Cinco
anos depois, a Europa ainda não sabe o que fazer
TERESA DE SOUSA
30/06/2015 - PÚBLICO
1. O que parece ser
mais extraordinário, nesta prolongada crise europeia que agora está
prestes a atingir o seu clímax, é que a Europa, incluindo Berlim,
não estava preparada para enfrentar um cenário altamente provável
de iminente catástrofe num dos membros da zona euro. A razão é
simples: nos últimos cinco anos, enquanto a Europa viveu ao ritmo da
crise do euro cujo primeiro acto foi a crise da dívida grega (2010),
Berlim não definiu uma estratégia política de longo prazo (a não
ser recriar o euro à sua imagem e semelhança). Foi fazendo apenas o
estritamente indispensável. Os outros países não tiveram força ou
vontade para lhe impor outra atitude.
Há cinco anos, em
Maio de 2010, a Grécia estava na iminência de bancarrota. A crise
financeira mundial e a recessão económica que se abateram sobre a
Europa levaram os mercados a olhar para a dívida soberana de outra
maneira. Até aí, o custo do dinheiro era praticamente o mesmo na
poderosa Alemanha e na frágil Grécia. Depois, separaram as águas,
deixando de confiar na solidez do euro. A chanceler alemã não tinha
uma resposta à altura dos acontecimentos. Até ao último instante,
limitou-se a repetir a cláusula do “no bail-out” inscrita no
Tratado de Maastricht, segundo a qual cada país tinha a
responsabilidade de resolver os seus problemas em caso de um choque
assimétrico ou de uma gestão irresponsável da dívida. Merkel
resistiu até ao último minuto antes de aceitar que os governos
europeus teriam de salvar a Grécia, pagando o primeiro resgate. Como
escreveram na altura muitos analistas, a chanceler apenas reagiu
quando “viu o abismo à sua frente”. O segundo “estado de
negação” de Berlim (e de Bruxelas) foi sobre a avaliação do
risco de contágios a mais países da zona euro. Enganou-se.
Seguiu-se a Irlanda, depois Portugal e Espanha (embora apenas aos
bancos) e, finalmente, Chipre. A Alemanha percebeu que tinha diante
de si uma crise que lhe daria a oportunidade de reformar a zona euro
à sua imagem e semelhança. A austeridade passou a ser o remédio
que os incumpridores teriam de beber até ao fim a troco dos
respectivos resgates. A Grécia precisou de dois resgates e de uma
reestruturação da dívida (aos privados). Portugal e Irlanda saíram
dos respectivos “programas de ajustamento”. O tempo e os
resultados mostraram à saciedade que os programas tinham erros
calamitosos de avaliação das suas consequências. O principal
resultado político desta desadequação foi a eleição do Syriza.
2. Merkel teve o
mérito de reconhecer que, se o euro falhasse, seria o fim da União
Europeia. Ontem, voltou a repetir essa frase. Guiou a sua política
dos “pequenos passos” mantendo na memória que a Alemanha não
podia correr o risco de ser olhada como o país que destruiu três
vezes a Europa no prazo de 100 anos. Mas não mudou a sua forma de
actuar: no último minuto e com o menor custo possível. Quando o
Syriza chegou ao poder em Atenas, a chanceler actuou bem do ponto de
vista táctico, reservando a sua margem de manobra para decidir em
última instância. Quando Alexis lhe tirou o tapete, ficou sem nada.
Ainda não se sabe o que tenciona fazer. “O que está em causa não
é apenas a estabilidade económica e financeira”, escreve Marcel
Fratzscher no Financial Times. “O desgaste político de longo prazo
pode ser devastador, em particular para o Governo alemão”. No
fundo, ela é a principal responsável pela incapacidade política
europeia de agir em conjunto nos últimos cinco anos, em vez de
contribuir para dividir a Europa. Sem poupar as palavras, a Spiegel
escreve que o que se passa na Grécia é “o preço de cinco anos de
cobardia”.
A chanceler ouviu
dezenas de vezes o Presidente americano dizer-lhe que a Grécia não
era apenas um problema económico, mas um problema de enorme
importância geopolítica para o Ocidente. Obama nunca conseguiu
perceber porque é que a Alemanha não era capaz de resolver um
problema que valia menos de 2 por cento do PIB europeu. Alertou para
consequências que poderiam sair muito mais caras. A Europa seguiu em
frente. Até chocar no muro. Deixou-se arrastar por Tsipras para uma
situação insustentável. Mario Draghi que, perante a ausência
política europeia, foi tratando de manter o euro a respirar, deixou
cair os braços. Avisou mil vezes os europeus que as decisões
políticas eram com eles.
