terça-feira, 9 de junho de 2015

Sócrates usa arma do “sacrifício” para fazer um “protesto político”/ Manter Sócrates em prisão preventiva é “ilegal”, diz penalista.


Sócrates usa arma do “sacrifício” para fazer um “protesto político”

MARIA JOÃO LOPES 09/06/2015 – PÚBLICO

Peculiar” e “curioso” são os adjectivos cautelosos que politólogos e políticos usam para classificar a decisão de manter o ex-primeiro-ministro em prisão preventiva. Mas entre os socialistas, há quem não tenha dúvidas: quem sai prejudicado não são os políticos, nem o PS, é a Justiça.

Apesar das interrogações que o caso José Sócrates ainda suscita aos politólogos, há uma leitura que já se pode fazer da recusa do ex-primeiro-ministro de usar pulseira electrónica: “Uma das raras formas de protesto político que uma pessoa detida tem é a autonegação, é o sacrifício”, diz o politólogo Carlos Jalali.

Sócrates recusou sair da cadeia para ir para casa com pulseira electrónica. A proposta tinha sido do Ministério Público que acabaria, porém, por recuar nesta terça-feira. O procurador Rosário Teixeira considerou que a recusa inviabilizava a proposta e o juiz Carlos Alexandre manteve a prisão preventiva.

Para Jalali, é “uma situação curiosa”: “Parecia um facto adquirido que as medidas de coacção seriam menos gravosas e, afinal, mantêm-se.” O socialista Augusto Santos Silva, a quem todo o processo parece “muito peculiar”, insiste que “o único comentário” que faz é que, cerca de meio ano depois, “ainda” não há acusação.

Já o também socialista Vítor Ramalho, que nunca visitou Sócrates por não ser seu amigo íntimo, vê a decisão dos magistrados como um “absurdo total”, “absolutamente inaceitável”. “Não há outros meios, como pôr polícia à porta? É necessário humilhar desta maneira?”, questiona o socialista, para quem o PS não sai beliscado com o processo. “A Justiça é quem sai mais afectada disto tudo”, defende.

Para Jalali, ao recusar a pulseira e o “conforto” de casa, Sócrates foi consistente em relação à posição que sustentou desde início. O que o ex-primeiro-ministro está a fazer é “procurar manter a dimensão política” do caso, postura que não deverá abandonar: “Olhando para aquilo que tem sido o comportamento de José Sócrates, presumivelmente continuará também ele a marcar a agenda em relação à sua detenção. Recorre ao que tem à mão para fazer o seu protesto político. Sócrates nunca deixou de ser um político, de definir a agenda, de usar a comunicação. Continua a ser o animal político, essa faceta não desapareceu”, diz Jalali.

Augusto Santos Silva também não ficou surpreendido com a recusa de Sócrates: “É corajosa. O que estava na mão dele era aceitar ou recusar a pulseira. E ele usa essa única decisão para ser coerente com o que considera ser a injustiça da sua detenção.”

Vítor Ramalho até estranha que o Ministério Público, “em função das características de Sócrates, não tenha previsto” a recusa: “Desde a primeira altura, e conhecendo as características do engenheiro José Sócrates e a coragem inegável, que se previa isto ia dar mau resultado. Assistimos de fora à ideia que ele foi preso para forçar a investigação que já devia estar feita. O que ele está a dizer é que vai fazer tudo o que é possível para denunciar este estado de coisas”, diz o socialista para quem, ao usar “um direito” que lhe assiste – recusar a pulseira -, Sócrates “agiu muito bem” e como “poucas pessoas o fariam”.

Que implicações terão estes desenvolvimentos no cenário político, em ano de eleições legislativas, e no próprio PS? Para Vítor Ramalho, as consequências para o PS “não vão ser nenhumas”. Também Augusto Santos Silva defende que, para o PS, a decisão do juiz não tem quaisquer implicações: “Ao PS é indiferente.” Para o militante do PS, “o que interessa” a todos, e não apenas aos socialistas, é saber se vai ser produzida uma acusação.


Embora considerando que a estratégia mais eficiente para o PS é a que está ser usada pelo secretário-geral António Costa – que recusa comentar o caso -, Jalali entende que “é difícil” o partido “sair completamente ileso” deste processo. Mas a politóloga Marina Costa Lobo não tem dúvidas, a distância de Costa é atitude correcta, e não só para o PS: “É a estratégia correcta para o próprio sistema político.”

Manter Sócrates em prisão preventiva é “ilegal”, diz penalista

MARIANA OLIVEIRA e ANA HENRIQUES 09/06/2015 – PÚBLICO

Associação de Advogados Penalistas diz que MP não podia insistir na prisão preventiva.

Para o presidente da Associação de Advogados Penalistas (AAP), Paulo Sá e Cunha, o facto de alguém recusar o uso de uma pulseira electrónica não deve levar o Ministério Público a sustentar a prisão preventiva. “A prisão preventiva é uma medida absolutamente excepcional. Quando o Ministério Público promove uma medida menos grave está a reconhecer que a prisão preventiva não é necessária e, por isso, a sua manutenção é ilegal”, sublinha Sá e Cunha.

O responsável da AAP lembra que a pulseira electrónica apenas permite controlar o perigo de fuga e não outros perigos como o de perturbação do inquérito. Neste caso, é o próprio Ministério Público a reconhecer que o principal risco é a perturbação da recolha e da conservação da prova considerando o perigo de fuga diminuto. Sublinhando que não está a comentar o caso concreto, mas as questões jurídicas que este suscita, Paulo Sá e Cunha defende que neste tipo de situação a pulseira electrónica não se mostra indispensável. “A pulseira não evita de forma nenhuma que um arguido forje provas ou faça contactos para influenciar testemunhas”, nota o advogado

Já o ex-bastonário dos advogados, Rogério Alves, considera que a permanência de José Sócrates na cadeia era a consequência mais previsível da recusa do ex-primeiro-ministro em usar a pulseira electrónica. E apesar do inédito da situação, a nível legal o advogado encara os mais recentes desenvolvimentos do processo de José Sócrates com “alguma normalidade”: “Tendo a pulseira electrónica sido inviabilizada” pelo arguido, “o Ministério Público regressou à sua posição inicial”: defender que então se mantenha na prisão.

“Admito que pudesse ter sido equacionada uma medida alternativa à pulseira, como a vigilância policial” da prisão domiciliária, equaciona o ex-bastonário. “Mas o tribunal assim não o entendeu – porventura para não criar uma situação de excepção”. Rogério Alves salienta ainda o simbolismo da posição do ex-governante, ao assumir que considera a prisão em casa tão injusta como a cadeia. Quanto ao facto de o Ministério Público vir invocar ainda um perigo de fuga - embora “diminuto” – que já havia sido posto de lado pelo Tribunal da Relação no passado, o ex-bastonário diz que, apesar de não conhecer em concreto o processo, admite, em teoria, que a intensidade desse perigo possa variar consoante o momento. Ou seja, a descoberta de novos factos durante a investigação pode ter feito aumentar receios nesse campo que, no passado, haviam sido afastados.

José Sócrates tinha anunciado na segunda-feira que recusava a colocação de uma pulseira electrónica. "Nas situações mais difíceis há sempre uma escolha. A minha é esta: digo não", escreveu o ex-primeiro-ministro. Para muitos esta foi uma jogada de mestre de Sócrates, que tenta assim vitimizar-se e descredibilizar a posição do Ministério Público, que, num espaço de poucos dias, defendeu a substituição da prisão preventiva e a sua manutenção.

Sem comentários: