Tribunal
de Contas critica falta de transparência nas privatizações da EDP
e REN
ANA BRITO 29/06/2015
- PÚBLICO
Empresa
que gere participações empresariais do Estado mostrou falta de
transparência na contratação de assessores financeiros e não
soube acautelar conflitos de interesses nos processos de privatização
da EDP e da REN, conclui auditoria.
Naquele que é o
primeiro relatório de uma análise que está a fazer aos processos
de privatização efectuados desde 2011, algumas das principais
críticas do Tribunal de Contas (TdC) vão para a actuação da
Parpública. A holding que gere as participações empresariais do
Estado e que foi a entidade executora das privatizações da EDP
(conclusão da 7ª e 8ª fase) e da REN (2ª fase), que são
apreciadas nesta primeira auditoria, merece reparos pela falta de
transparência em aspectos relacionados com a escolha dos consultores
para os negócios.
Segundo o TdC, estes
processos de privatização (realizados entre 2011 e 2013) tiveram
encargos totais de consultadoria de aproximadamente 28 milhões de
euros, dos quais 411 mil euros referentes a assessoria jurídica e o
remanescente relativo a consultadoria financeira (que incluiu 50 mil
euros da avaliação das empresas e 27 milhões da assessoria da
venda).
Queixando-se da
dificuldade no acesso a alguma informação e documentos da
Parpública, o TdC sublinha negativamente a forma como a holding
(hoje presidida por Pedro Ferreira Pinto, mas à época de início
das privatizações era dirigida por Joaquim de Oliveira Reis, e,
depois, por Joaquim Pais Jorge) geriu situações de conflito de
interesses. Diz o TdC que “a Parpública não assegurou que os
consultores financeiros (seja para a avaliação prévia ou a
assessoria no decurso do processo de venda) ficassem impedidos de
assessorar posteriormente os potenciais investidores, no mesmo
processo, o que veio a acontecer com a contratação do BESI no
processo de (re)privatização da EDP e da REN”.
Não só o banco de
investimento do antigo BES prestou serviços ao Estado como
avaliador, como depois foi consultor financeiro dos compradores: a
China Tree Gorges, no caso da EDP, e a State Grid, compradora da REN.
“Constata-se, assim, que a Parpública não tomou as devidas
precauções para evitar os conflitos de interesse, o que não é
consentâneo (…) com a experiência da empresa”, aponta o TdC.
A auditoria refere
outra situação relacionada com os consultores financeiros em que a
“actuação da Parpública torna-se passível de censura pública”.
O TdC recorda que as avaliações económicas e financeiras da REN e
da EDP couberam ao Millennium BCP, Caixa Banco de Investimento
(CaixaBI) e BESI, entidades que já estavam pré-seleccionadas para o
efeito. Mas os restantes trabalhos de consultadoria financeira foram
efectuados conjuntamente pelo CaixaBI e pela Perella, que foi
subcontratada pelo banco de investimento da CGD “com o
consentimento tácito da Parpública, sem estar incluída na lista
dos pré-qualificados para a assessoria financeira aos processos de
privatização”.
O Tribunal sublinha
que a Parpública “não poderia, por acção ou por omissão,
consentir a subcontratação por um candidato pré-qualificado de
outra entidade que não figurava na lista”. Um subcontratado que
agiu “de forma interventiva e autónoma (…) com o assentimento da
Parpública”, reforça um sublinhado do TdC.
E embora, em sede de
contraditório, a holding pública tenha vindo “alegar que a
participação da Perella se resumia à mera figura de auxiliar”,
prevista na lei, o Tribunal lembra que a Perella dividiu
equitativamente com o CaixaBI os honorários pagos pela Parpública
para a assessoria financeira (27 milhões).
O TdC assinala ainda
uma “dualidade de critérios” no processo de selecção dos
assessores. É que para a escolha dos avaliadores e assessores
jurídicos foram várias as entidades convidadas a apresentar
propostas, mas para a assessoria financeira, “cujo valor foi
largamente superior ao dos dois primeiros” só foi convidada uma
entidade: o CaixaBI.
A instituição
presidida por Guilherme d’Oliveira Martins vai mais longe e diz que
a holding pública evidencia “falta de transparência” no que
toca à “contratação de consultores externos associados aos
processos de privatização”; acusa-a de incumprir as orientações
da Direcção Geral do Tesouro e Finanças (DGFT) em matéria de
contratação de consultadoria técnica e também contesta o
entendimento da Parpública de que não está sujeita ao código de
contratação pública (CCP) e de que não tem por isso de publicar
os respectivos contratos no portal BASE.
