Turquia
só ajuda UE com refugiados se tiver perspectivas de adesão
Um
dia depois da cimeira de Bruxelas, o Governo de Ancara esclarece:
nada foi acordado. No terreno, a situação volta a agravar-se:
Hungria fechou a fronteira com a Croácia e a guarda búlgara matou
afegão a tiro
Ana Gomes Ferreira /
17-10-2015 / PÚBLICO
O plano de acção
conjunto entre a União Europeia e a Turquia, anunciado no final da
cimeira de Bruxelas dedicada aos refugiados, não passa de “um
projecto”, disseram os governantes turcos, que rejeitaram todos os
pontos propostos. Se, num primeiro momento, a Turquia fez exigências
para colaborar, agora foi bastante mais longe, com as palavras do
Presidente Recep Erdogan a assemelharem-se a um ultimato: ou a Europa
aceita os termos de Ancara, ou fica por sua conta e a braços com
cada vez mais refugiados.
O ACNUR registou um
novo aumento no fluxo de pessoas que atravessam o Mediterrâneo
“A segurança e a
estabilidade do Ocidente e da Europa estão relacionadas com a nossa
segurança e estabilidade. Nas conversações de Bruxelas,
aceitaram-no. [A segurança e a estabilidade] não podem acontecer
sem a Turquia. E, se não podem acontecer sem a Turquia, porque não
aceitam a Turquia na UE? O problema é claro, mas eles não estão
abertos e dizem que fizeram um erro” ao integrar a Turquia na NATO,
disse ontem o Presidente turco. Erdogan considera que a Europa
“acordou tarde” para duas realidades: os refugiados e o papel
essencial da Turquia.
A Turquia, que desde
que a guerra na Síria eclodiu, em 2011, recebeu 2,2 milhões de
refugiados, é o país de onde parte a maior parte das pessoas que
querem chegar à Europa. É, por isso, um país crucial para a
resolução deste problema da União Europeia — que não encontra
um caminho para absorver, de forma pacífica, tanta gente; 600 mil
pessoas desde Janeiro — e desta crise humanitária.
O Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) anunciou ontem que
depois de, no início de Outubro, parecer que o fluxo de travessias
no Mediterrâneo iria abrandar, registou-se um novo aumento no
tráfico. À ilha grega de Lesbos estão a chegar diariamente entre
75 e 85 embarcações. “Não sabemos ao certo o motivo deste
aumento, talvez a melhoria do tempo, talvez uma corrida para chegar
antes do Inverno, talvez o medo que todas as fronteiras da Europa
fechem muito em breve”, disse o porta-voz Adrian Edwards. Ao longo
do ano, 3100 pessoas morreram ou desapareceram na travessia do
Mediterrâneo.
Na cimeira europeia
de quintafeira, foi enunciado um rascunho de acordo UE-Turquia que
previa o financiamento europeu a um plano destinado a vigiar as
fronteiras turcas (impedindo a travessia do mar) e melhorar as
condições de vida dos refugiados sírios em território turco. Três
mil milhões de euros foram disponibilizados. Em troca, a Turquia não
teria a desejada reabertura das negociações para a adesão deste
país à UE, mas veria facilitadas as concessões de vistos. À AFP,
uma fonte diplomática em Bruxelas disse que a simples “liberalização
dos vistos” de entrada na UE aos turcos “provoca suores frios”
em alguns países.
A cimeira não foi
perfeita, mas os anúncios feitos pareciam indicar que se abrira a
porta a um entendimento. Só que, ontem, Erdogan e o seu ministro dos
Negócios Estrangeiros, Feridun Sinirlioglu, sublinharam que nada foi
acordado. O plano de acção, disse Sinirlioglu, é só “um
projecto”. Quanto ao financiamento proposto, é “inaceitável”.
“Se a UE decidir partilhar o fardo financeiro, terá que fazêlo
com um montante adequado e não com o montante insignificante que foi
proposto”, disse. Falou da necessidade de três mil milhões de
euros só num primeiro ano; nas suas declarações, Erdogan disse que
desde 2011 o seu país já gastou oito mil milhões de euros com os
refugiados.
Um porta-voz do
Ministério turco dos Negócios Estrangeiros, citado pela AFP,
explicou que a cooperação da Turquia na resolução do fluxo de
refugiados para a Europa é matéria de futuras negociações —
amanhã, Angela Merkel estará na Turquia, para conversar com
Erdogan. O encontro adivinha-se difícil, a chanceler alemã já
disse que refugiados e adesão à UE “não se misturam”.
À mesa das
negociações, os refugiados são usados como moeda de troca
política. No terreno, a sua situação também piora, e os países
continham a responder isoladamente à chegada de gente, pela força e
com o encerramento de fronteiras.
À margem da cimeira
de quinta-feira, Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia (o
grupo de Visegrado, um pacto antigo de não-agressão e cooperação)
decidiram colaborar no encerramento das fronteiras aos refugiados.
Para começar, a Hungria vai receber dos outros países um reforço
de equipamento e homens para vigilância de fronteiras.
A Hungria anunciou
também o encerramento da sua fronteira com a Croácia a partir da
meia-noite de ontem — há um mês, encerrou a da Sérvia —e a
criação de duas zonas nesta fronteira onde os refugiados podem
dirigir-se para pedir asilo.
“O Conselho
Nacional de Segurança decidiu que a Hungria respeitará as suas
obrigações Schengen na fronteira Hungria-Croácia”, mas esta será
fechada aos refugiados, explicou o ministro dos Negócios
Estrangeiros húngaro, Peter Szijjarto. Perto de 240 mil pessoas
entraram na Hungria, um país de passagem até ao destino desejado,
que na maior parte dos casos é a Alemanha.
Noutra destas
fronteiras fortemente militarizadas, morreu o primeiro refugiado
atingido por balas de um guarda de fronteira — um afegão. Foi na
cidade búlgara de Sredets, perto da Turquia. A presidência búlgara
disse ter sido um “trágico acidente”; o guarda disparou tiros de
aviso para conter um grupo de 50 pessoas, todas entre os 20 e os 30
anos, que tentavam passar a fronteira ilegalmente.
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