédia de um acordo à esquerda. A dissensão dentro
do PS é uma hipótese remota, mas é uma hipótese, ainda assim.
Deve ser testada no sítio certo – o Parlamento.
O passo nebuloso de
Cavaco Silva, e onde a sua intervenção se pode revelar decisiva, é
este: se o governo PSD-CDS cair no Parlamento e António Costa vier a
ser convidado pelo Presidente para formar governo, deverá ele ser
indigitado sem um acordo sólido nas mãos? E se a única coisa que o
líder socialista conseguir sacar ao PCP e ao Bloco for uma promessa
de viabilização de um governo socialista e nada mais? Deverá,
mesmo assim, Cavaco arriscar a indigitação de um primeiro-ministro
que se armou em Popeye mas que foi perdendo todas as latas de
espinafres pelo caminho?
Neste ponto, a
resposta é tudo menos óbvia. Entre ter um governo de gestão
desprovido de qualquer poder ou um governo abaixo de cão desprovido
de qualquer legitimidade, venha o diabo e escolha. Cavaco tem de usar
o seu peso político para impedir que tal aconteça. Desde logo,
explicando a António Costa, ao PCP e ao Bloco que não podem
continuar a negociar como se os ponteiros do relógio estivessem
parados.
Se até ao final da
ronda pelos partidos não houver frente de esquerda à vista, Cavaco
tem mais é que encostar Costa às cordas, aconselhá-lo a ter juízo
e pedir o óbvio: a viabilização de um governo de direita, ainda
que sejamos obrigados a regressar às urnas em Setembro de 2016.
Nessa altura, tudo estará clarificado: teremos um Presidente na
plenitude dos poderes, um líder do PS legitimado em congresso e a
consciência de uma possível coligação à esquerda. É por isso
que Cavaco detém um papel de arbitragem fundamental. Não se trata
só de fazer cumprir as regras. Trata-se de não cair em simulações
e de deixar bem claro quanto tempo falta para o fim do jogo.
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