A
Grécia?
VASCO PULIDO VALENTE
26/06/2015 -PÚBLICO
Comentadores de
vária espécie e pena falam da Grécia como se a Grécia fosse um
país normal. Não é: é um país falhado. Basta pensar na
geografia: 6000 ilhas (280 meio habitadas), comunicações
continentais quase impossíveis, nenhuma fronteira com um Estado
desenvolvido e ocidental.
No princípio do
século XIX, a Inglaterra inventou a Grécia para consolidar o seu
domínio no Mediterrâneo Oriental (e, de caminho, defender a rota
para a Índia). Antes do canal (de Suez) ninguém queria saber
daquele pedaço pedregoso do império turco e depois da independência
da Índia ninguém queria gastar um vintém numa posição inútil.
No célebre papel das percentagens que Churchill entregou a Estaline,
lá estava: “Grécia – 90 por cento para a Inglaterra, dez por
cento para a URSS”. Mas bastaram oito ou nove anos para a
Inglaterra, exausta, vender a sua quota-parte a Washington, em nome
do anticomunismo.
Entretanto, a Grécia
passara pela ocupação italiana e alemã, por uma guerra civil entre
estalinistas (sem o beneplácito de Estaline) e democratas, por
indescritos governos, que tentaram copiar a organização política
do Ocidente, e por uma ditadura militar, com o extraordinário
coronel Patakos, que tinha uma cruzada pessoal contra a mini-saia.
Quando isso passou, os novos senhores da América e da Europa não se
preocuparam em deixar o mínimo de ordem atrás de si. As
prevaricações da Grécia (por exemplo, aldrabar as contas) eram
vistas com condescendência, e a importação para uma economia que
não funcionava, nem podia funcionar, dos mais subtis requintes do
Estado social como sinais de modernidade.
Esta última crise,
com o seu mantra da “solidariedade europeia” e do “berço da
civilização”, esconde o essencial. Sucede que na Grécia não
existiu um “berço” da civilização moderna; e que a Europa
sempre mostrou o seu carinho pela Grécia (como antes, de resto, os
romanos) deitando a mão a tudo o que conseguiu apanhar. Se Bruxelas
quisesse fazer alguma coisa por aquela triste terra, em vez de exibir
os seus sentimentos democráticos, devia ajudar a construir um Estado
capaz de reger e ordenar o caos reinante – uma espécie de
colonização sem o nome e com dinheiro. Só que os tempos mudaram e
a sr.ª Lagarde quer malcriadamente “adultos” para falar, como se
não lhe chegasse a criança que tem no Eliseu. Quanto a nós, talvez
convenha imaginar Portugal com 6000 ilhas, 280 habitadas por gente a
reclamar um “subsídio de periferia”.
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