Tsipras
quer que a Grécia pare de tomar veneno
JOSÉ VÍTOR
MALHEIROS 30/06/2015 - PÚBLICO
O
tratamento a que a UE quer submeter a Grécia não é um tratamento,
mas um envenenamento. Lento e mortal.
Uma das coisas mais
surpreendentes nos acontecimentos dos últimos dias em torno da
erradamente chamada “crise grega” (que é, sempre foi e
continuará a ser a “crise do euro”) foi o choque do FMI e dos
eurocratas perante a decisão da Grécia de recusar as propostas das
instituições-antes-conhecidas-pelo-nome-de-troika e de convocar um
referendo para auscultar o povo grego.
É surpreendente
porque se esperaria de pessoas com este nível de responsabilidade
que soubessem o que estão a fazer e que antevissem os
desenvolvimentos possíveis das jogadas que fazem. Constatamos que,
afinal, não sabiam e não anteviram. Ou não quiseram saber, para
considerar outra possibilidade ainda mais preocupante. Ou, pior
ainda, jogaram conscientemente para chegar a este resultado e todas
as palavras que proferem nascem da mais profunda hipocrisia.
Teria sido melhor,
para usar a paternalista expressão da chefe do FMI, que Lagarde,
Dijsselbloem e Juncker tivessem deixado a discussão para os adultos
e se tivessem retirado discretamente da sala para o recreio. Mas não
o fizeram e teremos agora de pagar o preço da sua arrogância. Nós,
os europeus, nós, os portugueses. Porque não há neste momento
nenhuma saída boa da crise.
É possível que as
instituições-antes-conhecidas-pelo-nome-de-troika não estivessem à
espera de que Tsipras se preocupasse com as promessas eleitorais que
o seu partido fez ao povo grego nem se preocupasse com o bem-estar
dos seus concidadãos. É natural que assim seja porque todos os
outros chefes de governo com quem a troika interagiu (a começar pelo
lamentável espécimen que ocupa S. Bento) sempre dobraram a espinha
perante as ordens recebidas, sem o mínimo rebuço em quebrar
promessas eleitorais e em empobrecer os seus países. Por isso, é
bem possível que Bruxelas tenha mesmo ficado em estado de choque
quando viu à sua frente um político com uma espinha dorsal.
É tristemente
revelador do défice democrático da União Europeia que o anúncio
do referendo seja visto (como já tinha acontecido com o referendo
que George Papandreou foi obrigado a retirar em Novembro de 2011)
como um gesto inaceitável de confronto, um verdadeiro casus belli. A
Comissão Europeia e o FMI estão acostumados a pressionar os chefes
de governo que têm dúvidas e a ser obedecidos sem grande hesitação.
Devolver uma decisão ao povo é algo que é mal visto (uma
infantilidade, como diz Lagarde), uma demonstração de que os gregos
ainda não perceberam que quem manda é quem tem o dinheiro: a
Alemanha e o FMI.
Durante os últimos
meses, habituámo-nos a ver descrita nos media a história da
negociação entre gregos e a troika como um braço-de-ferro, com
propostas e contra-propostas, pressões dos dois lados e o desprezo
palaciano dos educados senhores de gravata e da senhora que não paga
impostos contra os gregos preguiçosos.
A história desta
negociação foi-nos contada tanta vez que a narrativa foi
normalizada: de um lado estava a troika que queria mais impostos e
menos gastos do estado e do outro o Governo grego que tentava manter
os actuais impostos ou subi-los muito pouco e manter os actuais
gastos do Estado ou descê-los muito pouco.
A história era (e
continua a ser na esmagadora maioria das notícias) assim: há um
remédio amargo que a Grécia tem de tomar. A troika quer que a
Grécia tome muito e depressa. A Grécia quer tomar pouco e devagar.
E andam há meses a discutir a posologia e a duração do tratamento.
O problema é que
esta história, que os leitores têm lido e ouvido em todos os media,
é uma refinada mentira. Não uma “inverdade”, mas uma daquelas
refinadas aldrabices, como as que Passos Coelho diz nos nossos
televisores com cara séria.
A verdade - que os
factos comprovam para quem queira ver - é que a austeridade não
funcionou, nem na Grécia nem em Portugal. Na Grécia, a austeridade
aumentou a dívida para 320 mil milhões de euros (177% do PIB),
reduziu o PIB em 25%, aumentou o desemprego para 26%, reduziu
drasticamente o investimento e a economia, fez fugir os capitais,
destruiu a classe média, criou milhões de pobres, uma catástrofe
social.
A verdade é que o
tratamento não é um tratamento mas um envenenamento. Lento e
mortal. E a negociação foi sempre, por parte da Grécia, uma
tentativa de reduzir a intoxicação de forma a dar possibilidade ao
paciente de ganhar forças. Como escrevia o The Guardian no seu
editorial de domingo: “Os credores precisam de ter a humildade de
reconhecer que o seu programa de austeridade falhou. Nenhuma das
privações a que a Grécia foi sujeita tornou a dívida grega mais
sustentável mas, apesar disso, os credores ainda pedem mais”.
A verdade é que a
Grécia precisa não de austeridade nem de empréstimos para pagar
juros mas de investimento em grande escala para modernizar a sua
economia e as suas instituições. A UE deveria servir para fazer
precisamente isso. Mas não faz.
E, se a UE não é a
Europa da solidariedade, da democracia, dos direitos humanos, do
progresso para todos e do Estado Social, não serve para nada. A UE
foi um belo sonho e é triste estar a morrer, mas a agonia já
começou.
Sem comentários:
Enviar um comentário