terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Torre de escritórios com 17 andares projectada para a Av. Fontes Pereira de Melo. // "Sol no Estoril, delírios em Lisboa", por ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO

Em baixo um artigo da minha autoria de 2002, que em grande parte ainda está actual e que ilustra que o Vasco Pulido Valente teve razão quando se fechou em casa, e decidiu comunicar com o exterior apenas através das “mensagens em garrafa”, que constituem as suas crónicas.
Participação Pública !? ... "até" Sexta Feira !?
António Sérgio Rosa de Carvalho. / OVOODOCORVO.

Torre de escritórios com 17 andares projectada para a Av. Fontes Pereira de Melo
A Câmara de Lisboa abriu um período de participação pública sobre o projecto, que termina na sexta-feira

Arquitectos dizem que a proposta permite “encaixe” entre o “tempo romântico” da Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves e o “tempo moderno” do Sheraton e do Imaviz
Inês Boaventura / 2-11-2014 / PÚBLICO

A Câmara de Lisboa está a avaliar um pedido de informação prévia para um empreendimento imobiliário, no gaveto da Avenida Fontes Pereira de Melo com a Avenida 5 de Outubro, que inclui uma torre com 17 andares, destinada a escritórios e comércio. O projecto, que prevê uma “praça” com uma “extensa superfície arborizada” na base da torre, está em participação pública até sexta-feira.
Até ao dia 5 de Dezembro, quem quiser poderá consultar o processo no centro de documentação da câmara, na Junta de Freguesia das Avenidas Novas ou no endereço www.cm- lisboa.pt/viver/urbanismo/licenciamento, e enviar reclamações, observações ou sugestões sobre o mesmo. A intenção do município é “auscultar a população sobre o projecto”, a desenvolver nos números 39, 41 e 43 da Av. Fontes Pereira de Melo e no número 2 da Av. 5 de Outubro, atendendo ao seu “impacte relevante”.
Da autoria do atelier Barbas Lopes Arquitectos, a proposta em publicitação pública foi a vencedora de um concurso de ideias promovido pelo promotor imobiliário (Torre da Cidade) e no qual a câmara participou como membro do júri. Numa informação técnica de Fevereiro, o município sublinha que com esta iniciativa, à qual concorreram seis entidades, se pretendia chegar a “uma solução urbana credível e financeiramente viável, com vista à resolução de um problema urbanístico com mais de 20 anos”.
A solução encontrada prevê a demolição integral dos quatro edifícios hoje existentes no local, que, como se sublinha na memória descritiva do projecto, “não constituem elementos com interesse urbanístico, arquitectónico ou cultural”. Em seu lugar deverá surgir uma torre com 17 andares, formada pela “composição de dois corpos paralelepípedos”, que “pretende assumir-se como um objecto arquitectónico de identidade visual marcante”.
“A volumetria do edifício apresenta nos seus dois volumes altimetrias escalonadas, sendo o volume alinhado com a Avenida Fontes Pereira de Melo com a cércea semelhante à do edifício do Imaviz e o volume com o alinhamento da Avenida 5 de Outubro mais baixo 9,27m”, diz- se num aditamento à memória descritiva, no qual se conclui que “a cércea e o número de pisos do edifício procuram assim relações de congruência com a envolvente”. Abaixo do solo prevêse um total de seis pisos, com 243 lugares de estacionamento.
Para a base da torre está projectada uma “praça pública”, “confinada pela Rua Pinheiro Chagas, a Rua Viriato e a Rua Latino Coelho”, através da qual será possível chegar à Avenida Fontes Pereira de Melo, percorrendo a pé um caminho “acompanhado de superfícies comerciais” e onde se admite que seja instalado um quiosque.
Na memória descritiva, a arquitecta Patrícia Barbas explica que no “lado norte” dessa praça haverá uma “extensa superfície arborizada”, que designa como “bosque”. A ideia é que essa área, com “uma plantação luxuriante, diversa na forma, cor e textura”, faça o “remate” da Avenida 5 de Outubro, sirva de “enquadramento de fundo” à Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves e permita a “integração automática, por meio de cortina verde, da fachada tardoz do edificado situado na Rua Pinheiro Chagas”.
Os autores desta proposta consideram que ela permite “o encaixe entre dois tempos da história”: o “tempo romântico” da casa-museu, que foi projectada por Norte Júnior e distinguida com o Prémio Valmor em 1905, e o “tempo moderno”, do Hotel Sheraton e do Centro Comercial Imaviz.
Este projecto prevê uma “superfície de pavimento” acima daquela que está prevista no Plano Director Municipal (PDM). Na informação técnica exarada pelo município em Fevereiro passado explica-se que isso era comum a todas as propostas apresentadas no âmbito do concurso de ideias, “por se socorrerem da possibilidade de aplicação de créditos de construção previstos no Regulamento Municipal que aprova o Sistema de Incentivos a Operações Urbanísticas Com Interesse Municipal e no RPDM [Regulamento do PDM]”.

