Paulo Ferreira
23/10/2015,
OBSERVADOR
Cavaco
fez considerações ideológicas e programáticas acerca do PCP e do
Bloco, traçando uma linha vermelha que, no seu entendimento, os
afastam de qualquer solução de governabilidade. Fez mal.
Há decisões
acertadas justificadas com motivos errados. Cavaco Silva deu na noite
desta quinta-feira um exemplo claro dessa possibilidade.
A indigitação de
Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro era a única decisão que
o Presidente da República podia tomar para respeitar de forma
inquestionável o resultado das eleições de forma entendível para
a generalidade dos eleitores.
A coligação
PSD/CDS foi a clara vencedora das eleições, mostrando que o
divórcio violento entre o país e o governo ao longo de quatro
duríssimos anos foi mais um enviesamento zarolho dos media do que
uma realidade de facto. A coligação perdeu a maioria mas renovou o
direito a governar. E ficou com a obrigação de governar de forma
diferente, trocando a determinação pela negociação. É isso que
se espera de um governo que não tem maioria no Parlamento.
A sustentar a
acertada decisão de Cavaco Silva está também a inexistência, até
ao momento, de qualquer acordo firme, sustentado e coerente entre o
PS, o BE e o PCP que permita olhar para as negociações que
mantiveram nas duas últimas semanas e ver nelas um programa de
governo decente com perspectivas de durar uma legislatura.
Não basta a António
Costa sair de Belém a anunciar que tem “as condições para que
possa existir uma solução com apoio maioritário que garanta
estabilidade” sem ter logo ali, no bolso, o acordo assinado que faz
desse seu desejo uma realidade. A prova disso mesmo é que, três
dias depois, acordo à esquerda ainda nem vê-lo.
Mas, sobretudo, é
no Parlamento que os governos são legitimados, vivem e morrem. Não
deixa de ser irónico que os que sustentavam que António Costa devia
ser já indigitado primeiro-ministro, valorizando a soberania
parlamentar e o apoio maioritário que esta opção terá, eram os
mesmos que logo a seguir consideravam uma “perda de tempo” a
submissão de Passos Coelho a essa mesma soberania parlamentar. Os
votos das eleições contam-se nas urnas tal como os votos dos
deputados se contam na Assembleia da República e não em declarações
de oportunidade ou em conferências de imprensa.
O Presidente da
República sustentou de forma sólida por que tomou esta decisão e
fechou bem o discurso, remetendo para os deputados os passos
seguintes.
O problema é que,
pelo meio, Cavaco decidiu fazer considerações sobre a natureza
ideológica e programática estruturais de dois partidos, o PCP e o
Bloco de Esquerda, traçando claramente uma linha vermelha que, no
seu entendimento, os afastam de qualquer solução de
governabilidade.
Não está em causa
se esses dois partidos da extrema-esquerda são mesmo como o
Presidente os define, que são. Nada do que Cavaco Silva disse é
objectivamente errado. É verdade que os “programas eleitorais com
que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do
Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do
Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da
União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para
além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é
membro fundador”, como está escrito no discurso que leu.
A questão é que
esta avaliação política, ideológica e programática não deve
entrar nas contas da decisão presidencial de um possível arranjo
governamental que também sai do resultado eleitoral.
Uma coisa seria
Cavaco rejeitar um acordo concreto que o PS lhe pudesse levar para
formar governo com o apoio do PCP e do BE por considerar que não era
consistente e abalava “os fundamentos do nosso regime democrático”.
Outra coisa, bem
diferente, foi aquilo que o Presidente da República fez, que foi
dizer que independemente do conteúdo programático de um
entendimento que possa vir a ser conseguido entre o PS, o PCP e o BE,
a natureza histórica destes dois últimos partidos deve afastá-los
à partida de qualquer solução de governo.
Cavaco não
precisava de ter dito isto para justificar a sua acertada decisão.
Num discurso de 28 parágrafos houve dois desnecessários e
infelizes, que provocam mais problemas do que abrem a porta a
soluções. Houve 122 palavras a mais.
Cavaco dividiu
quando devia ter unido. Acentuou divergências quando precisamos de
convergência. Extremou posições ideológicas quando a hora é de
pragmatismo.
É provável que o
discurso de ontem do Presidente tenha feito mais por um entendimento
à esquerda do que a sede de poder de António Costa somada à
repulsa que todas as esquerdas têm pela coligação PSD/CDS, a única
coisa que verdadeiramente as une.
PCP e BE deverão
estar agora ainda mais determinados em chegar a um entendimento com o
PS para poderem confrontar Cavaco Silva como seu maior pesadelo: ter
que optar entre um governo de gestão de Passos Coelho e dar posse a
um governo de esquerda; entre uma governação de serviços mínimos
até ao Verão do próximo ano e um governo suportado pelos partidos
que diabolizou.
Entre a paralisia
prolongada e os custos económicos e orçamentais das típicas
soluções de esquerda estaremos sempre a falar de controlo de danos.
Não são bonitos os cenários alternativos que temos pela frente mas
o Presidente ajudou a desenhá-los nesta quinta-feira. A política
está de volta mas o bilhete para o espectáculo vai sair-nos
demasiado caro.
Jornalista,
pauloferreira1967@gmail.com
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