O
fim do PS de António Guterres
SÃO JOSÉ ALMEIDA
17/10/2015 - PÚBLICO
António
Costa pode bem esbracejar, mas o que é facto é que o PS perdeu
eleições.
O PS está a passar
por uma profunda mutação. Está exaurido o PS de António Guterres.
O PS que foi ideologicamente moldado na influência de Blair e depois
de Schroeder, que protagonizou em Portugal a crise da
social-democracia, está num vazio ideológico preenchido por
equívocos programáticos, como foi o liberalíssimo programa
económico que apresentou nas legislativas, o programa económico
mais à direita que os socialistas alguma vez tiveram.
O partido que viveu
da força crescente das federações e cuja vida real dependia e
depende do aparelho está gasto de soluções de sucessão. António
Costa é o último herdeiro da linhagem Guterres, pode ainda surgir
Francisco Assis ou outros nomes, mas serão sempre uma solução de
recurso, para agarrar num partido fragilizado, que na versão actual
está em estertor. O PS vive mais um estádio de uma crise que
começou a ficar evidenciada no domínio ideológico e no plano
europeu durante os governos de José Sócrates, com as crescentes
cedências ideológicas ao neoliberalismo e descaracterização do
ideário social-democrata.
Já do ponto de
vista orgânico e de identidade partidária, o PS leva uma machadada
com a prisão preventiva de José Sócrates, o homem que foi
primeiro-ministro na qualidade de líder dos socialistas e que está
ainda a ser investigado pelos crimes de branqueamento de capitais,
fuga ao fisco e corrupção. É esse PS em escombros já, que António
Costa levou às urnas, convencido de que era possível ter vitórias
que não fossem “poucochinhas” e negociar com todos os partidos,
passando por cima de qualquer dificuldade – como tinha conseguido
fazer na Câmara de Lisboa, se bem que não tenha conseguido ai
“meter o PCP no bolso”.
Perdidas as
eleições, António Costa pode bem esbracejar para se manter na
linha de água e não ser afastado da liderança do partido. Mas o
que é facto é que o PS perdeu eleições. A coligação do PSD e do
CDS ganhou-as e tem a legitimidade política e eleitoral de formar
governo. Uma solução governativa minoritária da segunda força
mais votada, apoiada por outros partidos, mesmo que com maioria, só
terá legitimidade política depois de esgotada em absoluto a
tentativa de que seja Governo quem ganhou. Mesmo que o Governo da
coligação dure uns dias e caia no Parlamento logo na apresentação
do programa. Há procedimentos e regras que têm de ser cumpridas em
democracia, precisamente porque a democracia é um regime que vive do
escrupuloso respeito pelas regras.
É certo que Costa
está a cumprir o que prometera e tinha preparado: ultrapassar o tabu
que estabelece que há partidos que podem ser poder e outros que não
podem. E faz todo o sentido que o PCP e o BE sejam ouvidos sobre o
futuro do país e não sejam deixados à solta com direito a viverem
eleitoralmente do estatuto de partidos anti-sistema. Só que, como
Costa sabe, as clivagens da esquerda portuguesa não se resumem a
divisões no PREC, nem são um fenómeno português. Há uma divisão
ideológica profunda entre o PS e o PCP, assim como há com o BE.
Pela simples razão de que há uma divisão ideológica profunda a
nível internacional e histórico entre os partidos socialistas
democráticos e sociais-democratas, de um lado e do outro, os
partidos de origem marxista-leninista, maoistas e trotkista, bem como
partidos filiados nos radicalismos pós-modernos de esquerda. E
qualquer solução de um Governo minoritário do PS, parlamentarmente
apoiada pelo BE e pelo PCP estará na presente legislatura refém
dessa fronteira.
A questão para
futuro que importa tentar começar a perceber é que PS vai sair
desta hecatombe que se vem desenrolando perante a ansiedade de poder
dos militantes e a perplexidade do país. Que PS vai surgir dos
escombros deste PS de Guterres? Ficará o PS reduzido a 20 % dos
resultados ou menos nas próximas legislativas, mesmo que sejam daqui
a um ano? Irá ser o PS esvaziado à sua esquerda, por um crescimento
eleitoral do BE ou do PCP e à sua direita por uma maioria absoluta
PSD-CDS?
O PS a construir por
uma nova geração irá ter de se redefinir organicamente, num novo
mundo em rede e em que o poder já não comunica apenas em pirâmide
assente no mapa nacional. Mas o PS terá também de se redefinir
ideologicamente, inserido na busca de saídas para a crise da
social-democracia europeia. Esta tarefa caberá sobretudo à nova
geração em espera no PS agora que se esgotaram os herdeiros
naturais do PS-Guterres. Uma nova geração que têm já
personalidades afirmadas. Desde aquele que mais cedo de evidenciou
nessa geração, Sérgio Sousa Pinto, ideologicamente sólido, culto,
com mundividência e com mundo, mas sem carreira partidária e de
Governo, até quem consegue no actual padrão liderar já federações,
como Marcos Perestrello, Pedro Nuno Santos ou Ana Catarina Mendonça
Mendes, passando pelo presidente da Câmara de Lisboa, Fernando
Medina, há uma nova geração que tê de começar a trabalhar para
reconstruir um partido.
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