Há alguns anos, chegou a estar projectada para este local uma torre com cerca de 30 pisos, da autoria do arquitecto Ricardo Bofill, autor do vizinho Atrium Saldanha. Em redor desta proposta, que incluía um hotel e 70 apartamentos para habitação, gerou- se uma ampla discussão sobre a construção em altura em Lisboa.


Sol no Estoril, delírios em Lisboa
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO*Sábado - 10/08/2002 - PÚBLICO

Ainda estávamos a digerir o impacto sensacional da noticia da implosão do Estoril-Sol e já a polémica se instalou, através de um posicionamento público da Ordem dos Arquitectos. Mais uma vez, e lamentavelmente, se polariza "in extremis", auto-aniquilando-se os próprios argumentos por falta de capacidade de separar o trigo do joio. Assim se transforma uma eventual boa intenção da Ordem de informar e alertar numa arrogante incapacidade que pretende "iluminar" (a partir do fortim corporativo) a sociedade perdida nas trevas e eventuais políticos bem intencionados, finalmente interessados nestas questões.Todos sabemos que o Estoril-Sol sempre constituiu, na sua mediocridade híbrida de "international style" pós-guerra e na sua paupérrima meditação derivativa de "unité d?habitation" - para não falar dos interiores -, um atentado volumétrico de implantação, em ruptura com o contexto e a envolvente natural e paisagística. Possíveis comparações com a verdadeira qualidade arquitectónica "international style" (e sobretudo a qualidade "gesamtkunstwerk" dos interiores, que merecem uma classificação patrimonial) do hotel Ritz, ou com o notável conjunto dos blocos do cruzamento da Av. de Roma com a Av. dos Estados Unidos da América (Filipe Figueiredo, José Segurado etc) só contribuem para enfraquecer os pretendidos argumentos de defesa do património do séc. XX. Aliás, o valor deste verdadeiro conjunto de "unités d?habitation" - que merecem ser classificadas numa legislação a produzir urgentemente pelo Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar) de conceito de conjunto urbano, numa perspectiva dos princípios e valores da Docomomo (órgão das Nações Unidas que tem como objectivo a preservação e a defesa dos monumentos do movimento moderno) - é confirmado pelo contexto coerente da envolvente, numa perspectiva da "Carta de Atenas" (CIAM), constituído por toda a Av. dos Estados Unidos da América. Nessa mesma perspectiva, não esquecer o Bairro das Estacas (1949-Formosinho Sanches e d?Anthouguia), que, tal como o nome indica constitui uma meditação pioneira em Portugal dos conceitos "Corbu": separação de funções, orientação de edifícios, "pilotis", "brise-soleils". E, claro, ainda os conjuntos da Av. Infante Santo (1955) ou da Av. de Brasil (1958) de Jorge Segurado.E que fazer dos inúmeros conjuntos moderno-deco (anos 30) espalhados pela cidade? E de todos os "derivados" de Cassiano Branco, à parte dos autênticos Cassiano - estes últimos apresentando uma qualidade habitacional incontestável ? E ainda de todos os conjuntos urbanos Estado Novo coerentes e unificados, desde a Alameda até Alvalade, na Sidónio Pais, na D. João V, etc?A nova direcção do Ippar vai ter muito material a classificar neste novo conceito legislador, ainda por criar, do conjunto urbano de património do séc. XX.Se pretendermos ser coerentes, ao meditarmos sobre o caso Estoril-Sol teremos também que meditar sobre a mediocridade arquitectónica do hotel Atlântico. Ou sobre o verdadeiro atentado posterior