3. Agora, sem uma
estratégia alternativa, vêm ao de cima as incongruências europeias
que não são apenas da chanceler. François Hollande, que optou por
ficar discretamente ao lado de Merkel na condução da crise grega,
tenta de novo ressuscitar o papel de mediador da França. Ontem, ele,
Michael Sapin (o seu ministro das Finanças) e o comissário francês
Pierre Moscovici voltaram a defender o regresso rápido às
negociações, sem explicar em que condições. “Tivemos sempre a
posição negocial mais aberta”, disse um diplomata francês ao
site do Politico Europa. “Sempre dissemos que estávamos abertos à
discussão sobre a reestruturação da dívida (…)” O mesmo site
chamava-lhe “o último amigo de Tsipras”.
Jean-Claude Juncker
ainda acredita que os gregos vão votar sim e apela a que o façam,
oferecendo ao Syriza mais achas para a sua fogueira patriótica. O
presidente da Comissão foi, quase até ao fim, o único aliado de
Atenas. Sente-se traído pela forma como o governo de Tsipras
abandonou a mesa das negociações.
A chanceler continua
a não abrir o jogo, sem fechar completamente a porta. Ontem, voltou
a lembrar que o fracasso do euro é o fracasso da Europa. Somando a
cacofonia europeia, fica a ideia de que os líderes europeus ainda
acreditam numa reviravolta, carregando as cores do que está em causa
no referendo: se vencer o ‘não’ de Tsipras, a Grécia escolhe
sair do euro. Já estamos, como avisou Draghi, em águas nunca dantes
navegadas. O que está em causa é imenso. “A Grécia precisa de
ser salva do colapso político, económico e social”, diz Tony
Barber, editorialista do Financial Times. O fracasso grego e a
incapacidade europeia para o evitar afectará, lembra também Barber,
a capacidade europeia para resolver todos os seus outros enormes
problemas, da Rússia ao Brexit, passando pela imigração ou o risco
de estagnação económica. O jornalista defende que não falta
apenas um plano B para evitar o contágio, falta um plano C para
salvar a Grécia. Dentro ou fora da União Europeia. A Grécia não é
a Argentina. É um país da União Europeia e da NATO. Deixada à sua
sorte, pode enveredar facilmente por um caminho de extremos que fará
do Syriza um partido “moderado”. A Aurora Dourada,
ideologicamente fascista, é a terceira força no Parlamento de
Atenas. Um default arrastaria os gregos para dificuldades económicas
e sociais inimagináveis. Os europeus não poderiam, pura e
simplesmente, olhar para o lado. Se é esse o preço que querem pagar
para tirar o Syriza do jogo, é preciso anteciparem as consequências.
A Rússia cantará de galo, perante uma brecha na muralha de
segurança da NATO. “A crise da dívida grega coloca o euro e a
União Europeia em perigo”, escreve Simon Tilford, do Centre for
European Reform de Londres. Pode não estar a exagerar. Na Spiegel,
Dirk Kurbjuweit explica longamente como é que “estamos a viver na
Anti-Europa”. Merkel vai ter de navegar à vista. Ainda vai a
tempo? Saberemos nos próximos dias.
O
medo do contágio regressou à Europa, onde o primeiro sinal veio dos
mercados
PEDRO CRISÓSTOMO
29/06/2015 - PÚBLICO
Com
a Bolsa de Atenas fechada, a praça de Lisboa foi a que mais caiu na
Europa. Receios estendem-se ao andamento da economia do euro.
A situação na
Grécia atingiu um ponto crítico tal que não há analista que deixe
de acrescentar uma ressalva a cada comentário que faz: a incerteza é
tanta e as reviravoltas dos últimos dias tão surpreendentes que o
conselho mais avisado é não dar nenhum cenário como adquirido.
Pelo sim, pelo não.
O dia desta
segunda-feira expôs as fragilidades que as economias da periferia do
euro ainda enfrentam, com maior ou menor grau, face à volatilidade
da crise grega. Não foi uma surpresa a sessão agitada que se viveu
nas bolsas mundiais – de Tóquio a Londres, de Lisboa a Frankfurt,
de Paris a Wall Street – nem o movimento ascendente que se
verificou nos juros da divida de Portugal, Espanha e Itália. “Até
ao referendo no domingo, e mesmo alguns dias depois, a incerteza é
tanta que me parece um totoloto [falar dos mercados]”, compara
Filipe Silva, director de gestão de activos do Banco Carregosa.
A questão que se
coloca de novo, para além da pressão dos mercados, é saber que
impactos o prolongamento da incerteza grega pode ter economicamente
nos países mais fragilizados no espaço da moeda única: saber quão
segura é a barreira de segurança que possa evitar o contágio a
países como Portugal, Itália, Irlanda e Espanha, economias com
elevados níveis de dívida pública e, por isso, mais pressionados
num eventual cenário de abrandamento do PIB.
