segunda-feira, 29 de junho de 2015

Cinco anos depois, a Europa ainda não sabe o que fazer / TERESA DE SOUSA


Cinco anos depois, a Europa ainda não sabe o que fazer
TERESA DE SOUSA 30/06/2015 - PÚBLICO

1. O que parece ser mais extraordinário, nesta prolongada crise europeia que agora está prestes a atingir o seu clímax, é que a Europa, incluindo Berlim, não estava preparada para enfrentar um cenário altamente provável de iminente catástrofe num dos membros da zona euro. A razão é simples: nos últimos cinco anos, enquanto a Europa viveu ao ritmo da crise do euro cujo primeiro acto foi a crise da dívida grega (2010), Berlim não definiu uma estratégia política de longo prazo (a não ser recriar o euro à sua imagem e semelhança). Foi fazendo apenas o estritamente indispensável. Os outros países não tiveram força ou vontade para lhe impor outra atitude.

Há cinco anos, em Maio de 2010, a Grécia estava na iminência de bancarrota. A crise financeira mundial e a recessão económica que se abateram sobre a Europa levaram os mercados a olhar para a dívida soberana de outra maneira. Até aí, o custo do dinheiro era praticamente o mesmo na poderosa Alemanha e na frágil Grécia. Depois, separaram as águas, deixando de confiar na solidez do euro. A chanceler alemã não tinha uma resposta à altura dos acontecimentos. Até ao último instante, limitou-se a repetir a cláusula do “no bail-out” inscrita no Tratado de Maastricht, segundo a qual cada país tinha a responsabilidade de resolver os seus problemas em caso de um choque assimétrico ou de uma gestão irresponsável da dívida. Merkel resistiu até ao último minuto antes de aceitar que os governos europeus teriam de salvar a Grécia, pagando o primeiro resgate. Como escreveram na altura muitos analistas, a chanceler apenas reagiu quando “viu o abismo à sua frente”. O segundo “estado de negação” de Berlim (e de Bruxelas) foi sobre a avaliação do risco de contágios a mais países da zona euro. Enganou-se. Seguiu-se a Irlanda, depois Portugal e Espanha (embora apenas aos bancos) e, finalmente, Chipre. A Alemanha percebeu que tinha diante de si uma crise que lhe daria a oportunidade de reformar a zona euro à sua imagem e semelhança. A austeridade passou a ser o remédio que os incumpridores teriam de beber até ao fim a troco dos respectivos resgates. A Grécia precisou de dois resgates e de uma reestruturação da dívida (aos privados). Portugal e Irlanda saíram dos respectivos “programas de ajustamento”. O tempo e os resultados mostraram à saciedade que os programas tinham erros calamitosos de avaliação das suas consequências. O principal resultado político desta desadequação foi a eleição do Syriza.

2. Merkel teve o mérito de reconhecer que, se o euro falhasse, seria o fim da União Europeia. Ontem, voltou a repetir essa frase. Guiou a sua política dos “pequenos passos” mantendo na memória que a Alemanha não podia correr o risco de ser olhada como o país que destruiu três vezes a Europa no prazo de 100 anos. Mas não mudou a sua forma de actuar: no último minuto e com o menor custo possível. Quando o Syriza chegou ao poder em Atenas, a chanceler actuou bem do ponto de vista táctico, reservando a sua margem de manobra para decidir em última instância. Quando Alexis lhe tirou o tapete, ficou sem nada. Ainda não se sabe o que tenciona fazer. “O que está em causa não é apenas a estabilidade económica e financeira”, escreve Marcel Fratzscher no Financial Times. “O desgaste político de longo prazo pode ser devastador, em particular para o Governo alemão”. No fundo, ela é a principal responsável pela incapacidade política europeia de agir em conjunto nos últimos cinco anos, em vez de contribuir para dividir a Europa. Sem poupar as palavras, a Spiegel escreve que o que se passa na Grécia é “o preço de cinco anos de cobardia”.

A chanceler ouviu dezenas de vezes o Presidente americano dizer-lhe que a Grécia não era apenas um problema económico, mas um problema de enorme importância geopolítica para o Ocidente. Obama nunca conseguiu perceber porque é que a Alemanha não era capaz de resolver um problema que valia menos de 2 por cento do PIB europeu. Alertou para consequências que poderiam sair muito mais caras. A Europa seguiu em frente. Até chocar no muro. Deixou-se arrastar por Tsipras para uma situação insustentável. Mario Draghi que, perante a ausência política europeia, foi tratando de manter o euro a respirar, deixou cair os braços. Avisou mil vezes os europeus que as decisões políticas eram com eles.

