O
acordo da esquerda assenta na política de rendimentos
Paulo Pena
21/10/2015 - PÚBLICO
A
plataforma comum aos três partidos é a manutenção de pensões e
salários. Este "programa mínimo" está quase concluído.
Mas ainda não há entendimento quanto à subida do salário mínimo.
De uma forma que
"surpreendeu" até alguns dos negociadores dos três
partidos - PS, PCP e BE - António Costa anunciou que "há
condições para que seja formado um governo com suporte maioritário
na Assembleia da República". Logo a seguir, Catarina Martins
assegurou o mesmo: "Estão criadas as condições para uma
maioria estável para a Assembleia da República.”
O PCP, que é a
terceira e essencial força para que a tal maioria exista ainda não
se pronunciou publicamente - deve fazê-lo esta quarta-feira, em
Belém, à saída da audição com Cavaco Silva - mas fontes oficiais
do partido garantiram ao PÚBLICO que "a abordagem prossegue".
Ou seja, que as negociações continuam.
Para fazer aquela
declaração, o líder do PS contactou Catarina Martins e Jerónimo
de Sousa, com quem terá articulado a declaração que fez. Mas se as
cúpulas partidárias sabiam, os negociadores dos três partidos
estavam, ainda, embrenhados numa longa e difícil conciliação de
posições.
Com o PCP, a questão
mais difícil parece ser a da subida, já em 2016, do Salário Mínimo
Nacional para 600 euros. O PS está disponível, apenas, para aceitar
uma subida gradual, negociada, ao longo da legislatura. De resto, a
subida do salário mínimo é um dos pontos que também ainda estão
em aberto na negociação com o Bloco de Esquerda.
O mesmo se passa com
as condições em que será feita a devolução da sobretaxa do IRS -
se em dois anos, como defende o PS, se já em 2016 na totalidade,
como quer o BE. Outro ponto em que não há, até agora, qualquer
acordo, é o da descida do IVA da electricidade, que o BE quer que
recue para a taxa mínima de 6%. O PS encontra-se ainda a estudar
alternativas para garantir que pode aliviar o peso da energia sobre
as famílias e as empresas, mas sem prescindir dessa receita fiscal.
O que já é certo
no acordo entre o PS e o BE é que não haverá mexidas substanciais
na Taxa Social Única. Pode haver uma baixa para salários até 600
euros (que não pagam sobretaxa do IRS, logo não receberão qualquer
devolução), mas está garantido que esta é uma receita da
Segurança Social que não vai ter de ser compensada pelo Orçamento
de Estado. Em contrapartida, o PS perde o seu principal "estímulo
económico", tal como defendia o cenário macroeconómico que
apresentou antes das eleições.
Em vez da TSU, o
estímulo à procura - e o aumento dos rendimentos - terá de ser
compensado por outras formas. Uma delas é a garantia de que "nenhum
pensionista registará em 2016 qualquer perda de rendimento".
Esta é a forma que os partidos encontraram para chegar a acordo
sobre a exigência do BE de riscar do programa do PS o congelamento
das pensões.
O "despedimento
conciliatório" era a terceira condição do BE para o acordo e
também desaparece das intenções do PS, neste acordo.
Um tema que era
comum aos três partidos, à partida para as negociações, era o do
fim dos cortes salariais na Função Pública. Ao que o PÚBLICO
apurou, os cortes terminarão em 2016, faseadamente. Ao fim do
primeiro trimestre, os funcionários receberão 25% do corte, e assim
sucessivamente até que o salário esteja "limpo" de cortes
no último trimestre do próximo ano.
Ainda que não tenha
sido discutida, nestas negociações, até ao momento, qual a forma
de acordo final, o PÚBLICO sabe que deve ser um compromisso curto,
de poucas dezenas de pontos, e que permite estender as linhas gerais
do compromisso ao longo da legislatura.
