O
assalto da realidade
VASCO PULIDO VALENTE
10/10/2015 - PÚBLICO
À
mansa maneira portuguesa, os nossos políticos, de Cavaco a Jerónimo,
começaram a sofrer o assalto da realidade.
Dois casos bastam
para ilustrar a questão. Um caso: no dia em que perdeu, António
Costa prometeu que o PS não iria ser uma “maioria do contra”; e
ficou toda a gente sem saber se tencionava voltar-se para Passos
Coelho ou para a extrema-esquerda. Outro caso: no dia seguinte, o
mesmo Costa deu liberdade aos militantes do PS para votarem em Nóvoa
ou Maria de Belém na primeira volta da eleição do Presidente (sem
saber se haveria segunda).
Ou seja, o
secretário-geral do PS, que prometeu levar à glória aquela
caranguejola, não quer escolher. Não foi capaz de escolher durante
a campanha, em que oscilou até ao fim, e não é capaz de escolher
agora quando se trata de tomar decisões substantivas sobre o futuro
do país. Nesta confusão, ninguém se entende e dia a dia a
ansiedade cresce.
Vamos supor que
António Costa, empurrado por alguns fanáticos sem educação, se
entende com a extrema-esquerda, mesmo não mais do que parcialmente.
Dada a natureza desses doces companheiros de caminho, qualquer
entendimento implicaria não menos do que a inversão total ou
parcial da política de Passos Coelho desde 2011. Isto provocaria uma
ruptura quase imediata com a Europa (que já avisou que não está
disposta a tolerar uma aventura sem pés nem cabeça) e também com
os credores que não estão ali para aturar fantasias, sobretudo à
sua custa. Em pouco tempo (seis meses?), Portugal ficaria na miséria
e os políticos que fazem sentimento, e ganham votos, com a miséria
do próximo teriam de se apresentar em Bruxelas de cabeça baixa e
chapéu na mão a pedir esmola. Isto arruinaria o PS e a
extrema-esquerda, ou acabava rapidamente com a República
democrática, ou as duas coisas.
Mas nada impede que
António Costa, em vez de se virar para a esquerda, se vire para a
direita, tanto mais que anda por aí a piscar o olho aos dois lados.
Se o PS se comprometesse a sustentar, ainda que indirectamente, a
coligação, perdia toda a sua ala radical, no meio de uma gritaria
alucinada e torpe, e não é absurdo pensar que perdesse também uma
boa parte da ala moderada para o PSD e afins. Neste beco sem saída,
António Costa não pode abrir a boca, nem dar um passo em sentido
algum. E pouco a pouco a confiança internacional de que o país
precisa para viver irá desaparecendo. À mansa maneira portuguesa,
os nossos políticos, de Cavaco a Jerónimo, começaram a sofrer o
assalto da realidade. E a festa vai durar.
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