terça-feira, 23 de junho de 2015

Há 105 ex-alunos da Lusófona que perderam, por agora, os seus graus académicos / EDITORIAL / PÚBLICO Lusófona, o feitiço e os feiticeiros

EDITORIAL / PÚBLICO
Lusófona, o feitiço e os feiticeiros
DIRECÇÃO EDITORIAL 24/06/2015 - 00:02

No caso das irregularidades da Lusófona, há um responsável central: a própria universidade.

O caso é antigo, remonta a 2009, e foi nessa altura que uma inspecção à Universidade Lusófona apontou falhas no sistema de creditação de competências, profissionais e académicas. Fizeram-se recomendações. Mas foi em 2012, quando se soube que Miguel Relvas, o então ministro-adjunto de Passos Coelho, conseguira licenciar-se na Lusófona com apenas quatro cadeiras, em 2007, que rebentou o escândalo. Toda a gente queria saber como era possível tal coisa e, reagindo à indignação geral, o ministro da Educação ordenou uma inspecção à universidade, dando-lhe 60 dias para reanalisar os processos de creditação de competências e tirar daí as devidas consequências. Pois bem: se o caso Relvas transitou para tribunal, onde ainda está, no geral foram detectados 149 casos de ex-alunos cujos processos académicos deixaram de ter existência legal. É isso que se constata da leitura (só agora permitida à imprensa) do extenso processo resultante da averiguação. A tentação, errada, será a de olhar para a lista e ver centena e meia de prevaricadores, apontando a dedo ou fazendo alvo de chacota os que a integram. Isso, além de potencialmente injusto para muitos (embora não para os que, conscientemente, terão abusado de um sistema de créditos de “mãos largas”), pode desviar as atenções do principal responsável pelas irregularidades detectadas: a própria universidade. Os alunos não foram retirar créditos das gavetas dos gabinetes, estes foram-lhes concedidos em situações que a Lusófona deve ter admitido como “naturais”, senão teria ela mesma detectado o que só depois de muita pressão se detectou. Terão sido atribuídos créditos por competências inexistentes? A Lusófona nega, mas não há certeza total. A bem da Lusófona e de quem lá se diplomou, era importante que tudo ficasse mesmo a claro. Feitiço e feiticeiros nasceram lá. Só que o ensino é outra coisa.

Há 105 ex-alunos da Lusófona que perderam, por agora, os seus graus académicos
CLARA VIANA 24/06/2015 - PÚBLICO

Houve irregularidades na atribuição de créditos por parte da universidade em que o ex-ministro Miguel Relvas obteve a licenciatura. Engenharia do Ambiente e Estudos da Segurança são os cursos mais afectados.

Por imposição do Ministério da Educação e Ciência, há 149 ex-alunos da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (UHLT) cujos processos académicos deixaram de ter existência legal, o que inclui para 105 deles perderem para já o grau de licenciado ou de mestre.

 Esta é a principal consequência da acção iniciada em 2012 pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), na sequência do chamado “caso Relvas”, comprovou o PÚBLICO após ter consultado o extenso processo que resultou desta averiguação.

Na segunda-feira passada, dando cumprimento a uma determinação da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o MEC permitiu a consulta do processo pelos órgãos de comunicação social. Mas desenganem-se os que contavam com o envolvimento de nomes tão sonantes como o do ex-ministro: entre os antigos alunos a quem a ULHT declarou a nulidade dos processos de creditação de competências só há mais um nome conhecido do grande público – o do fadista Nuno da Câmara Pereira.

Da consulta ao processo ressalta também o facto de as irregularidades detectadas pela IGEC abrangerem um maior número de alunos do que aquele que foi divulgado inicialmente pelo ministério. Para além dos processos declarados nulos houve outros 79 que, segundo a inspecção, evidenciavam “situações de irregularidades que os fazem enquadrar na figura dos actos anuláveis”, mas quantos aos quais já não era possível fazer nada, porque esta possibilidade tinha entretanto prescrito. 

No caso da Lusófona, a IGEC considerou que neste último regime, menos gravoso que o da nulidade, figuravam essencialmente processos em que não foi respeitado o estipulado nos regulamentos internos quanto às competências dos órgãos da universidade em matéria de creditação de competências.

Ao contrário do anterior, o regime de nulidade pode ser evocado sem limite temporal. A IGEC entendeu que este se aplicava aos processos em que foram atribuídos créditos aos alunos relativos a disciplinas que não existiam na Lusófona ou que não estavam identificadas e também aos que não tinham documentos que comprovassem as competências descriminadas nos seus Curriculum Vitae. O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República subscreveu estes critérios.

