Razões
para não gostar de Rui Rio
JOÃO MIGUEL TAVARES
04/06/2015 - 00:07
Rio
parece apreciar watch dogs mansinhos, que só ladram quando ele
estala os dedos.
O Palácio de Belém
é um péssimo sítio para ser frequentado por gente que ferve em
pouca água — e, como mais uma vez se viu, basta Rui Rio ler ou
ouvir uma notícia de que não gosta, ou que sente ser injusta, para
logo perder a cabeça e desatar a disparar para todos os lados,
galgando a grande velocidade os patamares aceitáveis do
destrambelhamento. Isso é o pior cartão-de-visita possível para um
presidente da República.
Recordemos os
factos. Na noite de sexta-feira, a SIC noticiou que Rui Rio estava
pronto a avançar para Belém, faltando apenas ultimar alguns
contactos para apresentar a sua candidatura até final deste mês.
Três dias depois, segunda-feira, Rui Rio desmentiu a notícia
através de um comunicado, no qual se dizia entristecido, e que, “se
algum dia” decidisse avançar com uma candidatura, seria ele
próprio a divulgar essa informação “de forma clara e directa —
sem recurso a outras fontes, sejam elas próximas, anónimas ou bem
informadas”.
Só que a história
não ficou por aqui, e no dia seguinte, terça-feira, aproveitando
uma aparição pública, Rui Rio decidiu (mais uma vez) despejar as
baterias em cima dos jornalistas, criticando a “desresponsabilização
da comunicação social por aquilo que diz e escreve”. Mas disse
mais: “Isto não é saudável em democracia. Isto poderá ser
próprio de regimes totalitários. Sem a liberdade de imprensa não
há democracia. A minha liberdade impõe que eu tenha também
responsabilidade. Porque a minha liberdade acaba à porta da
liberdade dos outros. A liberdade de imprensa também pára à porta
da liberdade de todos nós.”
Ora vamos cá ver.
Rui Rio tem todo o direito de não gostar de certas notícias que são
publicadas na comunicação social e achar que elas foram ali
plantadas para o prejudicar — em última análise, pode até ter
razão, e boa parte da sua indignação ser inteiramente justificada.
Só que depois ele mistura tudo — e é nessa misturada, muito
musculada, muito avinagrada e muito pouco ponderada, que eu vejo
emergir demasiadas vezes um genezinho autoritário, que à noite
sonha humidamente com uma comunicação social bem ordenada, em que
os jornalistas nunca se enganam e raramente têm dúvidas. Porque,
afinal, basta perguntarem a Rui Rio onde está a verdade, que ele
trata logo de informar.
Reparem: os
jornalistas que fazem política não têm de estar à espera dos
timings dos políticos para darem as notícias. Quando Rio decidir
(se decidir) avançar para Belém, ele já terá com certeza uma
equipa atrás dele, apoios, logística, que envolveram contactos e
circulação de informação. Se um jornalista da área política
está absolutamente seguro dessas movimentações e das datas da
candidatura, o que ele tem a fazer é dar a notícia — mesmo que o
candidato a desminta. Se Rio avançar até final do mês, o
jornalista estava certo. Se não avançar, passa por mentiroso e
perde credibilidade. É muito simples.
Mas uma frase como
“a liberdade de imprensa também pára à porta da liberdade de
todos nós” não quer dizer coisa absolutamente nenhuma e é até
de uma assinalável estultice. O que a liberdade de imprensa mais faz
é invadir a vida de gente que se tivesse a liberdade de escolher
preferiria que nada se soubesse. Rio parece apreciar watch dogs
mansinhos, que só ladram quando ele estala os dedos. Ao fim de mais
de 30 anos na política, esta falta de cultura democrática é muito
preocupante — sobretudo para quem anda a pensar instalar-se em
Belém.
Jornalista,
jmtavares@outlook.com
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