Não se trata de
nenhum compromisso de viabilização de quatro orçamentos. Isso,
nenhum dos três partidos propôs ou aceitou. Trata-se de um pacto
sobre as condições em que essa viabilização é, ou não,
possível. E resume-se a uma ideia simples: se o Governo, em algum
momento, inverter a lógica de reposição dos salários e pensões,
e impuser medidas de austeridade sobre os rendimentos, o acordo
termina.
Por isso, ainda
antes de discutir uma eventual composição do Governo - que não
esteve em cima da mesa -, os três partidos acordaram estabelecer
formas de ligação permanente e a criação de grupos de trabalho
tripartidos para acompanhar os principais sectores da governação.
Costa
vai ter de negociar com mais um "grupo" parlamentar
Sofia Rodrigues e
Nuno Sá Lourenço 21/10/2015 - 07:02
Com
um acordo à esquerda a ganhar velocidade, surgem sinais no interior
do PS de que Costa terá de trabalhar num entendimento para assegurar
que deputados socialistas não peguem fogo à maioria de esquerda.
Sem revelarem em
detalhe as condições de estabilidade de um Governo liderado pela
esquerda, os líderes do PS e do BE saíram das audiências com
Cavaco Silva já com o discurso harmonizado. António Costa assegura
ter condições para um Governo estável, com apoio de PCP e BE,
Catarina Martins repetiu o mesmo horas mais tarde. Os dois defenderam
que essa solução deve avançar já para não fazer o país “perder
tempo”. Já Passos Coelho espera que o PS “assuma as suas
responsabilidades na Assembleia da República, num tom em que quase
desafiou António Costa a derrubar um futuro Governo da coligação
PSD/CDS.
Mas o sucesso da
hipótese crescente de um entendimento com os partidos à sua
esquerda – BE, PCP, e Verdes – levanta uma nova questão à
actual liderança socialista. Isto porque existe no recém-eleito
grupo parlamentar do PS um conjunto de deputados que poderão não
aceitar esse acordo como um facto consumado.
Ao longo dos últimos
dias, foram surgindo reticências entre socialistas sobre o processo
encetado pelo secretário-geral do PS. Entre estes, o líder
socialista terá de ter em conta um posicionamento em bloco dos
militantes do seu partido que não apoiaram a sua liderança na
disputa interna em que destronou António José Seguro. No total,
somam 15 lugares, o que é o suficiente para esvaziar a maioria de
esquerda que Costa apresentou a Cavaco Silva.
Perante a declaração
do secretário-geral, imperou o silêncio. Afinal, o líder tinha
convocado uma comissão política para esta quinta-feira com o
objectivo de apresentar os resultados do seu mandato.
Até ao momento,
esta facção permanece em silêncio para descortinar o próximo
passo e um sinal de Costa em relação ao interior do PS. Desde as
legislativas que alguns destes militantes e dirigentes criticaram a
ausência de esforço do líder no sentido de sarar feridas e
“garantir a unidade” do partido.
E estão já
identificados os dois momentos em que este grupo vai avaliar a
conduta do actual líder. O primeiro está a poucos dias de
acontecer, com o nome que vier a propor para presidente da Assembleia
da República. O segundo momento será na constituição do Governo e
no espaço que estiver disponível para ceder à ala segurista. Caso
contrário, avisava um desses socialistas, “Costa vai ter de andar
sempre a apagar fogos”.
Costa garante "apoio
maioritário"
Em Belém, o líder
do PS repetiu a ideia de que não será um obstáculo à
governabilidade caso não disponha de uma alternativa. Anunciou ter
essa alternativa perante os jornalistas, depois da audiência em
Belém, embora sem revelar o teor dos entendimentos à esquerda.
“Aquilo que nós transmitimos ao senhor Presidente da República é
que julgamos que estão criadas condições para que o PS possa
formar um Governo que disponha de um apoio maioritário na Assembleia
da República e que assegure condições de estabilidade no país”,
afirmou.
Esse apoio, revelou,
é fruto dos “contactos” que tem mantido com o PCP e com o Bloco.
