Qual
acordo? Certezas e dúvidas sobre o Governo de esquerda
LILIANA VALENTE /
20/10/2015, OBSERVADOR
Costa
e Catarina saíram de Belém a dizer que há condições para um
governo de esquerda - mas não há nada assinado, nem tudo está
fechado. Sem papel sobram as dúvidas. Ei-las (e as certezas
possíveis).
António Costa e
Catarina Martins acertaram o tom e usaram as mesmas expressões para
garantir que há uma maioria à esquerda a quatro (PS, PCP, PEV e
Bloco) que dá segurança de governo por quatro anos, mas não
mostraram o acordo que Carlos César, presidente do PS, diz só fazer
sentido mostrar depois de Costa ser indigitado primeiro-ministro.
Depois das
audiências em Belém e das respostas aos jornalistas, eis a síntese
do que já se sabe e o que falta saber – que é muito. Apesar do
deputado Pedro Nuno Santos, um dos negociadores do PS com a esquerda,
falar apenas em detalhes e garantir que, no fim, após cedências e
acertos, as contas baterão certo. E de ainda faltar ouvir o Jerónimo
de Sousa e Heloísa Apolónia, que só esta quarta-feira são
recebidos por Cavaco.
As dúvidas
PCP e BE
comprometem-se a aprovar Orçamentos ou só a negociá-los com o PS?
E como serão negociados os programas de estabilidade?
– Pouco se sabe
ainda sobre a aprovação futura de orçamentos, aliás não se sabe
sequer se um acordo servirá apenas para um programa de governo se
para um orçamento, dois ou os quatro anos. Costa garante que é para
uma legislatura, mas não deu detalhes sobre orçamentos, mas sem
orçamentos aprovados não há estabilidade.
Que outras matérias
estruturais ficaram os partidos de negociar pelo caminho?
– Os partidos
dizem que se debruçaram sobre políticas concretas (Catarina Martins
elencou mesmo entendimentos sobre salários, pensões, emprego e
estado social), mas há matérias que ficam de fora do acordo? Há
sempre imponderáveis em quatro anos. E há também a possibilidade
de buracos propositados.
O acordo implica a
aceitação (escrita) pela esquerda das regras do euro?
– Só quando for
conhecido o acordo se saberá se estará escrito preto no branco o
acordo do PCP e do BE ao Tratado Orçamental e às regras da União
Económica e Monetária. Os dois partidos deixaram cair as posições
nas negociações, mas será importante ver a formulação final
escrita daquilo em que se comprometem.
Que ideias do Bloco
e PCP foram aproveitadas?
– É certo que as
exigências de Bloco de Esquerda e do PCP eram mais no sentido de que
o PS abandonasse algumas ideias, contudo poderá haver propostas dos
dois partidos (além daquelas que já partilhavam) a serem incluídas
no acordo final.
O que sobra do
programa do PS? E do quadro macroeconómico de Mário Centeno?
– Falta conhecer
as medidas concretas que o PS deixa cair depois da negociação à
esquerda e qual a influência que isso terá nas contas que serviram
de base ao programa do PS. Os socialistas têm garantido que
cumprirão as regras orçamentais, logo, qualquer medida que caia ou
entre tem de ser compensada. Esta terça-feira à noite um dos
negociadores, Pedro Nuno Santos, garantiu que “não há
derrapagens” e que no acordo final se perceberão as medidas que
substituem outras para que não haja impacto nas contas.
O PS ratifica? E a
direção do Bloco?
– Costa anunciou a
existência de um entendimento sem no entanto ter havido ainda a
reunião da direção alargada do partido, que terá o voto final
sobre a matéria. Costa tem a maioria dos membros da comissão
politica, mas são conhecidas as críticas de alguns socialistas à
estratégia de negociação à esquerda. No BE, conheceram-se algumas
posições diferentes, como as de Joana Mortágua e Pedro Filipe
Soares (da corrente ligada à UDP) que falaram apenas da negociação
de um orçamento. Passará este acordo sem divisões internas de
maior nos dois partidos?
Os termos do acordo
são os mesmos para BE, PCP e Verdes?
– A questão
coloca-se no sentido de perceber se há apenas um acordo assinado
pelos três ou se são vários acordos à imagem e semelhança de
cada partido. Certo é que os três partidos não se encontraram em
negociações tripartidas (nem quadripartidas): só houve conversas
do PS com cada um e do PCP e do BE.
Onde está o acordo?
– Que falta
fechar? Porque não foi entregue ao Presidente da República se Costa
já o usou para pedir ao Presidente que o indigitasse como
primeiro-ministro?
As certezas (dentro
do que é possível saber)
Governo minoritário
do PS com apoio parlamentar
– À partida,
nenhum dos partidos à esquerda integrará o Governo. Segundo o que
disse António Costa, o Executivo terá o apoio no Parlamento de uma
maioria. O que significa que PCP e BE se comprometem em viabilizar as
políticas de um governo do PS. Chegará para o Presidente?
Programa de Governo
conjunto
– É a diferença
que Costa quer vincar face à coligação: este governo de esquerda
terá um programa aprovado na e pela Assembleia da República. Desde
o início que os três partidos insistem que estão a negociar um
programa de governo conjunto. Costa recusou dar à coligação o
apoio de que esta precisava para ter o mesmo peso.
Acordo para quatro
anos
– Foi uma garantia
deixada por António Costa à saída de Belém. O secretário-geral
do PS disse que tinha condições para um governo estável para a
legislatura – falta, mesmo assim, saber como isso é garantido.
Divergências
complexas ultrapassadas
– Foi Catarina
Martins quem o afirmou. A líder do BE assumiu que as arestas
principais tinham ficado limadas, sobretudo no que diz respeito às
exigências do partido, que se prendiam com o fim do mecanismo
conciliatório, a queda da TSU e o descongelamento das pensões. Há
mais alguns detalhes que vieram a público, que pode ver aqui. Quando
houver acordo se verá melhor.
O Governo servirá
para mudar de política
– Este tem sido o
argumento principal dos três partidos. Este governo de esquerda irá
“virar a página da austeridade” e apostar na devolução de
rendimentos às famílias, garantem. Dizem os três partidos que a
maioria dos portugueses votou por uma mudança de política e que os
três irão fazer essa mudança. Falta é fazer as contas e enviar
para Bruxelas, que já as exige.
Governo garante
cumprimento dos compromissos europeus e “trajetória” de
consolidação – Foi a primeira decisão a ser conhecida, PCP e BE
deixavam de fora os compromissos europeus e respeitavam que cabia ao
PS a política europeia. Costa assegurou ainda na entrevista que deu
esta semana à TVI que está garantida a trajetória orçamental, ou
seja, de descida do défice e da dívida.
É para mudar
atitude na Europa
– António Costa
quer juntar-se à frente anti-austeridade na Europa e estar na frente
dessa nova visão em Bruxelas. Foi também um dos pontos que disse
esta terça-feira à saída de Belém. Vale a pena ver se também
isto fica no acordo (e em que termos).
Com acordo
implícito, mas ainda não assinado, tudo depende do que António
Costa disse ao Presidente da República e de como irá Cavaco Silva
agir tendo em conta essa informação. Certo é que até serem
conhecidos os pormenores do acordo, ainda são muitas as
interrogações. E ainda faltam falar dois dos envolvidos: PCP e
Bloco.
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