Estas vendas geraram
uma receita bruta de 3,2 mil milhões de euros, dos quais 2,7 mil
milhões foram entregues pela Parpública ao Estado para amortização
da dívida pública, refere o TdC. Apesar de considerar os modelos de
privatização e os encaixes “adequados” e de referir o impacto
positivo das operações nas avaliações regulares da troika, o
Tribunal destaca que, “numa perspectiva de racionalidade
financeira, o timing imposto” para a sua concretização
representou para o Estado “um custo de oportunidade” por terem
sido realizadas num “enquadramento económico muito negativo”, ao
que se soma “a perda de dividendos futuros, anualmente distribuídos
por estas empresas”.
Falhas estratégicas
O tribunal nota que
um dos objectivos da acção foi apreciar a “salvaguarda do
interesse público com respeito pela lei”. E a forma como se
acautelou este interesse também não foi exemplar, refere o TdC. É
que embora a lei-quadro das privatizações tenha passado a prever a
salvaguarda de activos estratégicos em sectores fundamentais para o
interesse nacional, o TdC recorda que a eficácia desta norma
implicava que o Governo definisse o regime extraordinário para
salvaguarda de activos estratégicos até ao dia 13 de Dezembro de
2011, o que só se verificou a 15 de Setembro de 2014, quase três
anos depois. Segundo o TdC, a justificação do Governo para o atraso
foi o envolvimento da Comissão Europeia na realização do diploma,
o que levou a várias alterações, mesmo com os processos em curso.
Assim, mesmo que o
decreto de privatização da EDP e da REN e o acordo de venda e de
parceria estratégica contivessem referências à salvaguarda do
interesse nacional, “não foi prevista qualquer cláusula de
penalização para o seu incumprimento, pelo que, nestes dois
processos, não foram tomadas medidas legislativas que acautelassem
os interesses estratégicos do Estado Português após a conclusão
do processo de privatização”, critica o TdC.
Da análise ao
trabalho da recolha de legislação em vigor em vários países sobre
a salvaguarda de activos que o Governo encomendou ao escritório de
advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva &
Associados (que recebeu honorários de 367 mil euros nestes
processos), e que serviu de base ao regime aprovado em 2015, o TdC
conclui ainda “que a postura do Estado Português revela-se menos
adequada, quando comparada com a de alguns dos países europeus que
protegem claramente os seus activos estratégicos”.
É que em vários
Estados europeus, em sectores como a energia, as águas e a defesa
nacional, a salvaguarda dos interesses nacionais faz-se através da
fixação de limites na aquisição dos activos por entidades
estrangeiras, do reforço do poder do Estado através das chamadas
golden shares ou da garantia da maioria do capital em mãos públicas.
Falhas de informação
O reporte de
informação no âmbito dos processos também foi claramente
insuficiente, concluiu o TdC: “O Governo nunca instituiu medidas
obrigatórias de reporte de informação por parte das entidades
executoras dos processos de privatização, com vista à prestação
de contas no âmbito desses processos, ficando por garantir a
accountability necessária para estas operações”, refere a
auditoria. O TdC relata ainda que sobre este assunto, a Parpública o
informou que faz o reporte das operações de privatização ao
Governo, mas não ao público em geral, quando, como destaca o
Tribunal, as boas práticas da OCDE recomendam que a divulgação
seja pública.
A falta de prestação
de contas estende-se também à DGTF, que no seu relatório anual
sobre o Sector Empresarial do Estado (SEE), não faz qualquer
referência a estes processos, de forma a que se apreciem os fluxos
de entradas e saídas de empresas do SEE, bem como os respectivos
impactos na redução da dívida pública com a receita proveniente
da venda destes activos. Os auditores do TdC lamentam ainda que não
tenha sido efectuada (até 30 de Novembro de 2013) qualquer
apreciação da forma como correram os processos que permitam tirar
ilações para futuras privatizações.
Também o grau de
envolvimento no processo da Comissão Especial de Acompanhamento
(CEA) das privatizações merece reparos ao TdC. A sua nomeação tem
ocorrido na fase final dos processos de venda, pelo que as
competências têm-se cingido a emitir opinião sobre as propostas
vinculativas, sem que haja acompanhamento do processo de privatização
desde o seu início, diz ainda a auditoria.
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