domingo, 21 de junho de 2015

Também tem medo dos arrumadores? Lucy Pepper / OBSERVADOR


Também tem medo dos arrumadores?
Lucy Pepper
21/6/2015, OBSERVADOR

Para qualquer pessoa, a não ser que seja um gigante musculado ou um óbvio mafioso, um arrumador tem qualquer coisa de ameaçador. É pior se for de noite. E é pior ainda quando somos uma mulher.


É bastante fácil identificar um lugar para estacionar: é o espaço entre outros carros. Sou crescida e consigo estacionar o meu carro sem ajuda. Já o faço há quase trinta anos.

Nas cidades portuguesas, porém, há sempre um arrumador que me quer indicar o óbvio, acenando para onde estão os espaços entre os carros e mostrando-me como fazer para estacionar.

As vezes, encontro um lugar por mim própria, porque ele está distraído a chatear outros condutores, e estaciono o carro antes de ele chegar. Mas eis que ele repara, e logo corre para mim, para me ajudar no último centímetro. Depois, fica à espera da moeda. Às vezes, a uma distância respeitosa. Às vezes, não. Quer me tenha ou não ajudado.

Os arrumadores irritam-me solenemente. Não suporto pessoas dar-me instruções, mas mais do que isso, é o facto de se permitirem cobrar pelo que fazem. Há umas semanas, escrevi sobre a minha ambivalência quanto a pedintes. Sobre arrumadores, porém, não sou ambivalente nem tenho dúvidas. Os arrumadores pedem dinheiro com uma atitude ameaçadora, e isso é detestável.

Nunca um arrumador me disse abertamente “dê-me uma moeda, ou alguma coisa pode acontecer ao seu carro”, mas não precisam de dizer. Eles separam-me facilmente da minha tranquilidade mental.

Os arrumadores ao pé da minha casa agem como se a rua fosse o seu feudo pessoal, com uma hierarquia só deles. Mantêm um ar de importância a que falta só uma farda oficial, e correm assim rua acima e rua abaixo, como se tivessem muitas responsabilidades.

Frequentemente, há um polícia ao pé, a vigiar o trânsito. Nunca faz nada para dissuadir os arrumadores. Perguntei a um destes polícias porquê.

“Não estão a fazer nada de ilegal. Estão só a pedir, oficialmente. Não podemos fazer nada, mas sim, eles irritam toda a gente e a nós também”.

Ah, bom.

Para qualquer pessoa, a não ser que seja um tipo gigante e musculado, ou um óbvio mafioso, um arrumador tem qualquer coisa de ameaçador. É pior se for de noite. E é pior ainda quando somos uma mulher e estamos sozinhos. E se nos acontece estar numa rua escusa, onde não há mais ninguém? Será seguro recusar-lhe uma moeda, depois da não-ajuda que deu?

Por vezes, quando me sinto mais teimosa e tenho tempo, finjo que estou ocupada num telefonema, até o arrumador se aborrecer de esperar, ou finjo que tenho de tomar uma nota urgente. A táctica mais divertida é pôr um ”ar esquisito”. Não é preciso ter um “ar muito esquisito” para confundir a maior parte dos arrumadores.

Normalmente, porém, não tenho o tempo para isso. Tenho de aguentar a confrontação com um “não” zangado ou dar-lhe uns cêntimos, apenas para não ter de pensar no assunto, enquanto, cá por dentro, estou a gritar “vá-se lixar! como atreve!?”

Se de um dia para outro, todas, mas todas as pessoas no país deixassem de dar um tostão aos arrumadores, talvez eles desaparecessem ao fim de uma semana. Mas, infelizmente, isso não acontecerá. Portugal vive de pequenos medos sobre um bicho-papão que é o criminoso, e o arrumador é um bicho-papão que nos pode atacar (queira ou não).


Pessoalmente, vou pedir a um tipo gigante e musculado para andar comigo no carro cada vês que preciso de estacionar na rua. Soluções práticas.

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