CCB vai lembrar os feitos da
maior exposição do Estado Novo
SARA OTTO COELHO
/ 23/6/2015, OBSERVADOR
Não é possível entender Belém sem
conhecer a Exposição do Mundo Português, defendeu o presidente do CCB, que
também quer transformar o eixo Belém-Ajuda. O objetivo não é recordar o regime
de Salazar.
A 23 de junho de
1940, em plena Segunda Guerra Mundial, inaugurava-se, na zona de Belém, em
Lisboa, a Exposição do Mundo Português, um misto entre divulgação da cultura
nacional e propaganda do Estado Novo. Setenta e cinco anos depois, o Centro
Cultural de Belém (CCB) vai organizar uma exposição sobre o evento, não sob o
ponto de vista da ideologia política, mas com o objetivo de mostrar o
nascimento do polo turístico cultural mais visitado do país. A inauguração está
prevista para o outono, mas o local ainda não foi escolhido.
Até 1940, havia
casas coladas ao Mosteiro dos Jerónimos. Onde é hoje a Praça do Império estavam
também habitações velhas, com vista privilegiada sobre aquele que é hoje o
monumento mais visitado de Portugal. Parece difícil imaginar mas, ao lado da
Torre de Belém, monumento do século XVI aos Descobrimentos, havia uma fábrica
de gás, que não só estragava a vista como danificava a construção, por causa do
fumo “espesso, gorduroso e indelével”, como descreveu Ramalho Ortigão no final
do século XIX.
“Nem os Jerónimos
conseguiam dar dignidade a esta zona, que estava muito degradada”, disse esta
terça-feira António Lamas, presidente do CCB, na apresentação da futura
“Exposição do Mundo Português – Explicação de um Lugar” aos jornalistas. As
fotos da época mostram como era a zona ribeirinha ocidental de Lisboa:
A Exposição do
Mundo Português foi concebida por Duarte Pacheco e António Ferro, a pedido do
chefe do Governo, António de Oliveira Salazar, com o objetivo de comemorar as
datas da Fundação (1143) e da Restauração (1640) de Portugal. Cottinelli Telmo
era o arquiteto chefe. E apesar da queda embaraçosa da Nau Portugal à saída dos
estaleiros de Aveiro, o evento acabaria por ficar também marcado pelo rearranjo
urbanístico de Belém, que se prolonga até à atualidade. No final da exposição,
muitos dos pavilhões projetados acabaram por ser demolidos. O Centro Cultural
de Belém, por exemplo, é descendente do Pavilhão dos Portugueses no Mundo, um
dos principais pavilhões de toda a exposição.
Mas há várias
construções que se mantêm, como se poderá ver na exposição organizada pelo CCB,
com curadoria de Margarida de Magalhães Ramalho e Margarida da Cunha Belém e
design de Henrique Cayatte. É o caso do Museu de Arte Popular (herdeiro do
Pavilhão da Etnografia Metropolitana), razão pela qual António Lamas gostaria de
escolhê-lo para acolher a mostra. O pedido já foi feito à Direção-Geral do
Património Cultural e à Secretaria de Estado da Cultura.
O local e a data
podem ainda não estar definidos, mas os núcleos da exposição já, ainda que as
curadoras não tenham adiantado quais serão. Sabe-se que a mostra terá maquetes,
esculturas, bilhetes da época, testemunhos gravados de pessoas que estiveram na
exposição e várias imagens, provenientes de diversas instituições, fundações e
coleções privadas. A família do arquiteto Santos Almeida Junior, por exemplo,
abriu o espólio à organização, o que vai permitir mostrar cerca de 200
fotografias inéditas da época.
Uma exposição
sobre urbanismo, não sobre a ditadura
Questionados
sobre a decisão de organizar uma exposição sobre um evento de propaganda do
Estado Novo, o presidente do CCB e as curadoras negam qualquer branqueamento da
ditadura de Salazar. A exposição não terá um olhar crítico sobre o regime
porque “não é sobre o regime”, explicou Margarida de Magalhães Ramalho. António
Lamas completou. “Terá um olhar urbanístico. A renovação resulta de uma decisão
política, mas a exposição não vai enquadrar a ideologia que a fomentou, mas sim
dar a perceber que foi esta exposição que criou esta zona”.
Margarida de
Magalhães Ramalho defendeu que não se pode “ignorar o que se passou no início
do Estado Novo”. “O Governo deu abertura e capacidade de autonomia a quem
trabalhou na exposição, onde se incluíam antifascistas. Está na altura de olhar
para as coisas sem ser a preto e branco”, defendeu, recusando que se apague uma
parte da história por estar inserida no Estado Novo.
António Lamas deu
como exemplo a exposição dedicada a Cottinelli Telmo, no Padrão dos
Descobrimentos. “Revelou que a época do modernismo está a despertar um interesse
enorme”, disse.
“Não há qualquer
ideia de criar uma empresa privada para gerir eixo Belém-Ajuda”
De acordo com
António Lamas, a exposição é já “um dos instrumentos de gestão desta zona”,
Belém-Ajuda, para a qual o presidente do CCB foi incumbido pelo Governo de
apresentar um projeto de gestão conjunta, como fez quando presidiu à Parques de
Sintra – Monte da Lua. Para promover a zona de Belém, foram também lançados,
esta terça-feira, um mapa infográfico de Belém, que estará disponível nos
equipamentos culturais da zona, e o site Visit Belém, onde é possível encontrar
informação detalhada sobre todos os espaços culturais inseridos na zona, bem
como sugestões de passeios, refeições e horários de transportes públicos.
A ideia de que o
projeto de gestão conjunta dos equipamentos culturais, monumentos, museus e
jardins será entregue a privados “não tem qualquer fundamento. Não há qualquer
intenção de que venha a ser uma empresa privada a gerir os equipamentos, nem
que os diretores sejam substituídos”, esclareceu.
Na última
quinta-feira, o Conselho de Ministros (a Secretaria de Estado da Cultura está
sob a presidência do Conselho) aprovou a criação de uma estrutura de missão
liderada por António Lamas responsável pela elaboração e concretização de um
Plano Estratégico Cultural da Área de Belém. O projeto deverá ser entregue em
julho. António Lamas disse, ainda, que desde que tomou posse tem vindo a manter
um diálogo com todas as entidades envolvidas para “desenvolver uma gestão
integrada e em rede”, tal como tinha pedido o secretário de Estado, Jorge
Barreto Xavier.
Sem comentários:
Enviar um comentário