quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O acordo da esquerda assenta na política de rendimentos / Costa vai ter de negociar com mais um "grupo" parlamentar


O acordo da esquerda assenta na política de rendimentos
Paulo Pena 21/10/2015 - PÚBLICO

A plataforma comum aos três partidos é a manutenção de pensões e salários. Este "programa mínimo" está quase concluído. Mas ainda não há entendimento quanto à subida do salário mínimo.

De uma forma que "surpreendeu" até alguns dos negociadores dos três partidos - PS, PCP e BE - António Costa anunciou que "há condições para que seja formado um governo com suporte maioritário na Assembleia da República". Logo a seguir, Catarina Martins assegurou o mesmo: "Estão criadas as condições para uma maioria estável para a Assembleia da República.”

O PCP, que é a terceira e essencial força para que a tal maioria exista ainda não se pronunciou publicamente - deve fazê-lo esta quarta-feira, em Belém, à saída da audição com Cavaco Silva - mas fontes oficiais do partido garantiram ao PÚBLICO que "a abordagem prossegue". Ou seja, que as negociações continuam.

Para fazer aquela declaração, o líder do PS contactou Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, com quem terá articulado a declaração que fez. Mas se as cúpulas partidárias sabiam, os negociadores dos três partidos estavam, ainda, embrenhados numa longa e difícil conciliação de posições.

Com o PCP, a questão mais difícil parece ser a da subida, já em 2016, do Salário Mínimo Nacional para 600 euros. O PS está disponível, apenas, para aceitar uma subida gradual, negociada, ao longo da legislatura. De resto, a subida do salário mínimo é um dos pontos que também ainda estão em aberto na negociação com o Bloco de Esquerda.

O mesmo se passa com as condições em que será feita a devolução da sobretaxa do IRS - se em dois anos, como defende o PS, se já em 2016 na totalidade, como quer o BE. Outro ponto em que não há, até agora, qualquer acordo, é o da descida do IVA da electricidade, que o BE quer que recue para a taxa mínima de 6%. O PS encontra-se ainda a estudar alternativas para garantir que pode aliviar o peso da energia sobre as famílias e as empresas, mas sem prescindir dessa receita fiscal.

O que já é certo no acordo entre o PS e o BE é que não haverá mexidas substanciais na Taxa Social Única. Pode haver uma baixa para salários até 600 euros (que não pagam sobretaxa do IRS, logo não receberão qualquer devolução), mas está garantido que esta é uma receita da Segurança Social que não vai ter de ser compensada pelo Orçamento de Estado. Em contrapartida, o PS perde o seu principal "estímulo económico", tal como defendia o cenário macroeconómico que apresentou antes das eleições.

Em vez da TSU, o estímulo à procura - e o aumento dos rendimentos - terá de ser compensado por outras formas. Uma delas é a garantia de que "nenhum pensionista registará em 2016 qualquer perda de rendimento". Esta é a forma que os partidos encontraram para chegar a acordo sobre a exigência do BE de riscar do programa do PS o congelamento das pensões.

O "despedimento conciliatório" era a terceira condição do BE para o acordo e também desaparece das intenções do PS, neste acordo.

Um tema que era comum aos três partidos, à partida para as negociações, era o do fim dos cortes salariais na Função Pública. Ao que o PÚBLICO apurou, os cortes terminarão em 2016, faseadamente. Ao fim do primeiro trimestre, os funcionários receberão 25% do corte, e assim sucessivamente até que o salário esteja "limpo" de cortes no último trimestre do próximo ano.

Ainda que não tenha sido discutida, nestas negociações, até ao momento, qual a forma de acordo final, o PÚBLICO sabe que deve ser um compromisso curto, de poucas dezenas de pontos, e que permite estender as linhas gerais do compromisso ao longo da legislatura.

Não se trata de nenhum compromisso de viabilização de quatro orçamentos. Isso, nenhum dos três partidos propôs ou aceitou. Trata-se de um pacto sobre as condições em que essa viabilização é, ou não, possível. E resume-se a uma ideia simples: se o Governo, em algum momento, inverter a lógica de reposição dos salários e pensões, e impuser medidas de austeridade sobre os rendimentos, o acordo termina.

Por isso, ainda antes de discutir uma eventual composição do Governo - que não esteve em cima da mesa -, os três partidos acordaram estabelecer formas de ligação permanente e a criação de grupos de trabalho tripartidos para acompanhar os principais sectores da governação.



Costa vai ter de negociar com mais um "grupo" parlamentar
Sofia Rodrigues e Nuno Sá Lourenço 21/10/2015 - 07:02

Com um acordo à esquerda a ganhar velocidade, surgem sinais no interior do PS de que Costa terá de trabalhar num entendimento para assegurar que deputados socialistas não peguem fogo à maioria de esquerda.

Sem revelarem em detalhe as condições de estabilidade de um Governo liderado pela esquerda, os líderes do PS e do BE saíram das audiências com Cavaco Silva já com o discurso harmonizado. António Costa assegura ter condições para um Governo estável, com apoio de PCP e BE, Catarina Martins repetiu o mesmo horas mais tarde. Os dois defenderam que essa solução deve avançar já para não fazer o país “perder tempo”. Já Passos Coelho espera que o PS “assuma as suas responsabilidades na Assembleia da República, num tom em que quase desafiou António Costa a derrubar um futuro Governo da coligação PSD/CDS.

Mas o sucesso da hipótese crescente de um entendimento com os partidos à sua esquerda – BE, PCP, e Verdes – levanta uma nova questão à actual liderança socialista. Isto porque existe no recém-eleito grupo parlamentar do PS um conjunto de deputados que poderão não aceitar esse acordo como um facto consumado.