Ao mesmo tempo que evidenciou a alternativa à esquerda, Costa
sublinhou a inexistência de uma maioria à direita. "Essa força
- o PSD - não conseguiu formar uma solução maioritária (...), não
tem condições para um apoio maioritário no Parlamento. Não
devemos por isso adiar a solução parlamentar que pode assegurar uma
maioria", afirmou, acrescentando que o "PS está disposto a
assumir responsabilidades para criar essas condições".
Não reclamou para
si a indigitação, mas tal como já anteriormente Passos Coelho
tinha pedido, também o PS quer que a situação de “incerteza”
não se arraste no tempo. Ao lado do presidente do partido, Carlos
César, do líder parlamentar, Ferro Rodrigues e de Maria da Luz
Rosinha, do secretariado nacional, António Costa foi questionado
sobre o teor dos acordos com o PCP e o BE, mas não revelou os
detalhes.
Logo depois, após
uma audiência com Cavaco Silva, Catarina Martins veio corroborar a
mensagem de António Costa, mas também não revelou claramente se há
um acordo escrito com o PS e PCP ou quais os seus termos. “No que
diz respeito ao Bloco estão criadas as condições para um governo
que não tenha Passos Coelho ou Paulo Portas (...) ou seja estão
criadas as condições para uma maioria estável para a Assembleia da
República”, afirmou Catarina Martins, após meia hora de encontro
com o Presidente da República.
A dirigente
bloquista afirmou que as “divergências [com o PS] foram
ultrapassadas” e defendeu que chamar a coligação a formar Governo
seria “uma perda de tempo” por não obter apoio parlamentar e “só
atrasa o país”. Questionada sobre se há um acordo entre o BE e o
PS e se permite viabilizar o programa de Governo e um Orçamento do
Estado, Catarina Martins referiu que o Bloco é garante de um Governo
que assegure salários, pensões e emprego, remetendo para “os
próximos dias” o teor do entendimento.
A dirigente referiu
que o PS aceitou as três condições iniciais do Bloco –
actualização de salários, a rejeição da medida facilitadora dos
despedimentos e recuo na descida da TSU – e que isso permitiu
avançar nas negociações. “Os reptos que o Bloco lançou tiveram
resposta positiva. Todos eles estão a chegar a bom porto”, afirmou
ao lado do líder parlamentar Pedro Filipe Soares e do dirigente José
Manuel Pureza.
Desafio de Passos
A clarificação
pedida ao PS por Passos Coelho, logo ao início da tarde, após a
audiência com o Presidente, foi em parte respondida por Costa. O
líder do PSD (e da coligação PSD/CDS) reiterou que deve ser o
próprio a ser nomeado primeiro-ministro e desafiou o PS a "assumir
as suas responsabilidades no Parlamento” como partido “derrotado
nas eleições”.
Em jeito de desafio,
Passos Coelho assumiu que a coligação procura condições de
estabilidade para governar e que ainda “não foi possível obter
uma clarificação por parte do PS”. Uma declaração que pedia uma
definição ao PS: ou viabiliza um Governo da coligação,
“respeitando os resultados” das eleições, ou o derruba.
A porta do diálogo
com o PS não foi fechada, agora na frente parlamentar, desde que, do
lado dos socialistas, exista essa "abertura". Uma coisa é
certa, a coligação PSD/CDS não procurará "viabilizar"
um Governo junto do PCP e do BE por terem programas que "não
são compatíveis" com o da aliança.
A ideia de que o
nomeado deve ser Passos Coelho foi reforçada ao final da tarde pelo
líder do CDS, Paulo Portas, o último a ser recebido esta
terça-feira em Belém. O dirigente da coligação a quem coube
atirar a António Costa: “É absolutamente extraordinário ver um
líder político à procura da sua sobrevivência considerar o voto
do povo um detalhe e o Parlamento uma formalidade”. Esta
quarta-feira, o Presidente recebe o PCP, o PEV e o PAN. Depois deverá
anunciar quem nomeia para primeiro-ministro.
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