O Fundo Monetário
Internacional (FMI) espera que a economia do euro cresça cerca de 1%
“no médio prazo”, um ritmo que considera baixo numa região
ainda “vulnerável aos choques”. Esta era a análise feita há
menos de duas semanas, antes de colapsarem as negociações entre a
Grécia e os parceiros europeus. E de então para cá Washington não
se cansa de repetir que é preciso encontrar uma solução a bem da
economia mundial.
Para Portugal, o que
é que mudou desde sexta-feira para que analistas voltassem a falar
do país como um dos “próximos” da linha da frente da crise?
“Com o programa de expansão monetária europeu, o país estava a
conseguir trocar dívida e baixar os juros, a apresentar um
crescimento forte e o desemprego em queda. Depois dos ajustes
estruturais, estamos no ponto de transição a nível nacional e
existe o perigo de um retrocesso económico evidente. Este pode ser o
maior custo da situação grega para Portugal”, considera Eduardo
Silva, gestor da empresa de corretagem XTB.
O andamento da
economia europeia, onde estão os principais parceiros comerciais de
Portugal (Espanha, Alemanha, França), será determinante. O Governo
português apontava em Abril, no Programa de Estabilidade, para um
crescimento de 1,6% do PIB este ano. E para isso conta com uma “forte
aceleração” da procura externa.
Que almofada?
Como factor de
pressão, Portugal continua a enfrentar os mercados e o elevado nível
de dívida pública, que ascende a 130% do PIB (225.720 milhões de
euros). Mais alto só na terceira economia do euro (a Itália, com
uma dívida de 132% do PIB) e na Grécia (177%).
Ao intervir no
mercado para comprar títulos de dívida pública, o Banco Central
Europeu (BCE) deu uma ajuda para que as taxas de juro das obrigações
portuguesas recuassem este ano. Mas se a rendibilidade implícita da
dívida pública portuguesa a dez anos atingiu um mínimo histórico
em Março, quando baixou para os 1,6%, o contexto de volatilidade foi
crescendo e as taxas de juro já regressaram aos 3%. A trajectória
dos juros da dívida no mercado secundário tem um impacto indirecto
no custo do financiamento quando os Estados lançam leilões de
dívida no mercado primário.
As taxas de juro da
dívida grega com um prazo de dez anos dispararam nesta
segunda-feira, passando para 15% quando na última sexta-feira os
títulos estavam em 11,16%. E a pressão no mercado secundário
intensificou-se de forma imediata sobre os outros países
periféricos, embora com subidas menos acentuadas. “O que parecia
um cenário de afastamento definitivo rapidamente evoluiu para
indefinição em que nenhum cenário parece definitivo”, nota
Eduardo Silva
As taxas de juro da
dívida portuguesa escalaram para os 3,08% ao final do dia, contra os
2,718% de sexta-feira. O mesmo aconteceu com os títulos de Espanha
(2,358%) e de Itália (2,395%), ao contrário do que se verificou com
a dívida alemã (referência no mercado) e irlandesa, que negociaram
em queda. “Os países do sul da Europa podem ser o ‘next in the
row’,enquanto os países mais ricos reforçam o seu papel de
refúgio e estão com os juros da dívida a descer”, nota Filipe
Silva, director de gestão de activos do Banco Carregosa.
O Governo português
tem repetido que os cofres estão cheios. O facto de as reservas de
liquidez estarem nos 14.900 milhões de euros retira alguma pressão,
mas pela frente Portugal vai enfrentar, ainda este ano e nos
próximos, picos de amortização de dívida exigentes. Desde logo em
Outubro, quando há para amortizar cerca de 5500 milhões de euros de
uma linha de obrigações do tesouro. A expectativa é que neste
segundo trimestre o Tesouro obtenha cerca de 7600 milhões de euros
de financiamento e que a almofada de liquidez esteja em cerca de 9800
milhões de euros no final do ano.
Esta segunda-feira
foi um dia de quedas acentuadas em todas as praças da Europa, com a
Bolsa de Lisboa à cabeça a registar a maior descida, de 5,22%.
Nenhuma das cotadas do PSI-20 escapou. O índice chegou mesmo a
deslizar 6,16% e acabou por encerrar com a maior desvalorização
desde a crise política de 2013, quando Vítor Gaspar e Paulo Portas
se demitiram.
A bolsa de Atenas
permanece encerrada. Milão caiu mais de 5% e pouco atrás ficou a
bolsa madrilena, a recuar 4,56%. A pressão vendedora foi menor nas
acções das praças de Paris e Frankfurt, mas nem por isso deixou de
ser significativa, com recuos de 3,74% e 3,56%, respectivamente. O
sentimento negativo estendeu-se à City londrina, onde o recuo foi de
1,97%, e chegou a Wall Street, onde o Dow Jones perdeu 1,95% e o
Nasdaq desceu 2,4%.
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