terça-feira, 9 de junho de 2015

Descapitalização. Vendemos 21%#do PIB desde 2008. E o que ganhámos?


Descapitalização. Vendemos 21%#do PIB desde 2008. E o que ganhámos?

FILIPE PAIVA CARDOSO
09/06/2015 / Jornal i online

Desde 2008, empresários e governos portugueses venderam 37 mil milhões de euros em activos. A bolsa desapareceu, as empresas desvaneceram-se e agora... pouco ou nada sobra.

“A acontecer, a venda da TAP fechará um ciclo. A mudança de dono das grandes empresas e marcas portuguesas será porventura a maior reforma estrutural dos anos do ajustamento.” É a análise, descrição e impacto desta reforma que Ana Suspiro, ex-jornalista e fundadora do i, actualmente no “Observador”, aborda no livro “Portugal à Venda”, da Esfera dos#Livros, nas livrarias desde Abril. A soma das partes assusta:#os empresários e políticos portugueses venderam 37 mil milhões de euros em activos desde 2008, qualquer coisa como 21,6% do PIB actual, e a crise não só continua como se foi agudizando ao longo dos anos. #O#que ganhou o país com estas vendas?#Difícil perceber, já que muito do capital envolvido tão depressa entrou como saiu, sendo certo que em alguns casos a economia até ficou a perder, sobretudo na parte que toca aos consumidores.

Os anéis dos contribuintes# A #troika impôs a meta:#privatizar activos até 5,5 mil milhões de euros. O#governo foi “além da troika” também neste ponto e nos últimos anos optou por vender quase o dobro:#foram 9,5 mil milhões de euros entre EDP, REN, CTT, Fidelidade, ANA, CTT, BPN ou EFG e, mesmo assim, ficou-se aquém do objectivo prioritário do programa de ajustamento:#baixar a dívida pública. É que o impacto da austeridade levou a mesma para patamares além do previsto, com a meta de menos de 110% do PIB a resultar nos 130% de hoje. Assim, “para que serviram as privatizações?”, questiona Ana #Suspiro. Se a ideia central era “obter receitas para abater à dívida pública”, tal não teve o impacto desejado. A autora alerta para outros méritos destas operações – como o sinal que deram ao mercado ou o acesso a crédito pelas empresas –, mas também para outros custos. Como a evolução dos preços, tarifas ou taxas cobradas aos consumidores e as cobranças menos óbvias feitas pelos compradores ao vendedor, o Estado. O#livro analisa em detalhe as vendas da EDP ou da ANA – Aeroportos e detalha os custos das operações para o país.

No caso da EDP, o processo levou à demissão de Henrique Gomes, então secretário de Estado da Energia. O#governante queria cumprir a exigência da troika e acabar com as rendas excessivas, mas não tinha lugar num executivo que decidiu mantê-las para favorecer os chineses que tomaram a eléctrica. Resultado?#O# Estado vendeu por 2,7 mil milhões – verba que se perdeu na fogueira da dívida – e, em troca, os consumidores sofrem hoje aumentos anuais no preço da energia bem além dos limites impostos pela troika, permitindo aos accionistas da EDP#lucros superiores a mil milhões por ano. “Basta olhar para a forma como foi conduzido o processo de venda da EDP, em que parece ter havido um compromisso não escrito de proteger as rendas dos futuros accionistas, para perder as ilusões. Nem sempre uma transferência do público para o privado reduz os custos e aumenta a concorrência”, sintetiza a jornalista no livro.

No caso da ANA – Aeroportos, a cedência aos privados tomou outras formas: não só o novo accionista da empresa aumentou as taxas aeroportuárias sete vezes em menos de 12 meses depois da venda como o governo decidiu facilitar a vida ao comprador, deixando cair a necessidade de este assumir a construção do eventual novo aeroporto de Lisboa. “Ao deixar cair esta condição, ao mesmo tempo que prolongou o prazo de concessão para uns inéditos 50 anos, o governo e os assessores transformaram a ANA numa empresa muito cobiçada.”

Merece ainda relevo a operação de venda dos CTT, outro monopólio que o governo cedeu a privados, negócio feito a correr apesar de ninguém o ter exigido, refere Ana Suspiro: “A pressa em vender os #Correios só pode ser justificada por razões ideológicas, já que o memorando da troika negociado com o governo socialista permitiria uma privatização parcial.” E, como diz o povo, depressa e bem, não há quem. O processo de venda dos#CTT em distintas dispersões em bolsa#criou uma espécie de grupo sem cabeça:#“Quem manda na empresa?#Desde a venda dos últimos 30% do capital público, os CTT#são a única empresa com um freefloat de 100% da bolsa, em que nenhum accionista tem dimensão para mandar ou sequer ter influência. Há cerca de uma dezena de participações acima dos 2%, todas estrangeiras, todas de fundos e bancos de investimento. Ou seja, todas financeiras e não estratégicas.”

desespero privado Além do estudo fundamental dos aspectos menos analisados e abordados das privatizações, o livro aborda ainda as vendas de garagem com que os#empresários portugueses foram obrigados a avançar nos anos mais recentes – culpa da crise, excesso de endividamento, má gestão ou todos juntos. Segundo as contas presentes no “Portugal à Venda”, desde 2008 e até à tragicomédia em que se transformou a#ex-Portugal Telecom, os privados portugueses venderam um total de 27,5 mil milhões de euros em empresas e participações a investidores estrangeiros, soma que exclui negócios abaixo dos 100 milhões, como transacções imobiliárias. Só no mercado português foram 23 mil milhões em activos e foi assim que chineses e angolanos se tornaram os novos donos disto tudo. No caso dos primeiros, e apesar das resistências europeias aos recursos chineses, “Portugal foi a fronteira mais frágil, que permitiu a entrada do novo invasor da Europa”, resume o livro. Uma das faces mais visíveis da descapitalização do país está na própria bolsa de Lisboa:#se em 2007 valia 180 mil milhões de euros, em 2014 já nem aos 50 mil milhões chegava. E se antes os portugueses estavam em 45%#dos activos na bolsa, hoje o peso caiu para 26%.


“Portugal à Venda” é um livro essencial para perceber os últimos e os próximos anos da economia e também para conhecer os preços, erros, negociações paralelas e falhas das vendas mais emblemáticas do país que, ironicamente, terminaram todas rotuladas de “grandes êxitos”. Mas nem sempre o foram e as verdadeiras facturas que vão passar#à economia portuguesa ainda estão longe de visíveis.  

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