PS
e BE negoceiam viabilização de Governo apoiado pela esquerda
Paulo Pena
11/10/2015 - PÚBLICO
Os
socialistas querem um acordo escrito que viabilize “a governação”
e não apenas o programa. O BE vai levar dezenas de iniciativas
legislativas calendarizadas. Política europeia deve ficar de fora de
um acordo que, agora, todos parecem acreditar ser possível.
Quando António
Costa chegar na manhã desta segunda-feira ao palacete das Palmeiras,
na Rua da Palma, em Lisboa, onde o Bloco de Esquerda tem a sua sede,
será recebido pela mais jovem delegação negocial de todas,
Catarina Martins, Mariana Mortágua, Marisa Matias, Pedro Filipe
Soares e José Guilherme Gusmão são todos sub-42, novos de mais
para animarem qualquer debate de memórias sobre a “Fonte
Luminosa”, o “Verão Quente” ou as mazelas do PREC. Só os mais
velhos da delegação socialista – o próprio Costa e Carlos César
- têm lembrança dos tempos em que o seu partido e as organizações
à sua esquerda discordavam de muito mais do que o Tratado
Orçamental. Talvez por isso, dos dois lados da mesa, haja amigos,
que se tratam por tu e escrevem no mesmo blogue.
Pedro Nuno Santos,
um dos cinco negociadores do PS, e José Guilherme Gusmão são dois
(dos menos assíduos) autores da página “Ladrões de Bicicletas”
(uma homenagem ao filme de Vittorio de Sicca), que reúne um grupo de
economistas críticos de vários sectores da esquerda. Mariana
Mortágua, a mais nova dos dez, também faz parte deste restrito
grupo de formados no ISEG que rejeita as teses da ortodoxia
“neo-clássica” da Economia. E já partilhou muitas horas de
convergência com Pedro Nuno Santos, no Parlamento, enquanto ambos
tentavam perceber o colapso do Grupo Espírito Santo. Num jantar, que
marcou o fim da épica comissão de inquérito, Fernando Negrão, o
presidente, fazia um elogio aos trabalhos, sublinhando que foi o
grupo que se destacou e não qualquer das suas individualidades. O
deputado do PS pediu para o interromper e corrigiu: “A Mariana
destacou-se.”
Se isto chega para
quebrar o gelo? Talvez não. António Costa, Carlos César, Mário
Centeno e Ana Catarina Mendes, que com Pedro Nuno Santos compõem a
delegação socialista, têm um objectivo claro para a reunião:
assegurar um compromisso do BE para a “estabilidade governativa”.
Ou seja, mais do que viabilizar um Governo minoritário do PS, querem
que o Bloco se comprometa também a “viabilizar a governação”,
com as suas medidas concretas. Jorge Costa, dirigente bloquista,
adianta ao PÚBLICO que “o BE vai para esta reunião com toda a
abertura para encontrar e participar nas soluções que são
necessárias para o país.”
Entretanto, a
hipótese de um Governo viabilizado à esquerda já deu um tímido
passo. BE e PCP já não admitem, apenas, deixar passar o programa do
PS no Parlamento. Esse era o ponto, na semana passada, mas o PS
tornou claro que isso não bastava. É por isso que estas conversas
ganham relevo. Os partidos à esquerda mostram-se disponíveis para
negociar. E percebem que o PS não aceite apenas um “pacto”
vazio, sem compromissos mútuos.
Por isso, as
negociações centram-se em matérias relevantes de “política
económica e social com impacto orçamental”, revela uma fonte do
processo. Para que, no fim, haja um “sinal claro acerca do próximo
Orçamento do Estado”.
Cabe agora ao Bloco,
como antes já fez o PCP, apresentar as suas propostas. Não são
“linhas vermelhas”, apenas sugestões concretas que permitam
vislumbrar um Orçamento para 2016 aprovado com os votos de todos os
partidos de esquerda. Porque a viabilização só existe com o voto
favorável dos três. A abstenção não basta.
“O Bloco vai para
este encontro com uma agenda de medidas que correspondem aos tópicos
essenciais apresentados por Catarina Martins no debate com António
Costa”, esclarece Jorge Costa. Ou seja: emprego (fim da proposta de
despedimento conciliatório), pensões (não ao congelamento
defendido no programa do PS) e Segurança Social (rejeição da
diminuição da TSU). Para todas estas medidas que rejeita, o Bloco
conta apresentar ao PS “alternativas concretas” para garantir que
o impacto orçamental é nulo. Um dos pontos de convergência, ao que
o PÚBLICO apurou, quanto à diversificação de fontes de receita da
Segurança Social pode ser uma proposta que ambos os programas
políticos apresentam: o imposto sucessório. Mas também alterações
às regras dos contratos a prazo e combate aos "falsos recibos
verdes".
Para além disto, os
negociadores do BE prepararam também um conjunto de propostas de
iniciativas legislativas – várias dezenas – calendarizadas, que
incidem sobre matérias que vão além do Orçamento, como a
revogação das alterações à lei do aborto.
Uma coisa parece
certa: António Costa não vai ser surpreendido com nenhuma exigência
“maximalista” de última hora, como a suspensão do cumprimento
do Tratado Orçamental ou a renegociação da dívida.
Interrogação
europeia
Tudo isto já é, em
si, uma mudança. Mas a maior foi a que Jerónimo de Sousa introduziu
no debate, à saída da reunião com Costa, na passada quinta-feira:
“Da parte do PCP, reafirmamos que estamos preparados e prontos para
assumir todas as responsabilidades, incluindo governativas.”
