Porque
é que Stoltenberg foi à cimeira?
Os
aliados europeus nem sequer cumprem a meta dos 2% para os respectivos
orçamentos de defesa. Dos grandes só a França cumpre
Teresa de Sousa /
27-6-2015/ PÚBLICO
1. Não é por acaso
que o secretáriogeral da NATO, o norueguês Jens Stoltenberg, foi
convidado a ir ontem ao Conselho Europeu. A segurança subiu na
escala de preocupações da União Europeia. Sabe-se porquê. A
mudança de estratégia da Rússia relativamente à Europa e aos EUA
alterou a forma como os governos europeus olham hoje para a sua
segurança.
ERIC VIDAL/REUTERS
Depois da implosão
da União Soviética, Moscovo foi sempre um parceiro instável —
mas, ainda assim, um parceiro. Em 2010, numa cimeira da NATO em
Lisboa, sem Vladimir Putin, mas com Dmitri Medvedev, o fim da Guerra
Fria foi solenemente declarado pelos aliados, que aprovaram uma série
de medidas destinadas a reforçar a confiança mútua. Tudo isto já
faz parte de um passado longínquo. Como se viu, eram outras as
intenções de Putin quando regressou ao Kremlin. No ano passado,
aproveitando a segunda revolta pró-europeia dos ucranianos, anexou a
Crimeia e pôs um pé na parte oriental da Ucrânia. Ultrapassou os
limites que permitiam aos europeus reduzir a sua política russa aos
negócios. A mudança decisiva coube à chanceler alemã. Foi ela que
liderou a resposta em estreita coordenação com os EUA. A Rússia
passou a ser uma ameaça à segurança europeia. Ninguém duvida que,
se há problema que tira o sono à chanceler, é este e não a
Grécia, cujo desfecho ela ainda pode controlar.
Durante os dois dias
da cimeira europeia, a Grécia e a imigração dominaram as atenções.
Ironicamente, o presumível atentado terrorista em Lyon veio lembrar
aos líderes europeus que enfrentam também um outro tipo de ameaça,
mais difusa e imprevisível, levada a cabo pela nova estirpe de
terrorismo que se autodesigna por “Estado Islâmico”. François
Hollande teve de abandonar a cimeira.
2. Muita coisa já
mudou, entretanto. A nova estratégia de Putin já obrigou a NATO a
rever os seus dispositivos de defesa e trouxe de novo os Estados
Unidos para a Europa. Durante anos, em Varsóvia ou em Riga, os novos
países da União e da NATO não se cansaram de avisar os líderes da
Europa Ocidental para os riscos que o Presidente Putin representava.
Foram quase sempre mandados calar. Hoje, verifica-se que tinham
razão. Os EUA já reforçaram a sua presença militar nalguns deles,
não tanto pela ameaça russa, mas para os tranquilizar. Triplicaram
a Força de Reacção Rápida da NATO (de 13 mil para 40 mil homens).
“Temos a obrigação de os defender, se forem atacados”, disse
Stoltenberg. A NATO vai criar mais seis centros de comando nesses
países. Os analistas militares dizem que não se trata de uma
escalada militar: são reforços “mais simbólicos do que
estratégicos”. Na sede da Aliança, os chefes da diplomacia estão,
entretanto, a reavaliar a sua doutrina nuclear, o que foi reconhecido
pelo próprio secretário-geral. Ninguém quer provocar a Rússia,
muito menos os europeus, mas também não é possível ignorar a sua
nova estratégia.
3. Como é que a
Europa vai responder a esta mudança radical no ambiente de segurança
que a rodeia? Subsistem os velhos problemas de capacidade militar e
da falta de financiamento da defesa. Os aliados europeus nem sequer
cumprem a meta dos 2% para os respectivos orçamentos de defesa, com
a qual se comprometeram no quadro da Aliança. Dos grandes só a
França cumpre — o Reino Unido cortou o seu orçamento ao ponto de
ficar ligeiramente abaixo dos 2%. A Polónia passou recentemente a
cumprir. Às voltas com os défices e as dívidas, nem sequer querem
ouvir falar no investimento na defesa. Ou então, como propõem
Madrid e Lisboa, será preciso considerar a possibilidade de não
incluir estes investimentos no cálculo do défice.
O resultado do
Conselho Europeu não cria grandes expectativas. Em cima da mesa
estava a necessidade de rever a Estratégia de Segurança Europeia
adoptada em 2003. Basta a frase que abre o documento para perceber
até que ponto está desactualizado: “A Europa nunca foi tão
próspera, tão segura e tão livre.” O documento nunca serviu de
grande coisa para o seu principal objectivo: ajudar a criar uma visão
de segurança comum. A alta-representante Federica Mogherini quer
lançar o mais depressa possível a sua revisão. O Conselho Europeu
decidiu que ela apresentará um primeiro relatório... dentro de um
ano. As crescentes divisões europeias em questões de interesse
comum, como a vaga de imigrantes e refugiados que atravessam
diariamente o Mediterrâneo, são um mau indício. Aliás, a única
decisão que a Europa tomou até agora sobre este drama quotidiano,
confundindo uma questão humanitária com um questão de segurança,
foi criar uma força naval para combater os passadores, como se
fossem eles os responsáveis pelas guerras que alimentam esta fuga
desesperada.
4. A urgente
cooperação em matéria de indústria de armamento também constava
da agenda, suportada por um relatório muito crítico da Comissão. O
objectivo é criar sinergias que tornem a indústria mais
competitiva. O problema é que os grandes países, que são também
grandes exportadores mundiais de armamento, querem manter os seus
“campeões nacionais”, gerando um excesso de capacidade e de
concorrência que não favorece ninguém. “A Europa não pode
continuar a pagar o custo da duplicação e do excesso de capacidade
que os nossos mercados fragmentados alimentam.” São fabricados na
Europa três aviões de combate e 11 carros blindados diferentes. O
A400 M, que deveria ser o avião de transporte militar da Europa, que
depende totalmente dos EUA neste domínio, ainda não conseguiu
descolar. As conclusões da cimeira apenas referem que os
Estadosmembros “devem alocar um nível suficiente de despesa para a
defesa e fazer o uso mais efectivo dos seus recursos”. Não poderia
haver nada de mais vago. Os Estados Unidos queixam-se de o fardo da
segurança europeia continuar a recair sobre eles. Stoltenberg
explicou-lhes o que pode correr mal. O futuro da Europa não depende
apenas da salvação do euro — que, por sinal, ainda não é certa.
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