Refugiados desembarcavam na
Grécia, enquanto Bruxelas e Ancara discutiam medidas para travar a
sua chegada à Europa
Turquia
regateia acordo com a Europa para travar fluxo de refugiados
Negociadores
turcos e europeus acertaram primeiro rascunho de acordo em Bruxelas,
mas Angela Merkel avisou que a porta da União Europeia vai continuar
fechada para Ancara
Rita Siza /
16-10-2015 / PÚBLICO
As expectativas da
Turquia de abertura de um processo negocial com vista a uma futura
adesão à União Europeia voltaram a sair ontem goradas, quando os
líderes europeus reunidos numa nova cimeira em Bruxelas para
discutir a crise de refugiados apenas se dispuseram a avançar com
mais dinheiro do que inicialmente previsto para acertar um “plano
de acção conjunto” que permita travar o fluxo migratório.
Com mais de dois
milhões de refugiados no seu território — principalmente
populações que escapam da guerra na Síria mas também grupos que
fogem da perseguição política, da violência jihadista ou da
pobreza extrema — a Turquia é o principal ponto de partida
daqueles que arriscam tudo para aceder ao espaço europeu.
Consciente do seu
papel crucial para uma solução que retire a pressão das fronteiras
europeias, Ancara quis subir a parada nas conversações com
Bruxelas: além de uma revisão dos montantes disponibilizado pela
União Europeia para suportar os custos dos campos de refugiados, o
Governo turco colocou em cima da mesa a questão da liberalização
dos vistos e o processo de adesão à UE.
Em Berlim, a
chanceler da Alemanha, Angela Merkel, tratou de refrear os ímpetos
turcos, ao distinguir a proposta de aprofundamento da cooperação
entre Bruxelas e Ancara, com o objectivo de responder à crise
migratória, e a pretensão de entrada no clube europeu. “Uma coisa
não tem nada a ver com a outra”, sublinhou a líder germânica,
num discurso no Bundestag.
Mas num sinal de que
estaria disposta a fazer algumas concessões, Merkel lembrou que “a
maioria dos refugiados de guerra que chegam à Europa viaja desde a
Turquia. E nunca seremos capazes de conter e organizar esse movimento
sem estabelecer uma colaboração próxima com a Turquia”,
considerou. As palavras da chanceler — que no domingo chega a
Istambul para um encontro com o Presidente Recep Tayyip Erdogan —
foram interpretadas como um recado para os seus parceiros europeus,
que até agora foram incapazes de concertar uma resposta comum para a
emergência que se vive dentro das suas fronteiras.
Quem entretanto
viajou para a Turquia foi o vice-presidente da Comissão Europeia,
Frans Timmermans, que juntamente com uma delegação de funcionários
europeus, foi mandatado para negociar um acordo de princípio com o
Governo de Ancara. Mas como advertiu o presidente do Conselho
Europeu, Donald Tusk, “o acordo — e as concessões — com a
Turquia só fazem sentido se efectivamente reduzir o fluxo de
migrantes”.
Bruxelas ofereceu à
Turquia um pacote financeiro de 1,8 mil milhões de euros destinados
à manutenção dos campos de refugiados, e comprometeu-se a adiantar
em um ano a liberalização dos vistos para a entrada dos cidadãos
turcos na UE (de 2017 para 2016). Em troca, Ancara passaria a vigiar
os movimentos nas fronteiras — impedindo que mais pessoas
iniciassem viagem com destino à Europa, e desmantelando as redes de
tráfico humano — e criaria condições para a legalização dos
refugiados que chegassem da Síria ou fossem deportados da Europa.
Antes de garantir a
cooperação do seu país, o Presidente Recep Tayyip Erdogan
acrescentou vários outros pontos ao caderno de encargos: o líder
turco quer que a UE concorde com o estabelecimento de uma zona de
exclusão aérea e a criação de uma zona-segura ( sa
fe-zone) no Norte da
Síria — duas ideias já rejeitadas por Washington e Bruxelas —,
e ainda que acelere o processo negocial com vista à integração do
país no bloco europeu, há vários anos em banho-maria.
Segundo o Financial
Times, um primeiro rascunho de acordo terá já sido aceite por ambas
as partes: alegadamente, a UE está disponível para pagar até três
mil milhões de euros pelo “plano de acção”. Mas o diário
sublinhava as dificuldades que a subscrição da proposta iria
colocar a vários dos parceiros.
A outra mensagem que
Merkel quis transmitir antes do início da cimeira de Bruxelas foi de
que “todos os países têm de cumprir as suas obrigações”, em
termos de recursos financeiros e humanos, num esforço partilhado
para solucionar a crise. Essa mensagem foi reforçada, em Bruxelas,
pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que notou
que “os Estados-membros têm de fazer o que prometeram que iam
fazer. É uma questão de credibilidade”.
Na cimeira de ontem
estava em discussão uma nova tentativa da Comissão para um
consenso, que implica a aprovação de medidas para o fortalecimento
das fronteiras externas do território europeu, e a revisão das
regras consagradas no acordo de Dublin para a concessão de asilo.
Mas as divisões
internas mantêmse. Para a ministra dos Negócios Estrangeiros da
Croácia, Vesna Pusic, “neste ponto de viragem, a Europa tem de
decidir se quer ser um espaço razoável de cooperação”, ou
regressar a um modelo de arame farpado e muros.
A governante
referia-se à política do primeiro-ministro da Hungria, Viktor
Órban, que ontem prometeu fechar a fronteira com a Croácia se não
houvesse acordo para bloquear os movimentos das populações que
desembarcam na Grécia e em Itália.
Sem comentários:
Enviar um comentário