António
Costa speaks in English
JOÃO MIGUEL TAVARES
15/10/2015 - PÚBLICO
Ou
o Bloco e o PCP estão mesmo disponíveis para os papéis de troféu
de caça, ou é a cabeça de Costa que corre perigo.
Que ninguém duvide
dos compromissos europeus do PS – ele é um partido tão
europeísta, mas tão europeísta, que hoje em dia para sabermos o
que António Costa pensa é preciso saber inglês e francês. Aos
jornais portugueses e nas conferências de imprensa em língua
portuguesa, o secretário-geral do PS omite e simula, fingindo andar
a negociar com a mesma boa vontade com a sua esquerda e com a sua
direita. Já em língua estrangeira, António Costa é claro e
directo, concedendo cintilantes entrevistas à Reuters, à AFP e ao
Financial Times.
Declaro-me ciumento:
não percebo porque é que eu, orgulhoso cidadão e eleitor
português, mereço ser menos alumiado do que um súbdito anónimo de
Sua Majestade Isabel II que por acaso assina o Financial Times (FT).
António Costa ainda não é primeiro-ministro e já coloca o
esclarecimento dos mercados à frente do esclarecimento dos
portugueses. Para quem quer tanto mudar de políticas, começa mal.
Mas vamos à
substância das suas declarações. António Costa disse ao FT: “It
would be better to have a PS government.” À primeira vista, isso
parece significar “seria melhor ter um governo PS”. Mas a
tradução de António Costa em português tem sido outra: “a
reunião foi bastante inconclusiva” (encontro de sexta-feira com a
coligação), “a reunião foi um vazio total” (manchete do
Expresso de sábado), “a reunião foi insuficiente” (encontro de
terça-feira). Ou seja, enquanto António Costa explica claramente as
suas intenções ao mundo, em Portugal continua a fazer-se de sonso,
entrando de má-fé em negociações com PSD e CDS para depois
criticar a coligação pela falta de atenção a áreas tão
substanciais quanto o ensino para adultos. Tivesse Passos Coelho
levado o próprio programa de Mário Centeno como proposta do seu
governo e António Costa tê-lo-ia declarado inaceitável devido ao
tipo de fonte e à gramagem do papel.
Mas António Costa
fez pior. Certamente entusiasmado por estar a falar em inglês, ele
caiu na tentação alegórica e afirmou esta coisa extraordinária ao
Financial Times: “É como se estivéssemos a derrubar os últimos
restos de um Muro de Berlim. O PS não se mudou para o lado dos
antieuropeístas, eles é que aceitaram negociar um programa de
governo comum, sem pôr em risco os compromissos de Portugal.” Eu
imagino como estas declarações terão caído na sede do PCP – eis
António Costa armado em grande artífice da perestroika lusitana, a
exibir como troféu a cabeça dos comunistas nas melhores páginas da
bíblia do capitalismo mundial. Se é com esta habilidade que Costa e
Centeno estão a negociar com os comunistas, Passos Coelho pode
dormir descansado.
Quem pensa que isto
está a correr muito bem à esquerda, devia pensar duas vezes. O
António Costa que tem sido elogiado pela sua capacidade de
iniciativa e pela sua disponibilidade para conseguir um acordo
inédito com PCP e BE é o mesmo António Costa que irá rapidamente
ser acusado de agir como uma barata tonta e de estar a fazer tudo
para obstruir a formação de um governo se nos próximos dias não
conseguir chegar a um acordo sólido com a esquerda. É por isso que
eu só acredito quando vir os nomes de António, Jerónimo e Catarina
juntinhos num papel e devidamente reconhecidos em cartório notarial.
Os programas de Bloco e PCP são absolutamente incompatíveis com o
Tratado Orçamental. Donde, ou o Bloco e o PCP estão mesmo
disponíveis para os papéis de troféu de caça, ou é a cabeça de
Costa que corre perigo.
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