Uma
máquina de triturar governos
OPINIÃO / DIRECÇÃO
EDITORIAL / PÚBLICO 25/06/2015 -
Volta-se a falar num
governo de unidade nacional. E volta a não haver acordo com os
credores
A Europa continua a
dar um espectáculo lamentável ao resto do mundo. Às segundas,
quartas e sextas são amigos e estão quase a firmar um acordo. Às
terças, quintas e sábados já estão de costas voltadas e tudo
regressa à estaca zero. Ao domingo já ninguém entende o que os une
ou o que os separa. Tem sido assim o dia-a-dia das negociações
entre o governo de Alexis Tsipras e os restantes países que fazem
parte do euro. Numa cimeira que deveria ser histórica por estar a
discutir os passos para uma maior integração da União Europeia,
anda tudo com o credo na boca a ver se a Grécia não sai do clube, o
que seria recuar várias décadas no tal processo de integração.
Há culpas dos dois
lados, mas já se percebeu que, para a troika, a queda do governo de
Tsipras é a menor das preocupações. Mostrar aos jornalistas o
documento apresentado pelo governo grego todo rasurado e pintado de
vermelho pelos técnicos dos credores só serve para tentar humilhar
um partido que está no poder e que lá está porque foi eleito
democraticamente. Mas a troika, já se percebeu, por onde passa, tem
funcionado como um triturador de governos. No caso grego, já se
experimentou de tudo. O Pasok que era governo nos primórdios da
crise foi varrido do mapa e agora só tem 13 deputados num Parlamento
com 300. Na Nova Democracia, que se seguiu no poder, a razia não foi
tão grande, mas não evitou ser derrotada pela esquerda radical do
Syriza.
Pelo meio ainda se
ensaiou um governo tecnocrata liderado por Lucas Papademos, mas que
resistiu pouco por não ter sido eleito. E agora é a vez de se
voltar a falar num governo de unidade nacional, que poderia ser
chefiado pelo governador do Banco da Grécia ou pelo antigo
primeiro-ministro conservador Costas Caramanlis. Será que com tantas
trocas e tantos governos, da esquerda à direita, a culpa também não
será de quem se senta do lado de lá na mesa das negociações?
Mesmo
que haja acordo, poderá o Governo grego sobreviver?
MARIA JOÃO
GUIMARÃES 25/06/2015 - PÚBLICO
Oposição
propõe já executivo de unidade nacional caso haja uma cisão na
coligação ou no próprio Syriza. Gregos questionam se recusa das
medidas é tentativa de derrubar o actual Governo.
Em Atenas, vozes
levantam-se a favor e contra de um acordo que ninguém sabe bem o que
poderá ser, enquanto em Bruxelas reuniões infindas se sucedem sem
resultados.
Nas últimas
semanas, muitos gregos desesperavam com a actuação do seu Governo,
visto como caótico, amador, a desperdiçar aliados e capital de boa
vontade. Quando no início desta semana Alexis Tsipras apresentou um
documento com várias concessões, estes gregos suspiraram de alívio
– afinal, o executivo quer mesmo um acordo. Mas as propostas foram
consideradas boas na segunda-feira e más na quarta. No Twitter, o
primeiro-ministro, Alexis Tsipras, acusou os credores de não
quererem um acordo ou de haver outros interesses em jogo.
Não é só Tsipras
ou os defensores do Syriza que têm esta desconfiança: o
independente e moderado Nick Malkoutzis, sempre uma voz sóbria na
análise da crise da zona euro na edição internacional do jornal
conservador Kathimerini e no site de análise Macropolis, fala da
cada vez mais tensa atmosfera política na Grécia, de tal modo que
“até comentadores que têm sido críticos do Governo liderado pelo
Syriza começaram a questionar em voz alta se as propostas
apresentadas a Tsipras são uma tentativa de derrubar o seu Governo”.
