No governo e nas ruas da Grécia,
há poucos compradores para o plano de Tsipras
MARIA JOÃO
GUIMARÃES 23/06/2015 - PÚBLICO
Extrema-esquerda, empresários e
reformados criticam propostas do Governo grego. O plano deverá ser levado este
fim-de-semana ao Parlamento.
Os gregos estão
tão habituados a reviravoltas nas posições políticas dos seus governantes que
têm uma palavra para isso: kolotoumba, um salto-cambalhota. Depois das
propostas apresentadas pelo Governo grego aos credores, o país debate quão
grande foi a kolotoumba, e se esta será aceitável para uma série de
actores-chave – a ala esquerda do Syriza, os empresários, os reformados. Todos
estes já criticaram a oferta feita pelo Governo grego aos credores.
Enquanto na
véspera, em Bruxelas, havia regozijo pelas "primeiras propostas
reais" gregas desde há semanas (presidente do Conselho Europeu, Donald
Tusk) ou pela "boa base de trabalho (chanceler alemã, Angela Merkel), em
Atenas começava um ribombar de críticas ao plano que assenta muito num aumento
de impostos (ainda que sobretudo para empresas e para os mais ricos), e que
dificilmente tem espaço para crescimento, como pretendia o Governo.
As primeiras
palavras críticas vieram de figuras da ala mais à esquerda do Syriza, o partido
do primeiro-ministro, Alexis Tsipras. O deputado Yannis Michelogiannakis
descreveu o plano como "uma sepultura" para o país. "Como se
pode fazer um acordo que aumente os suicídios e torne as pessoas mais
pobres?", comentou na televisão ainda na segunda-feira à noite.
Michelogiannakis
é um dos deputados independentes do Syriza – mas há ainda a conhecida
Plataforma de Esquerda, que junta cerca de 40 deputados entre os 149 do Syriza.
A votação poderá fazer-se já no fim-de-semana, mas está longe de ser claro se o
partido se dividirá, ou quão significativa poderá ser a rebelião. Analistas
diziam que será difícil ao Governo aprovar legislação sem perdas, mas que os
deputados mais à esquerda poderão ser convencidos com o facto de os impostos
crescerem mais para quem mais ganha, e especialmente se houver uma menção a um
alívio da dívida. O próprio Michelogiannakis admitiu mais tarde que poderia
mudar de opinião depois de haver alguma "clarificação" da proposta.
Também o parceiro
do Syriza na coligação de Governo, os Gregos Independentes (Anel) fez saber na
segunda-feira que não votaria a favor de um plano que incluísse o fim de uma
excepção para as ilhas que beneficiam de impostos mais baixos – como
aparentemente o plano apresentado faz, embora apenas para as ilhas maiores. O
partido tem 13 deputados.
A posição da Nova
Democracia, do antigo primeiro-ministro conservador Antonis Samaras (76
deputados), não é clara, mas os deputados poderão votar contra, já que a
proposta é muito penalizadora para os empresários, que são parte da sua base de
apoio. Não é claro o que farão os 13 deputados do Pasok (centro-esquerda). O
único partido que já prometeu que votaria favoravelmente qualquer acordo é O
Rio (To Potami), com 17 deputados.
O editor da
Reuters e colunista do jornal americano The New York Times Hugo Dixon vê dois
cenários, um com uma cisão no Syriza e outro sem cisão. Para Dixon, a
manutenção do partido é o pior cenário: com os credores a esperarem mais
concessões da Grécia para fechar o buraco de 700 milhões que ainda existe, será
mais difícil a Tsipras vender o acordo na Grécia, levando a dificuldades na
concretização das medidas e a mais austeridade, ao não alívio da dívida, e a um
novo confronto com os credores – desta vez, um compromisso ainda mais difícil e
uma ruptura mais provável.
Para Dixon, o
melhor cenário seria assim uma cisão do Syriza: Tsipras poderia ganhar eleições
antecipadas com a ala mais moderada, e "começar um possível ciclo de
melhoria de relações, alívio da dívida, e confiança".
Plano não permite
crescimento
Para além dos
políticos, o plano foi criticado por economistas fora da Grécia, e por
empresários e reformados no país.
Começando pelas
críticas de fora, Megan Green, economista-chefe da empresa de investimento
Manulife Asset Management, com sede em Boston, e uma das economistas atentas à
Grécia, reagiu no Twitter: "Estou surpreendida sobre o foco das
negociações gregas ser a austeridade e não as reformas estruturais. Não
aprendemos nada?" Outro economista que tem seguido a crise do euro, Shaun
Richards, dizia que este acordo não dá qualquer esperança à Grécia. "O
ciclo até agora envolve a Grécia a implementar austeridade, seguida de queda da
economia, seguida de mais austeridade, e repete." Ainda pior é um dos
focos da proposta grega ser o aumento de impostos – "uma das coisas que
fez a Grécia entrar em crise foi a sua inabilidade para colectar
impostos", disse, "pelo que uma solução baseada num aumento de
impostos é um erro básico".
O presidente da
Câmara do Comércio Greco-Americana, Simos Anastasopoulos, disse que as medidas
propostas por Tsipras "põem todo o peso na economia privada com novos
impostos e aumentos nas contribuições que quase certamente vão levar a mais
recessão e aumento do desemprego", disse, citado pelo diário britânico The
Guardian. Mas Anastasopoulos acrescentou que ter um acordo baseado nesta
proposta é melhor do que não ter qualquer acordo.
Já os reformados
foram os primeiros a sair à rua para protestar contra as medidas. Ainda que
Tsipras tenha mantido a promessa de não cortar nas reformas, há um aumento nas
contribuições dos pensionistas para a saúde e fundos suplementares.
Desde o início da
crise, em 2009, as pensões já sofreram cortes cinco vezes. O valor médio de uma
reforma é de 833 euros por mês, quando em 2009 era de 1350 euros, diz a
Reuters. Mas 45% dos reformados recebem pensões abaixo de 665 euros. Quando a
solidariedade familiar é o que tem mantido a sociedade grega, depois de a
economia ter sofrido uma diminuição de um quarto do PIB, e de o desemprego
estar em 25%, as pensões dos idosos são muitas vezes o único rendimento certo e
disponível para muitas famílias. São muito comuns as histórias de avós
partilharem a sua casa e a sua reforma com filhos e netos.
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