Sem
omissões nem histerias
SÃO JOSÉ ALMEIDA
20/06/2015 – PÚBLICO
A
quebra demográfica é uma realidade e por isso mesmo está na agenda
da campanha eleitoral.
O primeiro-ministro
até já tentou desvalorizar as responsabilidades próprias no
fenómeno, afirmando que se tratava de um mito urbano que alguma vez
tivesse admitido que a emigração era uma saída positiva. Mas a
realidade é incontornável: a população portuguesa está a
diminuir de forma acelerada e imprevista. Os dados do INE são
brutais: Portugal perdeu 198 mil pessoas entre 2010 e 2014, das quais
52.479 em 2014 (PÚBLICO 17/06/2015). No final do ano passado, viviam
em Portugal 10.374.822 pessoas.
As razões da
diminuição demográfica têm factores múltiplos. Destacam-se a
diminuição da natalidade, a diminuição da imigração e o aumento
da emigração. De acordo com os mesmos dados do INE, a quebra na
população em 2014 foi de 0,5%, fruto de dois saldos negativos: o
saldo natural, que se traduz em mais 22.423 mortes do que
nascimentos, e o saldo migratório, que aponta para mais 30.056
emigrantes do que imigrantes, e que é negativo pelo quarto ano
consecutivo.
Em declarações ao
PÚBLICO, a presidente da Associação Portuguesa da Demografia,
alertava para a “rapidez” do fenómeno: “São valores muito
significativos numa população de 10 milhões de pessoas. É
muitíssimo, num período tão curto e para uma população tão
pequena.” A mesma especialista salientava que “a crise económica
e financeira acelerou” a quebra demográfica precisamente pela
baixa da natalidade, “que desde 2010 foi muito acentuada”, mas
também pela “incapacidade de Portugal captar mais imigrantes” e
parar a saída de emigrantes. E confessava ao PÚBLICO: "Não
tínhamos projectado uma redução tão grande.”
De acordo com as
projecções feitas pelo INE em 2013, no ano de 2060 a redução da
população pode oscilar entre 6,3 milhões de pessoas — com a
estimativa de que para 100 jovens haverá 464 idosos — e uma
população de 8,6 milhões, no caso da natalidade e da imigração
recuperarem.
A quebra demográfica
é uma realidade e por isso mesmo está na agenda da campanha
eleitoral. O PSD tem, aliás, transformado este tema num dos pontos
centrais da sua propaganda. Insistindo na aposta de medidas para
incentivar a natalidade, tem apostado na vertente desta questão que
obedece a um movimento de mais longa duração. Ou seja, a aposta no
crescimento populacional só trará resultados anos depois.
É uma aposta
geracional. A quebra populacional por baixa natalidade cria erosão
na geração afectada, bem como acaba por repercutir-se de forma
geométrica na reposição geracional. Daí que, por mais méritos e
por mais positivo que possa ser a aposta no crescimento demográfico,
através de medidas que supostamente tendem a incentivar a
natalidade, o seu resultado nunca surgirá no curto prazo, logo não
é comprovável no tempo político de uma legislatura.
O PS também não
omite o assunto no seu programa eleitoral. Mas além da aposta de
longo prazo na natalidade, os socialistas elegem os dois outros
factores demográficos: a emigração e a imigração. Assim,
apresenta medidas de enquadramento legal e de apoio à entrada de
imigrantes no país, como componente necessária ao desenvolvimento
económico. Mas elegeu como bandeira principal, neste domínio, o
aumento da emigração em Portugal nos últimos quatro anos em função
da crise.
É verdade que a
emigração não é um facto novo. Historicamente, os portugueses são
um povo de emigrantes. E na história portuguesa há grandes picos de
emigração, dos Descobrimentos ao Brasil no século XIX e XX,
passando por todo o movimento de colonização do Brasil e a
construção do Império na Ásia e em África. Sem esquecer a
emigração para a Europa no século XX. O peso da emigração em
Portugal é tal que existiam 2,3 milhões de portugueses fora do
território nacional. E de acordo com os dados do Observatório da
Emigração, em 2013, emigraram 110 mil portugueses e 95 mil em 2012
(PÚBLICO 13/11/2014).
Apesar do histórico
de Portugal em relação à emigração como válvula de escape de um
país que não encontra espaço e saídas de vida para a sua
população, é certo que garantir que os seus habitantes têm lugar
para construir um projecto de vida é um objectivo que faz sentido e
que deve ser discutido sem omissões nem histerias. Mas é importante
também que não se estigmatize a emigração. Até porque é um
facto indesmentível que os portugueses que se têm espalhado pela
Europa são uma forma actual e possível de inserção de Portugal na
Europa e no mundo e contribuem para um intercâmbio que, como noutros
momentos do passado, pode ajudar a modernizar o país.
Jornalista
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