As propostas gregas
com correcções sugeridas pelos credores – uma mancha de vermelho
a dar a dimensão física das sugestões de alteração – chegaram
às mãos de jornalistas e isso só contribuiu para esta ideia de
inflexibilidade das instituições. O argumento de que o FMI não
aceitava algumas das medidas por estas poderem causar recessão foram
vistas como a máxima das ironias num país que já viu o PIB
encolher um quarto do seu valor nos últimos cinco anos sob os
programas da troika.
Mas Alexis Tsipras
continuava em Bruxelas a negociar. Sabe que quanto mais demora, mais
diminuirá o volume das críticas que enfrentará por não conseguir
manter as suas linhas vermelhas, mas não era certo se haveria um
acordo. Caso haja, segue-se outra dificuldade, seja o acordo melhor
ou pior: aprovar as medidas no Parlamento grego. E a aprovação é
necessária para que depois outros parlamentos, como o alemão, votem
também, e para que as verbas que falta receber sejam finalmente
desbloqueadas.
Em Atenas, a pressão
do seu próprio partido começou mal as propostas foram anunciadas na
segunda-feira, com vários dos deputados do Syriza a alertarem para
os efeitos de um partido eleito numa plataforma anti-austeridade
aceitar medidas de austeridade (mesmo que sobrecarreguem mais as
empresas do que os trabalhadores). Esta pressão só aumentou: o
deputado Costas Lapavitsas, uma das principais vozes anti-acordo,
escreveu um artigo de opinião no diário britânico The Guardian
esta quinta-feira dizendo que as medidas propostas só pretendem
humilhar o executivo e que são uma chantagem inadmissível.
A questão é
quantos dos deputados do Syriza quererão ter o ónus de deitar
abaixo o Governo, ainda que 10 a 40 deputados num grupo parlamentar
de 143 (num parlamento de 300) sejam de uma facção mais à esquerda
que defende a saída do euro. O Syriza como partido tem sido
anti-austeridade e pró-euro, e apesar de ter cedido já noutras
linhas vermelhas (privatizações, por exemplo) terá agora de se
definir, ou de se partir.
Falta também saber
o que farão os parceiros de coligação de Tsipras no Governo, os
Gregos Independentes (ANEL). Doze dos seus 13 deputados acabaram de
ter a primeira dissidência numa votação parlamentar, na lei
proposta pelo Governo que reconhece a cidadania grega de filhos de
estrangeiros nascidos na Grécia. Já se esperava esta diferença de
votação, já que a medida era uma bandeira do Syriza e anátema
para os populistas nacionalistas.
Quanto aos outros
partidos pró-europeus, o líder do partido O Rio (To Potami), que
apesar dos seus meros 17 deputados (tantos como o do neonazi Aurora
Dourada) é visto como a maior esperança dos defensores de um
acordo, disse que votaria a favor de um acordo por “dever
patriótico” e que os outros partidos pró-europeus – a Nova
Democracia (conservador, 76 deputados) e o Pasok (centro-esquerda, 13
deputados) – fariam o mesmo. Comunistas (15 deputados) e Aurora
Dourada (17) votaram certamente contra.
O antigo
primeiro-ministro conservador, Antonis Samaras, sugeriu que fosse
formado um governo de unidade nacional caso a coligação dependesse
dos votos da oposição para aprovar um acordo no Parlamento – um
executivo que não seria chefiado nem por si próprio nem por Alexis
Tsipras. Especulação nos media gregos crescia sobre se a figura
indicada seria o governador do Banco da Grécia, Yannis Stournaras,
que já foi ministro das Finanças (diz o diário francês Le Monde,
apoiado nas sem dúvida políticas acções de Stournaras), ou o
antigo primeiro-ministro conservador Costas Caramanlis (diz o jornal
grego Efimerida Ton Sindakton).
Outra hipótese
seria um referendo ou eleições antecipadas. Um telefonema de
Tsipras ao Presidente grego sobre as negociações fez levantar estas
possibilidades, ainda que qualquer destas medidas seja impossível de
concretizar antes do final do actual acordo e do limite para o
pagamento de uma prestação ao FMI, ambos na próxima terça-feira,
dia 30 de Junho.
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