3. Agora, sem uma estratégia alternativa, vêm ao de cima as incongruências europeias que não são apenas da chanceler. François Hollande, que optou por ficar discretamente ao lado de Merkel na condução da crise grega, tenta de novo ressuscitar o papel de mediador da França. Ontem, ele, Michael Sapin (o seu ministro das Finanças) e o comissário francês Pierre Moscovici voltaram a defender o regresso rápido às negociações, sem explicar em que condições. “Tivemos sempre a posição negocial mais aberta”, disse um diplomata francês ao site do Politico Europa. “Sempre dissemos que estávamos abertos à discussão sobre a reestruturação da dívida (…)” O mesmo site chamava-lhe “o último amigo de Tsipras”.

Jean-Claude Juncker ainda acredita que os gregos vão votar sim e apela a que o façam, oferecendo ao Syriza mais achas para a sua fogueira patriótica. O presidente da Comissão foi, quase até ao fim, o único aliado de Atenas. Sente-se traído pela forma como o governo de Tsipras abandonou a mesa das negociações.


A chanceler continua a não abrir o jogo, sem fechar completamente a porta. Ontem, voltou a lembrar que o fracasso do euro é o fracasso da Europa. Somando a cacofonia europeia, fica a ideia de que os líderes europeus ainda acreditam numa reviravolta, carregando as cores do que está em causa no referendo: se vencer o ‘não’ de Tsipras, a Grécia escolhe sair do euro. Já estamos, como avisou Draghi, em águas nunca dantes navegadas. O que está em causa é imenso. “A Grécia precisa de ser salva do colapso político, económico e social”, diz Tony Barber, editorialista do Financial Times. O fracasso grego e a incapacidade europeia para o evitar afectará, lembra também Barber, a capacidade europeia para resolver todos os seus outros enormes problemas, da Rússia ao Brexit, passando pela imigração ou o risco de estagnação económica. O jornalista defende que não falta apenas um plano B para evitar o contágio, falta um plano C para salvar a Grécia. Dentro ou fora da União Europeia. A Grécia não é a Argentina. É um país da União Europeia e da NATO. Deixada à sua sorte, pode enveredar facilmente por um caminho de extremos que fará do Syriza um partido “moderado”. A Aurora Dourada, ideologicamente fascista, é a terceira força no Parlamento de Atenas. Um default arrastaria os gregos para dificuldades económicas e sociais inimagináveis. Os europeus não poderiam, pura e simplesmente, olhar para o lado. Se é esse o preço que querem pagar para tirar o Syriza do jogo, é preciso anteciparem as consequências. A Rússia cantará de galo, perante uma brecha na muralha de segurança da NATO. “A crise da dívida grega coloca o euro e a União Europeia em perigo”, escreve Simon Tilford, do Centre for European Reform de Londres. Pode não estar a exagerar. Na Spiegel, Dirk Kurbjuweit explica longamente como é que “estamos a viver na Anti-Europa”. Merkel vai ter de navegar à vista. Ainda vai a tempo? Saberemos nos próximos dias.

O medo do contágio regressou à Europa, onde o primeiro sinal veio dos mercados
PEDRO CRISÓSTOMO 29/06/2015 - PÚBLICO

Com a Bolsa de Atenas fechada, a praça de Lisboa foi a que mais caiu na Europa. Receios estendem-se ao andamento da economia do euro.

A situação na Grécia atingiu um ponto crítico tal que não há analista que deixe de acrescentar uma ressalva a cada comentário que faz: a incerteza é tanta e as reviravoltas dos últimos dias tão surpreendentes que o conselho mais avisado é não dar nenhum cenário como adquirido. Pelo sim, pelo não.

O dia desta segunda-feira expôs as fragilidades que as economias da periferia do euro ainda enfrentam, com maior ou menor grau, face à volatilidade da crise grega. Não foi uma surpresa a sessão agitada que se viveu nas bolsas mundiais – de Tóquio a Londres, de Lisboa a Frankfurt, de Paris a Wall Street – nem o movimento ascendente que se verificou nos juros da divida de Portugal, Espanha e Itália. “Até ao referendo no domingo, e mesmo alguns dias depois, a incerteza é tanta que me parece um totoloto [falar dos mercados]”, compara Filipe Silva, director de gestão de activos do Banco Carregosa.

A questão que se coloca de novo, para além da pressão dos mercados, é saber que impactos o prolongamento da incerteza grega pode ter economicamente nos países mais fragilizados no espaço da moeda única: saber quão segura é a barreira de segurança que possa evitar o contágio a países como Portugal, Itália, Irlanda e Espanha, economias com elevados níveis de dívida pública e, por isso, mais pressionados num eventual cenário de abrandamento do PIB.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que a economia do euro cresça cerca de 1% “no médio prazo”, um ritmo que considera baixo numa região ainda “vulnerável aos choques”. Esta era a análise feita há menos de duas semanas, antes de colapsarem as negociações entre a Grécia e os parceiros europeus. E de então para cá Washington não se cansa de repetir que é preciso encontrar uma solução a bem da economia mundial.

