Há 105 ex-alunos da Lusófona que
perderam, por agora, os seus graus académicos
CLARA VIANA
24/06/2015 - PÚBLICO
Houve irregularidades na
atribuição de créditos por parte da universidade em que o ex-ministro Miguel
Relvas obteve a licenciatura. Engenharia do Ambiente e Estudos da Segurança são
os cursos mais afectados.
Por imposição do
Ministério da Educação e Ciência, há 149 ex-alunos da Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias (UHLT) cujos processos académicos deixaram de ter
existência legal, o que inclui para 105 deles perderem para já o grau de
licenciado ou de mestre.
Esta é a principal consequência da acção
iniciada em 2012 pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), na
sequência do chamado “caso Relvas”, comprovou o PÚBLICO após ter consultado o
extenso processo que resultou desta averiguação.
Na segunda-feira
passada, dando cumprimento a uma determinação da Comissão de Acesso aos
Documentos Administrativos, o MEC permitiu a consulta do processo pelos órgãos
de comunicação social. Mas desenganem-se os que contavam com o envolvimento de
nomes tão sonantes como o do ex-ministro: entre os antigos alunos a quem a ULHT
declarou a nulidade dos processos de creditação de competências só há mais um
nome conhecido do grande público – o do fadista Nuno da Câmara Pereira.
Da consulta ao
processo ressalta também o facto de as irregularidades detectadas pela IGEC
abrangerem um maior número de alunos do que aquele que foi divulgado
inicialmente pelo ministério. Para além dos processos declarados nulos houve
outros 79 que, segundo a inspecção, evidenciavam “situações de irregularidades
que os fazem enquadrar na figura dos actos anuláveis”, mas quantos aos quais já
não era possível fazer nada, porque esta possibilidade tinha entretanto
prescrito.
No caso da
Lusófona, a IGEC considerou que neste último regime, menos gravoso que o da
nulidade, figuravam essencialmente processos em que não foi respeitado o
estipulado nos regulamentos internos quanto às competências dos órgãos da
universidade em matéria de creditação de competências.
Ao contrário do
anterior, o regime de nulidade pode ser evocado sem limite temporal. A IGEC
entendeu que este se aplicava aos processos em que foram atribuídos créditos
aos alunos relativos a disciplinas que não existiam na Lusófona ou que não
estavam identificadas e também aos que não tinham documentos que comprovassem
as competências descriminadas nos seus Curriculum Vitae. O Conselho Consultivo
da Procuradoria-Geral da República subscreveu estes critérios.
Os cursos em que
houve mais processos declarados nulos foram os de Engenharia do Ambiente e
Estudos de Segurança, 61 no total.
A atribuição de
créditos permite aos alunos obter equivalências a certas disciplinas. A partir
de 2006, com a implementação da reforma de Bolonha, a experiência profissional
anterior dos alunos também pode ser creditada para o mesmo efeito. Na sequência
do que foi divulgado em 2012 sobre o modo como Miguel Relvas obteve a sua
licenciatura (por via da creditação fez apenas quatro cadeiras de um curso que
tinha 36), a IGEC centrou a sua acção nos processos com créditos atribuídos por
via da experiência profissional.
No conjunto foram
analisados 425 processos de alunos que frequentaram a ULHT entre 2006 e 2013,
por serem os que a universidade, e também a IGEC, identificaram à partida como
podendo estar nesta situação. O que se confirmou em 379. A este respeito, a
inspecção alerta, contudo, que “não garante” que neste lote “estejam incluídos
todos os processos que foram objecto desta creditação desde 2006 até à
actualidade”. Porquê? Porque constatou que a universidade muitas vezes não
descrimina no seu sistema informático que tipo de creditação (profissional ou
académica) atribuiu aos alunos.
Resta também
saber se foram atribuídas créditos por competências que os alunos de facto não
tinham. Segundo o ministério, tal “só poderá ser avaliado no âmbito de novos
procedimentos de creditação”. Já a Lusófona rejeita liminarmente esta
possibilidade: “Em nenhum caso foi a posse das competências pelos alunos
questionada pela IGEC. A nulidade foi declarada em função da falha de natureza
administrativa. É isso que está em questão e nunca o facto de a universidade
ter atribuído a um aluno competências que não tinha”.
Dos processos
analisados pela IGEC, 54,3% (231 no total) continham irregularidades, que em
152 determinavam a sua nulidade, concluiu a inspecção, num relatório datado de
Setembro de 2014. Poucos meses depois, em Dezembro, o MEC, através de um
despacho do secretário de Estado do Ensino Superior, deu instruções à Lusófona
para declarar a sua nulidade e para proceder “à cassação de diplomas e
certificados” que tivessem sido emitidos a estes ex-alunos. Se o não fizesse, o
ministério enviaria todos estes processos para o Ministério Público e a
universidade poderia perder o reconhecimento de utilidade pública e ter assim
de fechar as portas.
A universidade
cumpriu o ultimato, declarando a nulidade de 149 processos. Dos outros três
identificados, um diz respeito ao de Miguel Relvas que foi remetido pelo MEC
para o Ministério Público, competindo assim a decisão sobre a sua nulidade à
justiça (ver caixa). E os outros dois respeitam a alunos cuja creditação já
tinha sido anulada pela Lusófona antes da análise efectuada pela IGEC, mas que
lhe foram remetidos por a direcção da universidade desconhecer esta situação.
Diplomas
devolvidos
Em resposta a
questões do PÚBLICO, a ULHT conclui que “toda a fase do processo relativa ao
cumprimento do despacho do secretário do Estado do Ensino Superior respeitante
à questão da nulidade está cumprida”. O MEC confirma, embora frise que falta
ainda terminar a recolha dos diplomas emitidos.
No início de
Junho, a Lusófona informou o ministério que já tinha recolhido 26 diplomas.
Especificou também que tinha emitido diplomas para 105 dos 149 alunos em causa.
Ao PÚBLICO esclareceu que “os restantes não tinham certificados finais, porque
não eram diplomados”. Dos que obtiveram diplomas, 101 foram notificados pela
ULHT para os devolverem.
O que vai
acontecer agora a estes alunos? A Lusófona indicou que 102 responderam pela
positiva à possibilidade de regularizarem a sua situação académica, sendo que
para cinco destes já foi efectuada a “regularização da creditação atribuída”.
Segundo a IGEC,
“esta regularização pressupõe o reingresso dos alunos nos ciclos de estudos em
causa”. O PÚBLICO tentou apurar se na maioria dos casos este processo passará
pelo regresso às aulas ou apenas pela instrução de novos processos de
creditação. A Lusófona limitou-se a responder que “todos os alunos que
solicitaram a sua reinscrição verão os seus processos novamente analisados e
instruídos”.
Do MEC chegou,
entretanto, o compromisso de que a “IGEC continuará a intervir junto da ULHT,
até porque, só no próximo ano lectivo, vai ser possível observar a frequência
de novas unidades curriculares”.
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