Retrato
climático local prevê ondas de calor três a 12 vezes mais
frequentes
RICARDO GARCIA
18/10/2015 - PÚBLICO
Projecto
para estratégias municipais de adaptação a um futuro mais quente
traça um panorama do que poderá acontecer em 26 municípios.
Os municípios
portugueses vão ter de se preparar para um futuro com ondas de calor
que podem ser três a doze vezes mais frequentes do que hoje. Vários
concelhos terão de suportar mais de 50 dias adicionais com
temperaturas acima dos 35oC. A chuva pode diminuir para mais da
metade no Verão, mas aumentar até cerca de 20% no Inverno.
Estes são cenários
que resultam de um primeiro retrato nacional dos impactos das
alterações climáticas a nível local no país, traçado por um
programa pioneiro envolvendo 26 autarquias.
Nesse conjunto de
municípios, meia centena de técnicos estão a ser formados para
elaborar e pôr em prática estratégias locais de adaptação às
alterações climáticas. E adaptar-se será inevitável.
Cientistas da
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa olharam para o
futuro de todos estes concelhos, segundo dois cenários de
concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera, um mais
moderado e outro mais extremo. Os resultados serviram de ponto de
partida para as autarquias começarem a pensar no que devem fazer.
E o que se antecipa
não é tranquilizador. No cenário mais moderado, prevê-se em todos
os municípios uma subida da temperatura média anual de um a dois
graus Celsius até 2100. No cenário extremo, os valores aumentam
para algo entre três graus, nos Açores e na Madeira, e seis graus
em Évora.
Onze concelhos
poderão ver o termómetro subir em cinco graus: Castelo de Vide,
Castelo Branco, Amarante, São João da Pesqueira, Bragança,
Montalegre, Coruche, Ferreira do Alentejo, Tondela, Barreiro e Torres
Vedras. Em Lisboa e no Porto, os valores vão de um a quatro graus.
O número de dias
muito quentes – com mais de 35oC de temperatura máxima – vai
subir em todos os concelhos. No topo da lista está Castelo Branco,
que terá, em cada ano, mais 37 a 61 deles, conforme o cenário
climático. Évora, Coruche e Ferreira do Alentejo poderão chegar
aos 60.
Nalguns pontos do
país onde há poucos dias tão quentes, como Seia e Montalegre,
estes passarão a ser frequentes.
Haverá mais ondas
de calor, e mais longas. No pior cenário, prevê-se um aumento de
pelo menos três vezes na frequência destes episódios, chegando a
seis vezes em Tondela, Amarante, Montalegre e Ílhavo, e mesmo a doze
vezes em Loulé.
A Primavera promete
ser muito menos chuvosa, com uma quebra de 58% na precipitação em
Loulé, 53% em Odemira, 52% no Barreiro e 51% em Lisboa. Em
compensação, estima-se um aumento da chuva no Inverno, que pode
chegar aos 19% em São João da Pesqueira e 16% em Viana do Castelo.
Lisboa também está entre os que mais verá um aumento na
precipitação no Inverno (15%), um problema adicional a uma cidade
já vulnerável a cheias em dias de muita chuva.
Para todos prevê-se
o mal dos dois lados da meteorologia: mais episódios de chuvas
rápidas e intensas, porém mais secas e incêndios florestais. Numa
nota mais positiva, poderá cair substancialmente o número de dias
com geada.
Não foram feitos
cenários locais da subida do nível do mar. Apenas há referência
ao que se prevê para o mundo como um todo: um aumento de 26 a 82
centímetros até 2100.
Estes cenários
climáticos são apenas o ponto de partida para o planeamento das
acções dos municípios envolvidos no projecto ClimAdaPT.Local –
liderado pelo centro de investigação climática CCIAM, da
Universidade de Lisboa. O objectivo do projecto é não só chegar a
estratégias de adaptação em cada um dos concelhos, como garantir
que nas câmaras municipais haja técnicos treinados para elaborar,
pôr em prática e monitorizar esses planos.
As 26 autarquias já
fizeram parte do trabalho. Identificaram as suas vulnerabilidades
actuais e também as futuras, com base nos cenários para 2050 e
2100. O passo mais recente foi a identificação de possíveis
medidas de adaptação.
As mais comuns são
as que têm a ver com os recursos hídricos, em particular as
destinadas a prevenir cheias. Aí estão, por exemplo, a construção
de bacias de retenção, para segurar a água de ribeiras em dias de
forte chuva, ou o redimensionamento das redes pluviais.
Entre as medidas
estão também a adopção de culturas agrícolas mais resistentes à
seca, a regeneração de cordões dunares, a criação de sistemas de
alerta local para eventos extremos ou a criação de corredores
verdes nas cidades.
Muitas destas acções
já existem noutros planos ou estratégias em vigor no país ou a
nível local. “As opções em si podem não ser inovadoras
conceptualmente, mas podem-no ser para concelhos que nunca tinham
pensado nelas”, afirma Gil Penha-Lopes, coordenador do projecto
ClimAdaPT.Local. “A adaptação às alterações climáticas vai
fazer com que medidas que parecem óbvias passem a ser obrigatórias”,
completa.
Por ora, não está
nada decidido. “É apenas uma listagem de opções”, diz
Penha-Lopes. Os municípios ainda estão a avaliar as medidas
identificadas, para depois escolherem o melhor caminho para as suas
estratégias climáticas. O objectivo é que, sejam quais forem, as
medidas sejam incorporadas nos diversos tipos de planos municipais.
O projecto
ClimAdaPT.Local termina no próximo ano. Além dos 26 concelhos
directamente envolvidos, há outros a participar como observadores,
assim como as comissões de coordenação e desenvolvimento regional.
Um dos objectivos é criar uma comunidade de entidades locais ou
regionais com estratégias para um futuro mais quente. “Vamos criar
uma rede nacional de adaptação”, resume Gil Penha-Lopes.
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