Para Portugal, o que é que mudou desde sexta-feira para que analistas voltassem a falar do país como um dos “próximos” da linha da frente da crise? “Com o programa de expansão monetária europeu, o país estava a conseguir trocar dívida e baixar os juros, a apresentar um crescimento forte e o desemprego em queda. Depois dos ajustes estruturais, estamos no ponto de transição a nível nacional e existe o perigo de um retrocesso económico evidente. Este pode ser o maior custo da situação grega para Portugal”, considera Eduardo Silva, gestor da empresa de corretagem XTB.

O andamento da economia europeia, onde estão os principais parceiros comerciais de Portugal (Espanha, Alemanha, França), será determinante. O Governo português apontava em Abril, no Programa de Estabilidade, para um crescimento de 1,6% do PIB este ano. E para isso conta com uma “forte aceleração” da procura externa.

Que almofada?
Como factor de pressão, Portugal continua a enfrentar os mercados e o elevado nível de dívida pública, que ascende a 130% do PIB (225.720 milhões de euros). Mais alto só na terceira economia do euro (a Itália, com uma dívida de 132% do PIB) e na Grécia (177%).

Ao intervir no mercado para comprar títulos de dívida pública, o Banco Central Europeu (BCE) deu uma ajuda para que as taxas de juro das obrigações portuguesas recuassem este ano. Mas se a rendibilidade implícita da dívida pública portuguesa a dez anos atingiu um mínimo histórico em Março, quando baixou para os 1,6%, o contexto de volatilidade foi crescendo e as taxas de juro já regressaram aos 3%. A trajectória dos juros da dívida no mercado secundário tem um impacto indirecto no custo do financiamento quando os Estados lançam leilões de dívida no mercado primário.

As taxas de juro da dívida grega com um prazo de dez anos dispararam nesta segunda-feira, passando para 15% quando na última sexta-feira os títulos estavam em 11,16%. E a pressão no mercado secundário intensificou-se de forma imediata sobre os outros países periféricos, embora com subidas menos acentuadas. “O que parecia um cenário de afastamento definitivo rapidamente evoluiu para indefinição em que nenhum cenário parece definitivo”, nota Eduardo Silva

As taxas de juro da dívida portuguesa escalaram para os 3,08% ao final do dia, contra os 2,718% de sexta-feira. O mesmo aconteceu com os títulos de Espanha (2,358%) e de Itália (2,395%), ao contrário do que se verificou com a dívida alemã (referência no mercado) e irlandesa, que negociaram em queda. “Os países do sul da Europa podem ser o ‘next in the row’,enquanto os países mais ricos reforçam o seu papel de refúgio e estão com os juros da dívida a descer”, nota Filipe Silva, director de gestão de activos do Banco Carregosa.

O Governo português tem repetido que os cofres estão cheios. O facto de as reservas de liquidez estarem nos 14.900 milhões de euros retira alguma pressão, mas pela frente Portugal vai enfrentar, ainda este ano e nos próximos, picos de amortização de dívida exigentes. Desde logo em Outubro, quando há para amortizar cerca de 5500 milhões de euros de uma linha de obrigações do tesouro. A expectativa é que neste segundo trimestre o Tesouro obtenha cerca de 7600 milhões de euros de financiamento e que a almofada de liquidez esteja em cerca de 9800 milhões de euros no final do ano.

Esta segunda-feira foi um dia de quedas acentuadas em todas as praças da Europa, com a Bolsa de Lisboa à cabeça a registar a maior descida, de 5,22%. Nenhuma das cotadas do PSI-20 escapou. O índice chegou mesmo a deslizar 6,16% e acabou por encerrar com a maior desvalorização desde a crise política de 2013, quando Vítor Gaspar e Paulo Portas se demitiram.


A bolsa de Atenas permanece encerrada. Milão caiu mais de 5% e pouco atrás ficou a bolsa madrilena, a recuar 4,56%. A pressão vendedora foi menor nas acções das praças de Paris e Frankfurt, mas nem por isso deixou de ser significativa, com recuos de 3,74% e 3,56%, respectivamente. O sentimento negativo estendeu-se à City londrina, onde o recuo foi de 1,97%, e chegou a Wall Street, onde o Dow Jones perdeu 1,95% e o Nasdaq desceu 2,4%.

Sem comentários: