Os
voos mais altos de António Capucho
PEDRO SOUSA CARVALHO
12/06/2015 / PÚBLICO
Não é a primeira
vez e não será com certeza a última que um militante notável de
um partido passa para o lado de lá da barricada. Já tivemos vários
casos em Portugal: Basílio Horta, Zita Seabra, Vital Moreira, Pina
Moura, Eurico Figueiredo e por aí fora. Até já tivemos casos como
o de Freitas do Amaral que, quando se aproximou do PS de José
Sócrates, viu Paulo Portas enviar a sua fotografia que estava no
Largo do Caldas directamente para o Largo do Rato. Não tem
absolutamente nada de mal que tal aconteça. Até é saudável que
ninguém fique preso a um partido por mero sectarismo, seguidismo ou
ideologia obsoleta. As pessoas às vezes evoluem, mudam de opinião e
os partidos nem por isso. Às vezes é o contrário.
Mas há casos que
desafiam a compreensão e o de António Capucho é um deles. Esta
semana, o antigo presidente da Câmara de Cascais conseguiu dizer que
é independente, que admite regressar ao PSD, se os
sociais-democratas mudarem de líder, mas também diz que pode vir a
estar com o PS, “se for convidado para voos mais altos”, e até
admite “votar nos pequenos partidos” e só não vota porque
“Pedro Passos Coelho ainda ganha isto”. Isto tudo numa única
semana. Foi de uma ponta à outra do Parlamento, sentou-se em todas
as bancadas e hasteou bandeiras de todas as cores.
O que move António
Capucho? Diz, numa entrevista ao jornal i esta semana, que não se
quer oferecer para nenhum cargo. Já disse inclusive a António Costa
do PS que o apoiava “sem nenhuma contrapartida” e que não quer
que fique a ideia de que faz isto porque quer "um tacho”. Se
não é o tacho, o que move Capucho?
O próprio diz que o
seu futuro político ligado ao PS está “completamente em aberto”,
mas que, “se for convidado para voos mais altos, não [diz] à
partida que não”. Às más-línguas dirão: "Não negues à
partida um tacho que não conheces." Um tacho é talvez uma
forma deselegante de apelidar um cargo de nomeação política. “Mas
vê-se como deputado do PS?”, insiste o jornalista. O antigo
conselheiro de Estado responde: “Não tenho qualquer ambição
política, mas não posso negar uma situação que me interesse.”
Uma ou duas perguntas mais à frente acrescenta: “Politicamente não
posso negar que, se aparecer uma coisa que me interesse, não esteja
disponível.”
António Capucho,
militante social-democrata desde 1974, já ocupou muitos cargos neste
país. Já foi membro do Conselho de Estado, secretário de Estado,
ministro, deputado e eurodeputado. No PSD, ocupou cargos como os de
secretário-geral, vice-presidente e líder parlamentar.
Em Janeiro de 2010,
e depois de dez anos na Câmara de Cascais, suspendeu o mandato por
"razões de saúde" e um ano depois renunciou ao lugar. Em
Abril de 2011 desentende-se com Passos Coelho porque não queria ser
candidato a vice-presidente da Assembleia da República, mas sim a
presidente. Queria voos mais altos. E puxou dos galões: "Não
aceito a minha secundarização face a alguém que não tem currículo
político minimamente comparável." E disse mais: "Se o
partido deseja a minha candidatura ao Parlamento não pode ignorar –
desculpem a imodéstia – que fui vice-presidente do Parlamento
Europeu, ministro dos Assuntos Parlamentares e líder parlamentar,
para além de todos os outros cargos que o meu currículo atesta."
Passos Coelho não
se emocionou. Não só não o convidou para o lugar, que já tinha
reservado para Fernando Nobre, como em Maio desse mesmo ano ainda o
"desconvidou" do lugar do PSD no Conselho de Estado.
Capucho lamentou na altura só ter “sabido pelos jornais”. Mas
tarde, em 2013, mostrou-se disponível para ser presidente da Cruz
Vermelha Portuguesa (CVP), cargo que é de nomeação do ministro da
Defesa. Pediu uma audiência a Aguiar-Branco e, segundo contou na
altura ao jornal Sol, esta hipótese nasceu de uma série de pessoas
ligadas à CVP que o convidaram a avançar para a liderança da
instituição. Passos Coelho continuou a não se emocionar.
Na altura, Capucho
ainda avisou: se não avançasse para a CVP, estaria “disponível
para encarar uma candidatura autárquica”. Assim foi, ou melhor,
assim não foi. O PSD não o escolheu nem para uma coisa, nem outra e
Capucho escolheu candidatar-se à Assembleia Municipal de Sintra pela
lista independente Sintrenses com Marco Almeida, um ex-PSD. Por
apoiar um candidato contra as listas do PSD, foi expulso. Assim
mandam os estatutos do partido do qual ele próprio foi co-autor.
Capucho não gostou e voltou a puxar dos galões. “Não há ninguém
no partido que tenha um currículo igual ao meu”, disse na altura
ao PÚBLICO. Passos não se impressionou, nem se emocionou.
Em Maio do ano
passado voltámos a ouvir falar em António Capucho quando decidiu
apoiar Francisco Assis nas eleições europeias, demonstrando
"admiração pelas qualidades pessoais e políticas" do
candidato. Na semana passada deu o seu apoio a António Costa por lhe
reconhecer “qualidades pessoais e políticas”. Na tal entrevista
ao jornal i, Capucho justifica: “Se o projecto for interessante,
não hesitarei em apoiá-lo.” O jornalista pergunta: “António
Costa dará um bom primeiro-ministro?” Ao que Capucho responde: Só
depois de se abrir a melancia se vê, mas acho que sim.” Enquanto
Capucho vai descobrindo se o projecto do PS é interessante e vai
degustando a melancia, espera por voos mais altos. A história e os
cargos de António Capucho não se comentam, contam-se.
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