Depois
do Correio da Manhã, Sócrates processa Sol
ANA HENRIQUES e
PEDRO SALES DIAS 30/10/2015 - PÚBLICO
Ex-primeiro-ministro
diz-se gravemente ofendido na sua honra. “Este anúncio visa apenas
atemorizar-nos. Aquilo que estamos a publicar são as conclusões da
investigação”, reage director do semanário.
O
ex-primeiro-ministro José Sócrates anunciou, através dos seus
advogados, que vai processar o semanário Sol, depois de ter
conseguido proibir o Correio da Manhã de publicar matéria que
conste do processo judicial em que está envolvido.
O antigo governante
acha que a mais recente manchete do semanário, “Ministério
Público investiga continuação dos crimes com Sócrates preso”,
ofende gravemente a sua honra. Por isso, e por entender que a notícia
desvenda factos da sua vida privada e familiar, Sócrates decidiu
recorrer outra vez aos tribunais. Vai queixar-se de difamação e
calúnia. O PÚBLICO tentou saber junto dos seus advogados se o
antigo governante também tenciona intentar uma providência
cautelar, como fez com o Correio da Manhã, mas estes preferem não
revelar por agora as suas intenções.
O director do Sol,
José António Saraiva, não se mostra surpreendido com o anúncio do
ex-primeiro-ministro, tendo em conta o seu “longo historial de
desmentidos e providências cautelares, do caso Freeport ao
Taguspark”.
“Este anúncio
visa apenas atemorizar-nos e condicionar-nos. Ora, aquilo que estamos
a publicar são as conclusões da investigação, e eles sabem
disso”, prossegue José António Saraiva, acrescentando que não
percebe por que razão Sócrates fala em devassa da vida privada,
acusação que considera caluniosa. “Não fazemos campanhas contra
ninguém nem jogos políticos. O nosso objectivo é fazer bom
jornalismo”, diz ainda o director do Sol.
Entretanto, a
comarca de Lisboa esclareceu melhor em que termos é que o Correio da
Manhã se encontra impedido de noticiar matéria que conste do
processo: “A decisão não proíbe a publicação de notícias
sobre José Sócrates ou sobre o processo conhecido como Operação
Marquês, mas apenas sobre elementos deste processo cobertos pelo
segredo de justiça, tal como não proíbe qualquer investigação
jornalística ou a publicação de notícias sobre investigações
jornalísticas anteriores, presentes ou futuras, sobre o mesmo caso
ou sobre os arguidos”, refere uma nota informativa da comarca.
Para a direcção do
diário, fica pouco para noticiar: “A clarificação da presidente
da comarca diz que podemos noticiar tudo… excepto o que não
podemos noticiar”, explica o director-adjunto Eduardo Dâmaso. “Num
processo com mais de 50 volumes, que abrange uma imensidão de
factos, inclusive todos os que noticiámos antes de sequer haver
inquérito – casa e estadia em Paris, relações com a Octapharma,
venda das casas da mãe a Carlos Santos Silva, discrepância entre
rendimentos declarados no Tribunal Constitucional e várias
aquisições patrimoniais – sobra quase nada para noticiar”,
lamenta o jornalista.
O Correio da Manhã
publica este sábado, em vários jornais, um anúncio em que reproduz
a sua primeira página de quarta-feira passada: uma capa rasurada por
tinta azul na qual apenas se consegue ler “Continuaremos a
informá-lo”. Nem todos os jornais aceitaram publicar o anúncio: o
Jornal de Notícias recusou-o, segundo o seu director, Afonso Camões,
por os jornalistas da casa não estarem dispostos a alinhar “numa
operação de marketing levada a cabo por um concorrente a pretexto
da liberdade de imprensa”. O Correio da Manhã tem publicado várias
notícias sobre a relação próxima entre Afonso Camões e Sócrates
e as suas implicações no grupo Global Media, de que o JN faz parte.
Também o Diário de
Notícias, do mesmo grupo, não vai publicar. Ao PÚBLICO, o seu
director, André Macedo, admitiu apenas que "neste momento
[noite desta sexta-feira] no plano do jornal que sairá amanhã não
há uma publicidade ao Correio da Manhã". Fez questão ainda de
sublinhar a sua função editorial. "A publicidade não é uma
área em que intervenha", referiu salientando ser "sempre
pela liberdade de expressão".
A decisão final
terá passado pela comissão executiva do grupo que em resposta
escrita disse que o grupo "está naturalmente solidário contra
qualquer tentativa de limitar a liberdade de expressão ou de
imprensa”, sublinhando, porém, que “a defesa desse princípios
basilares não é compatível com o seu aproveitamento ilegítimo
para uma campanha de marketing de uma qualquer marca de informação”.
Não é a primeira
vez que uma providência cautelar é usada para impedir a publicação
de notícias. Um dos casos mais polémicos ocorreu em 2004, tendo a
acção sido interposta por um jornalista do Correio da Manhã, que
conseguiu assim evitar a transcrição de mais conversas com fontes
sobre o processo Casa Pia, gravadas em cassetes que alegadamente lhe
foram furtadas. A providência visou primeiro a revista Focus, depois
o semanário Independente, e por fim foi alargada ao Jornal de
Notícias, PÚBLICO, 24 Horas, O Crime, Expresso e Visão. Em 2010, o
Sol foi igualmente proibido de publicar algumas escutas do processo
Face Oculta sobre o caso PT/TVI, mas não respeitou a decisão
judicial, o que lhe custou uma indemnização de mais de 400 mil
euros. Com Mariana Oliveira
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