sexta-feira, 26 de junho de 2015

Uma máquina de triturar governos OPINIÃO / DIRECÇÃO EDITORIAL / PÚBLICO


Uma máquina de triturar governos
OPINIÃO / DIRECÇÃO EDITORIAL / PÚBLICO 25/06/2015 -

Volta-se a falar num governo de unidade nacional. E volta a não haver acordo com os credores
A Europa continua a dar um espectáculo lamentável ao resto do mundo. Às segundas, quartas e sextas são amigos e estão quase a firmar um acordo. Às terças, quintas e sábados já estão de costas voltadas e tudo regressa à estaca zero. Ao domingo já ninguém entende o que os une ou o que os separa. Tem sido assim o dia-a-dia das negociações entre o governo de Alexis Tsipras e os restantes países que fazem parte do euro. Numa cimeira que deveria ser histórica por estar a discutir os passos para uma maior integração da União Europeia, anda tudo com o credo na boca a ver se a Grécia não sai do clube, o que seria recuar várias décadas no tal processo de integração.

Há culpas dos dois lados, mas já se percebeu que, para a troika, a queda do governo de Tsipras é a menor das preocupações. Mostrar aos jornalistas o documento apresentado pelo governo grego todo rasurado e pintado de vermelho pelos técnicos dos credores só serve para tentar humilhar um partido que está no poder e que lá está porque foi eleito democraticamente. Mas a troika, já se percebeu, por onde passa, tem funcionado como um triturador de governos. No caso grego, já se experimentou de tudo. O Pasok que era governo nos primórdios da crise foi varrido do mapa e agora só tem 13 deputados num Parlamento com 300. Na Nova Democracia, que se seguiu no poder, a razia não foi tão grande, mas não evitou ser derrotada pela esquerda radical do Syriza.

Pelo meio ainda se ensaiou um governo tecnocrata liderado por Lucas Papademos, mas que resistiu pouco por não ter sido eleito. E agora é a vez de se voltar a falar num governo de unidade nacional, que poderia ser chefiado pelo governador do Banco da Grécia ou pelo antigo primeiro-ministro conservador Costas Caramanlis. Será que com tantas trocas e tantos governos, da esquerda à direita, a culpa também não será de quem se senta do lado de lá na mesa das negociações?

Mesmo que haja acordo, poderá o Governo grego sobreviver?
MARIA JOÃO GUIMARÃES 25/06/2015 - PÚBLICO
Oposição propõe já executivo de unidade nacional caso haja uma cisão na coligação ou no próprio Syriza. Gregos questionam se recusa das medidas é tentativa de derrubar o actual Governo.

Em Atenas, vozes levantam-se a favor e contra de um acordo que ninguém sabe bem o que poderá ser, enquanto em Bruxelas reuniões infindas se sucedem sem resultados.

Nas últimas semanas, muitos gregos desesperavam com a actuação do seu Governo, visto como caótico, amador, a desperdiçar aliados e capital de boa vontade. Quando no início desta semana Alexis Tsipras apresentou um documento com várias concessões, estes gregos suspiraram de alívio – afinal, o executivo quer mesmo um acordo. Mas as propostas foram consideradas boas na segunda-feira e más na quarta. No Twitter, o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, acusou os credores de não quererem um acordo ou de haver outros interesses em jogo.

Não é só Tsipras ou os defensores do Syriza que têm esta desconfiança: o independente e moderado Nick Malkoutzis, sempre uma voz sóbria na análise da crise da zona euro na edição internacional do jornal conservador Kathimerini e no site de análise Macropolis, fala da cada vez mais tensa atmosfera política na Grécia, de tal modo que “até comentadores que têm sido críticos do Governo liderado pelo Syriza começaram a questionar em voz alta se as propostas apresentadas a Tsipras são uma tentativa de derrubar o seu Governo”.