Ao longo dos últimos dias, foram surgindo reticências entre socialistas sobre o processo encetado pelo secretário-geral do PS. Entre estes, o líder socialista terá de ter em conta um posicionamento em bloco dos militantes do seu partido que não apoiaram a sua liderança na disputa interna em que destronou António José Seguro. No total, somam 15 lugares, o que é o suficiente para esvaziar a maioria de esquerda que Costa apresentou a Cavaco Silva.

Perante a declaração do secretário-geral, imperou o silêncio. Afinal, o líder tinha convocado uma comissão política para esta quinta-feira com o objectivo de apresentar os resultados do seu mandato.

Até ao momento, esta facção permanece em silêncio para descortinar o próximo passo e um sinal de Costa em relação ao interior do PS. Desde as legislativas que alguns destes militantes e dirigentes criticaram a ausência de esforço do líder no sentido de sarar feridas e “garantir a unidade” do partido.

E estão já identificados os dois momentos em que este grupo vai avaliar a conduta do actual líder. O primeiro está a poucos dias de acontecer, com o nome que vier a propor para presidente da Assembleia da República. O segundo momento será na constituição do Governo e no espaço que estiver disponível para ceder à ala segurista. Caso contrário, avisava um desses socialistas, “Costa vai ter de andar sempre a apagar fogos”.

Costa garante "apoio maioritário"
Em Belém, o líder do PS repetiu a ideia de que não será um obstáculo à governabilidade caso não disponha de uma alternativa. Anunciou ter essa alternativa perante os jornalistas, depois da audiência em Belém, embora sem revelar o teor dos entendimentos à esquerda. “Aquilo que nós transmitimos ao senhor Presidente da República é que julgamos que estão criadas condições para que o PS possa formar um Governo que disponha de um apoio maioritário na Assembleia da República e que assegure condições de estabilidade no país”, afirmou.


Esse apoio, revelou, é fruto dos “contactos” que tem mantido com o PCP e com o Bloco. Ao mesmo tempo que evidenciou a alternativa à esquerda, Costa sublinhou a inexistência de uma maioria à direita. "Essa força - o PSD - não conseguiu formar uma solução maioritária (...), não tem condições para um apoio maioritário no Parlamento. Não devemos por isso adiar a solução parlamentar que pode assegurar uma maioria", afirmou, acrescentando que o "PS está disposto a assumir responsabilidades para criar essas condições".

Não reclamou para si a indigitação, mas tal como já anteriormente Passos Coelho tinha pedido, também o PS quer que a situação de “incerteza” não se arraste no tempo. Ao lado do presidente do partido, Carlos César, do líder parlamentar, Ferro Rodrigues e de Maria da Luz Rosinha, do secretariado nacional, António Costa foi questionado sobre o teor dos acordos com o PCP e o BE, mas não revelou os detalhes.

Logo depois, após uma audiência com Cavaco Silva, Catarina Martins veio corroborar a mensagem de António Costa, mas também não revelou claramente se há um acordo escrito com o PS e PCP ou quais os seus termos. “No que diz respeito ao Bloco estão criadas as condições para um governo que não tenha Passos Coelho ou Paulo Portas (...) ou seja estão criadas as condições para uma maioria estável para a Assembleia da República”, afirmou Catarina Martins, após meia hora de encontro com o Presidente da República.


A dirigente bloquista afirmou que as “divergências [com o PS] foram ultrapassadas” e defendeu que chamar a coligação a formar Governo seria “uma perda de tempo” por não obter apoio parlamentar e “só atrasa o país”. Questionada sobre se há um acordo entre o BE e o PS e se permite viabilizar o programa de Governo e um Orçamento do Estado, Catarina Martins referiu que o Bloco é garante de um Governo que assegure salários, pensões e emprego, remetendo para “os próximos dias” o teor do entendimento.

A dirigente referiu que o PS aceitou as três condições iniciais do Bloco – actualização de salários, a rejeição da medida facilitadora dos despedimentos e recuo na descida da TSU – e que isso permitiu avançar nas negociações. “Os reptos que o Bloco lançou tiveram resposta positiva. Todos eles estão a chegar a bom porto”, afirmou ao lado do líder parlamentar Pedro Filipe Soares e do dirigente José Manuel Pureza.

Desafio de Passos
A clarificação pedida ao PS por Passos Coelho, logo ao início da tarde, após a audiência com o Presidente, foi em parte respondida por Costa. O líder do PSD (e da coligação PSD/CDS) reiterou que deve ser o próprio a ser nomeado primeiro-ministro e desafiou o PS a "assumir as suas responsabilidades no Parlamento” como partido “derrotado nas eleições”.


Em jeito de desafio, Passos Coelho assumiu que a coligação procura condições de estabilidade para governar e que ainda “não foi possível obter uma clarificação por parte do PS”. Uma declaração que pedia uma definição ao PS: ou viabiliza um Governo da coligação, “respeitando os resultados” das eleições, ou o derruba.

A porta do diálogo com o PS não foi fechada, agora na frente parlamentar, desde que, do lado dos socialistas, exista essa "abertura". Uma coisa é certa, a coligação PSD/CDS não procurará "viabilizar" um Governo junto do PCP e do BE por terem programas que "não são compatíveis" com o da aliança.


A ideia de que o nomeado deve ser Passos Coelho foi reforçada ao final da tarde pelo líder do CDS, Paulo Portas, o último a ser recebido esta terça-feira em Belém. O dirigente da coligação a quem coube atirar a António Costa: “É absolutamente extraordinário ver um líder político à procura da sua sobrevivência considerar o voto do povo um detalhe e o Parlamento uma formalidade”. Esta quarta-feira, o Presidente recebe o PCP, o PEV e o PAN. Depois deverá anunciar quem nomeia para primeiro-ministro.

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