quinta-feira, 11 de junho de 2015

Loja de cerâmica artesanal no Chiado em risco de não chegar aos 100 anos


Loja de cerâmica artesanal no Chiado em risco de não chegar aos 100 anos

Loja da Fábrica Sant’Anna, na Rua do Alecrim, em Lisboa, recebeu ordem de despejo da Visabeira, que ali quer construir um hotel

Inês Boaventura / 12-6-2015 / PÚBLICO

A um ano de completar o seu centenário, a loja da Fábrica Sant’Anna na Rua do Alecrim, em Lisboa, pode ter os dias contados. A ordem de despejo já chegou, pela mão do Grupo Visabeira, que quer converter o imóvel no qual funciona a loja num hotel dedicado a Bordallo Pinheiro.
É no número 95 daquela artéria que está instalado, desde 1916, o principal ponto de venda da “última grande fábrica de azulejos e faianças artesanais da Europa”. A segunda loja da empresa, que nasceu em 1741, está de portas abertas na Calçada da Boa-Hora, na fábrica onde são produzidas peças de cerâmica “por métodos inteiramente artesanais, desde a preparação do barro até à vidração e pintura”.
O fecho iminente deste estabelecimento histórico no Chiado foi denunciado nos últimos dias pela empresária Catarina Portas, que critica a actuação do proprietário do imóvel, mas também da Câmara Municipal de Lisboa, que, “ao que parece, aprovou o despejo”. “Isto é uma vergonha. Uma vergonha para a CML, certamente. E uma vergonha muitíssimo maior para a Vista Alegre e a Visabeira, que assim liquidam, do alto da sua cagança e com o seu umbigo como único horizonte, mais uma loja histórica de Lisboa”, diz a ex-jornalista no seu Facebook. Além de críticas, Catarina Portas deixa uma dúvida: “A Vista Alegre vai matar a Fábrica de Sant’Anna?”, pergunta, acrescentando que aquilo que mais a “desgosta” nesta história é o facto de “ver uma das mais antigas e prestigiadas marcas portuguesas dar cabo de outra marca portuguesa ainda mais antiga”.
“Já passámos por muitas crises em quase 300 anos de existência e com o esforço ultrapassámos tudo”, diz ao PÚBLICO o director comercial da Fábrica Sant’Anna, admitindo, no entanto, que esta promete ser uma batalha especialmente difícil. “A gente vai lutar para não morrer na praia, mas não é fácil”, assume Francisco Tomás, que diz que o proprietário do imóvel fez saber que o ia transformar num hotel e “meteu uma acção do despejo” contra as lojas aí instaladas, incluindo aquela que representa. Francisco Tomás acrescenta que a empresa, com mais de dois séculos de história e na qual trabalham “cerca de 30 pessoas”, não se conforma com a decisão, que está já a contestar pela via judicial.
O director da Fábrica Sant’Anna destaca que a loja em risco “é importantíssima, tem toda uma história”. O número 95 da Rua do Alecrim, sublinha, “é mundialmente conhecido, está em tudo o que é roteiro”, constituindo “um ponto turístico da cidade” ao qual se dirigem diariamente “dezenas e dezenas de pessoas de todo o mundo”. Procurar uma localização alternativa poderia pôr essa história e património em risco, além de exigir um “investimento enormíssimo”, diz, acrescentando que nos últimos dias lhe têm chegado muitos telefonemas e mensagens de apoio, incluindo de clientes além-fronteiras. “É fascinante”, diz, notando que tudo isso aconteceu “sem qualquer estímulo” da Fábrica Sant’Anna, que até aqui não se tinha pronunciado publicamente sobre o caso.
Entretanto, o Fórum Cidadania Lisboa assumiu também esta causa como sua e fez chegar à Vista Alegre, do Grupo Visabeira, um apelo “ao bom senso e bom gosto do promotor, para que reformule o seu projecto com vista a permitir a manutenção da loja da Fábrica Sant’Anna”. O grupo de cidadãos pediu também ao município que “tudo faça em prol da manutenção deste fabuloso espaço praticamente centenário de Lisboa”.

O PÚBLICO pediu esclarecimentos sobre este assunto ao Grupo Visabeira e à Câmara de Lisboa, mas não obteve resposta.

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