As propostas gregas com correcções sugeridas pelos credores – uma mancha de vermelho a dar a dimensão física das sugestões de alteração – chegaram às mãos de jornalistas e isso só contribuiu para esta ideia de inflexibilidade das instituições. O argumento de que o FMI não aceitava algumas das medidas por estas poderem causar recessão foram vistas como a máxima das ironias num país que já viu o PIB encolher um quarto do seu valor nos últimos cinco anos sob os programas da troika.

Mas Alexis Tsipras continuava em Bruxelas a negociar. Sabe que quanto mais demora, mais diminuirá o volume das críticas que enfrentará por não conseguir manter as suas linhas vermelhas, mas não era certo se haveria um acordo. Caso haja, segue-se outra dificuldade, seja o acordo melhor ou pior: aprovar as medidas no Parlamento grego. E a aprovação é necessária para que depois outros parlamentos, como o alemão, votem também, e para que as verbas que falta receber sejam finalmente desbloqueadas.

Em Atenas, a pressão do seu próprio partido começou mal as propostas foram anunciadas na segunda-feira, com vários dos deputados do Syriza a alertarem para os efeitos de um partido eleito numa plataforma anti-austeridade aceitar medidas de austeridade (mesmo que sobrecarreguem mais as empresas do que os trabalhadores). Esta pressão só aumentou: o deputado Costas Lapavitsas, uma das principais vozes anti-acordo, escreveu um artigo de opinião no diário britânico The Guardian esta quinta-feira dizendo que as medidas propostas só pretendem humilhar o executivo e que são uma chantagem inadmissível.

A questão é quantos dos deputados do Syriza quererão ter o ónus de deitar abaixo o Governo, ainda que 10 a 40 deputados num grupo parlamentar de 143 (num parlamento de 300) sejam de uma facção mais à esquerda que defende a saída do euro. O Syriza como partido tem sido anti-austeridade e pró-euro, e apesar de ter cedido já noutras linhas vermelhas (privatizações, por exemplo) terá agora de se definir, ou de se partir.

Falta também saber o que farão os parceiros de coligação de Tsipras no Governo, os Gregos Independentes (ANEL). Doze dos seus 13 deputados acabaram de ter a primeira dissidência numa votação parlamentar, na lei proposta pelo Governo que reconhece a cidadania grega de filhos de estrangeiros nascidos na Grécia. Já se esperava esta diferença de votação, já que a medida era uma bandeira do Syriza e anátema para os populistas nacionalistas.

Quanto aos outros partidos pró-europeus, o líder do partido O Rio (To Potami), que apesar dos seus meros 17 deputados (tantos como o do neonazi Aurora Dourada) é visto como a maior esperança dos defensores de um acordo, disse que votaria a favor de um acordo por “dever patriótico” e que os outros partidos pró-europeus – a Nova Democracia (conservador, 76 deputados) e o Pasok (centro-esquerda, 13 deputados) – fariam o mesmo. Comunistas (15 deputados) e Aurora Dourada (17) votaram certamente contra.

O antigo primeiro-ministro conservador, Antonis Samaras, sugeriu que fosse formado um governo de unidade nacional caso a coligação dependesse dos votos da oposição para aprovar um acordo no Parlamento – um executivo que não seria chefiado nem por si próprio nem por Alexis Tsipras. Especulação nos media gregos crescia sobre se a figura indicada seria o governador do Banco da Grécia, Yannis Stournaras, que já foi ministro das Finanças (diz o diário francês Le Monde, apoiado nas sem dúvida políticas acções de Stournaras), ou o antigo primeiro-ministro conservador Costas Caramanlis (diz o jornal grego Efimerida Ton Sindakton).


Outra hipótese seria um referendo ou eleições antecipadas. Um telefonema de Tsipras ao Presidente grego sobre as negociações fez levantar estas possibilidades, ainda que qualquer destas medidas seja impossível de concretizar antes do final do actual acordo e do limite para o pagamento de uma prestação ao FMI, ambos na próxima terça-feira, dia 30 de Junho.  

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