Os cursos em que houve mais processos declarados nulos foram os de Engenharia do Ambiente e Estudos de Segurança, 61 no total.

A atribuição de créditos permite aos alunos obter equivalências a certas disciplinas. A partir de 2006, com a implementação da reforma de Bolonha, a experiência profissional anterior dos alunos também pode ser creditada para o mesmo efeito. Na sequência do que foi divulgado em 2012 sobre o modo como Miguel Relvas obteve a sua licenciatura (por via da creditação fez apenas quatro cadeiras de um curso que tinha 36), a IGEC centrou a sua acção nos processos com créditos atribuídos por via da experiência profissional.

No conjunto foram analisados 425 processos de alunos que frequentaram a ULHT entre 2006 e 2013, por serem os que a universidade, e também a IGEC, identificaram à partida como podendo estar nesta situação. O que se confirmou em 379. A este respeito, a inspecção alerta, contudo, que “não garante” que neste lote “estejam incluídos todos os processos que foram objecto desta creditação desde 2006 até à actualidade”. Porquê? Porque constatou que a universidade muitas vezes não descrimina no seu sistema informático que tipo de creditação (profissional ou académica) atribuiu aos alunos.

Resta também saber se foram atribuídas créditos por competências que os alunos de facto não tinham. Segundo o ministério, tal “só poderá ser avaliado no âmbito de novos procedimentos de creditação”. Já a Lusófona rejeita liminarmente esta possibilidade: “Em nenhum caso foi a posse das competências pelos alunos questionada pela IGEC. A nulidade foi declarada em função da falha de natureza administrativa. É isso que está em questão e nunca o facto de a universidade ter atribuído a um aluno competências que não tinha”.

Dos processos analisados pela IGEC, 54,3% (231 no total) continham irregularidades, que em 152 determinavam a sua nulidade, concluiu a inspecção, num relatório datado de Setembro de 2014. Poucos meses depois, em Dezembro, o MEC, através de um despacho do secretário de Estado do Ensino Superior, deu instruções à Lusófona para declarar a sua nulidade e para proceder “à cassação de diplomas e certificados” que tivessem sido emitidos a estes ex-alunos. Se o não fizesse, o ministério enviaria todos estes processos para o Ministério Público e a universidade poderia perder o reconhecimento de utilidade pública e ter assim de fechar as portas.

A universidade cumpriu o ultimato, declarando a nulidade de 149 processos. Dos outros três identificados, um diz respeito ao de Miguel Relvas que foi remetido pelo MEC para o Ministério Público, competindo assim a decisão sobre a sua nulidade à justiça (ver caixa). E os outros dois respeitam a alunos cuja creditação já tinha sido anulada pela Lusófona antes da análise efectuada pela IGEC, mas que lhe foram remetidos por a direcção da universidade desconhecer esta situação.

Diplomas devolvidos
Em resposta a questões do PÚBLICO, a ULHT conclui que “toda a fase do processo relativa ao cumprimento do despacho do secretário do Estado do Ensino Superior respeitante à questão da nulidade está cumprida”. O MEC confirma, embora frise que falta ainda terminar a recolha dos diplomas emitidos.

No início de Junho, a Lusófona informou o ministério que já tinha recolhido 26 diplomas. Especificou também que tinha emitido diplomas para 105 dos 149 alunos em causa. Ao PÚBLICO esclareceu que “os restantes não tinham certificados finais, porque não eram diplomados”. Dos que obtiveram diplomas, 101 foram notificados pela ULHT para os devolverem.

O que vai acontecer agora a estes alunos? A Lusófona indicou que 102 responderam pela positiva à possibilidade de regularizarem a sua situação académica, sendo que para cinco destes já foi efectuada a “regularização da creditação atribuída”.

Segundo a IGEC, “esta regularização pressupõe o reingresso dos alunos nos ciclos de estudos em causa”. O PÚBLICO tentou apurar se na maioria dos casos este processo passará pelo regresso às aulas ou apenas pela instrução de novos processos de creditação. A Lusófona limitou-se a responder que “todos os alunos que solicitaram a sua reinscrição verão os seus processos novamente analisados e instruídos”.


Do MEC chegou, entretanto, o compromisso de que a “IGEC continuará a intervir junto da ULHT, até porque, só no próximo ano lectivo, vai ser possível observar a frequência de novas unidades curriculares”.

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