Costa
Iznogoud
Alexandre
Homem Cristo
14/10/2015,
OBSERVADOR
Enquanto mantém o
país refém de negociações improváveis, Costa já converteu esta
nova e curta legislatura num ano de campanha eleitoral permanente.
Leia-se, pouco mais do que tempo perdido para o país
“Quero ser califa
no lugar do califa!”. Esta é a rotineira exigência de Iznogoud,
vizir e personagem criada na década de 60 por Goscinny, o génio da
banda-desenhada francesa também por detrás de Asterix. Cruel,
colérico, viciado na intriga e cego pela sua própria ambição, as
aventuras de Iznogoud narram os seus incansáveis empreendimentos em
busca do poder, nos quais os fins justificam os meios. Ele prepara
golpes engenhosos. Ele aplica os truques mais improváveis. Ele
elabora as conspirações mais vis. Ele vicia as regras
institucionais. Daí o seu nome – uma fórmula afrancesada da
expressão inglesa “is no good”, que designa alguém que é má
rês. Ora, Iznogoud é mesmo má rês e, felizmente, também é dado
ao infortúnio – por mais que se dedique e tente, as suas aventuras
enumeram uma longa sucessão de fracassos que o impedem de ascender a
“califa no lugar do califa”. O seu prémio de consolação foi
elevar-se, em França, a símbolo da ambição política desmedida,
servindo de caricatura para algumas das maiores figuras da classe
política francesa.
António Costa não
quer ser califa, mas quer ser primeiro-ministro no lugar do
primeiro-ministro. Se fosse francês, teria o seu Iznogoud
personalizado nos jornais. Como é português, descrevem-no com
ligeireza como um político profissional e ambicioso. Só que esta já
não é uma simples história de ambição política (dessas há
muitas por aí). É a história de quem coloca o poder acima de tudo
o resto, a começar pelo seu próprio partido e a acabar pelo país.
Sem olhar a meios ou ver limites num percurso delineado por golpes,
truques e traições, por guinadas e viragens, por ditos e
desmentidos.
Note-se que, em
menos de um ano, Costa já defendeu um bloco central, um governo
minoritário do partido vencedor das eleições, um governo
minoritário do PS (o partido derrotado). Já elogiou o Syriza e já
o criticou. Já disse que a economia portuguesa estava em recuperação
e já negou que a recuperação existisse. Já argumentou que, com
governos minoritários, o maior partido da oposição deve viabilizar
os orçamentos de estado e já garantiu que não viabilizará o
orçamento de estado que PSD/CDS apresentarão. Enfim, já atacou
ferozmente os partidos à esquerda do PS e, agora, com eles já só
encontra convergências. Ou seja, António Costa escolheu, disse e
fez sempre aquilo que, em cada momento, o tornasse mais popular, lhe
valesse mais aplausos, o aproximasse mais do lugar que ele julga ser
seu por direito – São Bento. É essa a sua coerência.
Dir-me-ão que
focarmo-nos no seu carácter não é um ângulo de análise
pertinente, que a política é mesmo assim e que Costa é apenas mais
um player desse jogo impiedoso. Mas não é verdade que assim seja.
Não é verdade porque a ambição desmedida e o carácter de Costa
têm e terão consequências políticas. Para si e para o PS, que
está a ser empurrado para a renegação da sua identidade. Mas,
muito mais importante do que isso, para o país.
Enquanto mantém o
país refém de negociações improváveis, António Costa já
converteu esta nova e curta legislatura num ano de campanha eleitoral
permanente. Leia-se, pouco mais do que tempo perdido para o país. A
reforma da segurança social continuará adiada, sem tempo ou
disponibilidades para cedências negociais. Várias reformas na
educação, para adequar o sistema às exigências do século XXI,
ficarão na gaveta. A recuperação da economia portuguesa, já de si
frágil e dependente de um mundo instável, poderá ser travada. A
confiança das instituições internacionais em Portugal, que tanto
tempo demorou a ser reconquistada, poderá ser contestada. Tudo o que
é fundamental para o futuro ficará preso ao presente. O país
viverá em standby.
Pergunto: um homem
disposto a tudo isto por ambição pessoal e sobrevivência política
deve ser primeiro-ministro? Obviamente que não. Não deve, sequer,
ser líder da oposição. Se a esquerda engolisse os seus ódios
contra a direita e não estivesse, ela também, disposta a tudo para
impedir um governo PSD/CDS, perceberia isto. E, mais, compreenderia
que António Costa é hoje o maior inimigo da tão sonhada “união
das esquerdas”. É que, tal como fez quanto ao PS e ao país,
também jogou com a viabilidade futura desse projecto político:
deslegitimou-o através deste seu golpe de poder. É, portanto,
urgente que os bons do PS acordem e falem. Pela sobrevivência do seu
próprio partido. E porque o país não merece isto.
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