Loja
de cerâmica artesanal no Chiado em risco de não chegar aos 100 anos
Loja
da Fábrica Sant’Anna, na Rua do Alecrim, em Lisboa, recebeu ordem
de despejo da Visabeira, que ali quer construir um hotel
Inês Boaventura /
12-6-2015 / PÚBLICO
A um ano de
completar o seu centenário, a loja da Fábrica Sant’Anna na Rua do
Alecrim, em Lisboa, pode ter os dias contados. A ordem de despejo já
chegou, pela mão do Grupo Visabeira, que quer converter o imóvel no
qual funciona a loja num hotel dedicado a Bordallo Pinheiro.
É no número 95
daquela artéria que está instalado, desde 1916, o principal ponto
de venda da “última grande fábrica de azulejos e faianças
artesanais da Europa”. A segunda loja da empresa, que nasceu em
1741, está de portas abertas na Calçada da Boa-Hora, na fábrica
onde são produzidas peças de cerâmica “por métodos inteiramente
artesanais, desde a preparação do barro até à vidração e
pintura”.
O fecho iminente
deste estabelecimento histórico no Chiado foi denunciado nos últimos
dias pela empresária Catarina Portas, que critica a actuação do
proprietário do imóvel, mas também da Câmara Municipal de Lisboa,
que, “ao que parece, aprovou o despejo”. “Isto é uma vergonha.
Uma vergonha para a CML, certamente. E uma vergonha muitíssimo maior
para a Vista Alegre e a Visabeira, que assim liquidam, do alto da sua
cagança e com o seu umbigo como único horizonte, mais uma loja
histórica de Lisboa”, diz a ex-jornalista no seu Facebook. Além
de críticas, Catarina Portas deixa uma dúvida: “A Vista Alegre
vai matar a Fábrica de Sant’Anna?”, pergunta, acrescentando que
aquilo que mais a “desgosta” nesta história é o facto de “ver
uma das mais antigas e prestigiadas marcas portuguesas dar cabo de
outra marca portuguesa ainda mais antiga”.
“Já passámos por
muitas crises em quase 300 anos de existência e com o esforço
ultrapassámos tudo”, diz ao PÚBLICO o director comercial da
Fábrica Sant’Anna, admitindo, no entanto, que esta promete ser uma
batalha especialmente difícil. “A gente vai lutar para não morrer
na praia, mas não é fácil”, assume Francisco Tomás, que diz que
o proprietário do imóvel fez saber que o ia transformar num hotel e
“meteu uma acção do despejo” contra as lojas aí instaladas,
incluindo aquela que representa. Francisco Tomás acrescenta que a
empresa, com mais de dois séculos de história e na qual trabalham
“cerca de 30 pessoas”, não se conforma com a decisão, que está
já a contestar pela via judicial.
O director da
Fábrica Sant’Anna destaca que a loja em risco “é
importantíssima, tem toda uma história”. O número 95 da Rua do
Alecrim, sublinha, “é mundialmente conhecido, está em tudo o que
é roteiro”, constituindo “um ponto turístico da cidade” ao
qual se dirigem diariamente “dezenas e dezenas de pessoas de todo o
mundo”. Procurar uma localização alternativa poderia pôr essa
história e património em risco, além de exigir um “investimento
enormíssimo”, diz, acrescentando que nos últimos dias lhe têm
chegado muitos telefonemas e mensagens de apoio, incluindo de
clientes além-fronteiras. “É fascinante”, diz, notando que tudo
isso aconteceu “sem qualquer estímulo” da Fábrica Sant’Anna,
que até aqui não se tinha pronunciado publicamente sobre o caso.
Entretanto, o Fórum
Cidadania Lisboa assumiu também esta causa como sua e fez chegar à
Vista Alegre, do Grupo Visabeira, um apelo “ao bom senso e bom
gosto do promotor, para que reformule o seu projecto com vista a
permitir a manutenção da loja da Fábrica Sant’Anna”. O grupo
de cidadãos pediu também ao município que “tudo faça em prol da
manutenção deste fabuloso espaço praticamente centenário de
Lisboa”.
O PÚBLICO pediu
esclarecimentos sobre este assunto ao Grupo Visabeira e à Câmara de
Lisboa, mas não obteve resposta.
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