A hora de Salgado dar explicações
Por Luís Rosa
publicado em 9
Dez 2014 / in (Jornal) i online
Por cada euro dos 4900 milhões que foram injectados no Novo Banco, Ricardo
Salgado deve uma explicação aos portugueses. Não deve refugiar-se no silêncio
“Quando a
história do mundo for escrita, isso não vai estar nela.” Era o que Ben Bradlee,
o mítico director do “Washington Post” durante o caso Watergate, costumava
dizer sobre uma história que não era importante. É uma fatalidade: para saírem
todos os dias, os jornais necessitam dessas histórias menores.
A investigação do
i ao caso BES representa certamente o que Bradlee consideraria uma “história
importante” e fará parte de qualquer manual sobre a derrocada do império da
família EspíritoSanto. Por isso mesmo, decidimos fazer hoje uma edição especial
do i com um suplemento de 40 páginas inteiramente dedicado ao caso BES, para os
leitores percebe-rem melhor por que razão Ricardo Salgado e José Maria
Ricciardi são chamados hoje à comissão parlamentar de inquérito do BES. Lemos
as 35 cartas trocadas entre o Banco de Portugal e o BES, que permitem perceber
as exigências e cedências do supervisor bancário à família Espírito Santo;
descrevemos as grandes questões a que Salgado, Ricciardi e outros gestores do
BES terão de responder; e republicamos os melhores trabalhos da nossa
investigação, seguindo uma linha narrativa que permite perceber todo o caso. Leia
que vale a pena.
A audição de Ricardo
Salgado marca uma nova fase da comissão parlamentar de inquérito. Depois das
responsabilidades dos reguladores e das responsabilidades políticas do governo,
é chegada a hora do escrutínio parlamentar dos gestores da família Espírito
Santo.
É um dado adquirido
que a forma criminosa como se verificou a derrocada do Grupo Espírito Santo
(GES) pouco tem a ver com a incúria ou incompetência dos reguladores. O
prejuízo recorde de 3577 milhões de euros apresentado em Julho não se explica,
como Ricardo Salgado quis fazer crer no início deste ano, com erros de um
contabilista. Pelo contrário, está relacionado com actos de gestores que sabiam
perfeitamente o que estavam a fazer. A alegada falsificação da contabilidade
das holdings do GES ou a forma como foram retirados cerca de 800 milhões de
euros do BES para as empresas familiares através da Eurofin, por exemplo, são
actos dolosos que exigem explicações aos representantes dos portugueses. Por
cada euro público (a classificação de fundos públicos é da Comissão Europeia)
dos 4900 milhões que foram injectados no Novo Banco, Ricardo Salgado deve uma
explicação aos portugueses.
Há uma
probabilidade de Salgado nada afirmar esta manhã aos deputados, refugiando-se
nos diversos segredos que tem ao seu dispor: segredo de justiça, sigilo
bancário ou sigilo fiscal. Constituído arguido em Julho pelo Departamento
Central de Investigação e Acção Penal, por burla, abuso de confiança,
falsificação e branqueamento de capitais no âmbito de um inquérito relacionado
com o caso Monte Branco, investigado no processo judicial que visa escrutinar a
gestão do BES e alvo de diversos processos de contra-ordenação do Banco de
Portugal, Salgado pode ler uma declaração e ficar calado. Tem direito ao
silêncio em nome do princípio da não auto-incriminação, mas esperemos que não o
faça. Os portugueses merecem e têm de ter uma
explicação.
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