que o hotel Eden - um "arranha-céus" muito "Reboleira-Brandoa" - representa.Não, não vamos abrir esta caixa de Pandora. Em vez disso, passemos a reflectir sobre um livro-manifesto dirigido ao presente e ao futuro da cidade de Lisboa, publicado há alguns meses e da autoria do arquitecto Graça Dias. O arquitecto-autor oferece-nos duas fotomontagens. Uma propõe-nos uma Av. Marginal pontuada por diversas torres. Na outra temos oportunidade de reconhecer o Saldanha transformado numa pseudo-Times Square, abrilhantada com anúncios luminosos e torres de 50 andares.Não sei porquê, mas andamos desconfiados que este ataque de "cosmopolitite" aguda - com todos os sintomas megalopolis da cultura da congestão e da densidade urbana - resulta de uma longa exposição aos delírios de Rem Koolhaas sobre Manhattan (Delirious New York), que já tinham se manifestado numa crise "cacilheira", culminando agora numa indigestão mental aguda, ou seja, outra forma de congestão. O autor esquece-se de que os seus devaneios estarão muito mais próximos dum pesadelo "cyborg", pós-cataclismo ecológico tipo "Blade Runner", do que de uma odisseia futurista. Isto sem contar com as borgas cacilheiras que os "cyborgos" lusitanos teriam de inventar para as suas panças mecânicas. Fora as ironias, algumas das propostas para o Saldanha seriam, a concretizar-se, de tal forma graves que ultrapassam a mera retórica do manifesto, para entrarem na esfera do altamente irresponsável. As volumetrias dos existentes "Atrium" e "Monumental" seriam triplicadas até atingirem os 50 andares e uma terceira torre ocuparia o lugar dos dois notáveis edifícios Estado Novo que constituem, hoje, o último símbolo e memória da resistência à demolição do desaparecido Monumental. Além disso, vislumbra-se na fotomontagem uma quarta torre da mesma volumetria colocada no meio da Fontes Pereira de Melo, num local que só poderá ser o espaço ocupado agora pelos três edifícios (que é preciso salvar) dos números 18, 22 e 26, ao lado do agora "recuperado" palácio Sotto Mayor.Não se pretende pôr em causa o direito ao manifesto, com toda a retórica fracturante que tal exige. Mas será esta uma atitude responsável e pedagógica perante toda uma geração de jovens que folheiam mais revistas do que lêem livros, e que são manipuláveis e manipulados pelas crises Institucionais e pelas batalhas jurídicas que imperam na Faculdade de Arquitectura - ou nas verdadeiras fábricas de diplomas que constituem as universidades privadas ?Será que a prometida "fornada" de mais onze mil arquitectos quererá servir este pais desordenado e caótico? Ou irão ficar prisioneiros de um síndroma comparável aos ilustres colegas de Medicina, para os quais Portugal é Lisboa e Porto?Realmente, e numa ironia perversa, a única forma de negar que o Sheraton sempre constituiu uma aberração para o tecido urbano do séc. XIX, e é portanto a nossa torre Montparnasse, é construir em frente uma torre de 50 andares. *Historiador de arquitectura

1 comentário:

Paulo disse...

Demasiado alarmismo por causa duma torre de 17 pisos. Se todos os meses aparecessem projectos de torres, até se poderia compreender. Mas aparece uma vez a cada dez anos. Não vejo qualquer problema em pretenderem assumir o objecto arquitectónico com identidade visual marcante, neste caso a altura. O palacete será demolido com ou sem torre. E se é para demolir mais vale que seja substituído por algo que dê algum equilíbrio visual ao sheraton/imaviz.