A delegação do PS,
que ouviu esta garantia à mesa de negociações, antes de ela ser
tornada pública, por Jerónimo de Sousa, “só não abriu a boca de
espanto porque parecia mal…”, garante um dirigente do PS. A
posição do PCP deixou muitos dirigentes socialistas surpreendidos.
O mesmo se terá passado no Bloco, que sempre rejeitou a ideia de uma
“negociação de lugares no Governo”, mas que, agora, já não
exclui essa hipótese em nenhuma declaração oficial.
No entanto, a
História ensombra esta aparente concórdia. Os três partidos que
precisam de se entender para viabilizar a solução que defendem
desconfiam uns dos outros. Ainda assim, uns mais do que outros…
Costa “confia a 114% no PCP”, garante um dirigente socialista.
Mas o líder socialista não põe as mãos no fogo pelo Bloco, depois
da experiência fugaz de acordo para a Câmara de Lisboa, que
culminou com a retirada da confiança política ao vereador eleito
pelo BE, José Sá Fernandes, depois de este recusar sair da vereação
liderada pelo PS.
Todas as fontes dos
três partidos contactadas pelo PÚBLICO convergem num aspecto: no
final deste processo, se tudo correr bem, deverá existir um
compromisso escrito e ser instituído um mecanismo de “consultas
mútuas”, que mantenha todos informados sobre as acções de cada
um.
Um ponto importante
que está longe de ser consensual é a política europeia. E quanto a
isso, a hipótese que hoje parece recolher maior consenso é a de
deixar a condução dos assuntos da União Europeia a cargo do PS ou
seja, fora do acordo. “O importante é que se perceba bem até onde
vai, ou não vai, um possível acordo”, sublinha um dirigente. Isso
pode, também, tranquilizar os socialistas mais cépticos em relação
a um entendimento à esquerda.
Costa sob pressão
Dentro do PS, como a
demissão de Sérgio Sousa Pinto do secretariado, no sábado, veio
provar existe um grande “cepticismo” sobre o caminho seguido
desde as eleições. Oficialmente, o PS continua a atribuir a PSD e
CDS o “ónus de criarem condições de governabilidade”. Mas
desde a reunião com o PCP, na semana passada, e o aparente impasse
que resultou das conversas com Passos e Portas, as hipóteses de um
entendimento à esquerda cresceram.
Figuras importantes
do PS, como Marcos Perestrello, Francisco Assis, Vitalino Canas e
João Proença já se pronunciaram, internamente, contra a ideia de
um Governo PS viabilizado pela sua esquerda. Mas esta é uma matéria
que divide os vários alinhamentos internos. Há apoiantes de António
José Seguro contra (como Proença) e a favor (como João Soares).
Há, sobretudo, um silêncio pesado de algumas figuras relevantes do
partido que ainda aguardam pelas conclusões deste processo para se
pronunciarem. Jaime Gama, António Vitorino, Jorge Coelho são dados
como opositores do “Governo de esquerda”, mas ainda não o
disseram publicamente.
Afastado da
política, Augusto Santos Silva tem dedicado parte do seu tempo a
desmontar alguns dos argumentos de quem se opõe à ideia. Sábado,
na sua página do Facebook, argumentou assim: “Se partirmos todos
do princípio de que, em nenhuma circunstância e por nenhum motivo -
mesmo quando os três partidos juntos têm muitos mais votos e mais
deputados do que toda a direita - o PS pode aceitar governar com o
apoio da sua esquerda, então o que estamos a dizer é o mesmo que a
direita diz: que a direita tem um poder divino de governar em
Portugal, mesmo quando não consegue ter a maioria eleitoral.”
Existe, ainda assim,
um “problema delicado”, que Santos Silva resume, e que preocupa
tanto os defensores como os opositores do “Governo de esquerda”:
“O PS não conquistou o maior número de mandatos. O eleitorado não
lhos quis dar. Mas também não quis dar a maioria nem à direita,
nem aos restantes partidos de esquerda. E isso obriga toda a gente a
compromissos, e não percebo porque o único compromisso possível
há-de ser servir de bengala à direita.”
Por isso, Costa joga
tudo na sua interpretação dos resultados eleitorais. Se estiver
certo, a sua base pode dividir-se, mas o partido não sofrerá um
abalo. Se errar… Bom, já houve quem lhe previsse a “pasokização”,
ou seja, o desaparecimento, ou a “syrização”, a colagem à
esquerda, perdendo o espaço do centro político. Um membro do
secretariado socialista revela que “há uma coisa que as bases do
partido gostam menos do que uma coligação à esquerda… é de uma
coligação à direita”.
Isso parece ser,
também, o que pensa a generalidade do país. Na última sondagem
realizada pela Intercampus para o PÚBLICO, a TSF e a TVI, a hipótese
de um “governo de coligação” entre os partidos de esquerda
ganhava, à tangente, à alternativa “Governo de coligação entre
os partidos de poder (PS/PSD/CDS)”. Foram inquiridos 1013 cidadãos
portugueses com mais de 18 anos, com simulação de voto em urna, e
os trabalhos de campo decorreram entre 23 e 30 de Setembro de 2015.
Resultado: 35,9% contra 34,5%. Tudo dentro da margem de erro (3,1%).
Uma margem de que António Costa não dispõe…
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