Brincar
aos aviões e às oposições
JOÃO MIGUEL TAVARES
18/06/2015 - PÚBLICO
Privatizar
a TAP em cima do joelho foi uma péssima ideia, que levanta suspeitas
justas e que não podiam existir.
Quando estão no
governo, PSD e PS são os Dupond e Dupont da política portuguesa;
quando estão na oposição, dizem um do outro o que o capitão
Haddock não diz de um copo de água. É claro que esta retórica
cumpre a função de simular inexistentes discordâncias, mas que se
não fossem simuladas poderiam empurrar o eleitorado descontente para
partidos dos extremos.
Contudo, duvido que
manter esta mecânica após quatro anos de crise, e nas vésperas de
umas eleições que podem derivar em bloco central, seja o melhor
serviço que os dois partidos possam prestar ao país. Nos seus anos
democráticos, Portugal teria ganhado em ter um pouco menos de
consenso entre governos (foram todos demasiado parecidos) e um pouco
mais de consenso entre oposições (permitindo acordos alargados em
matérias essenciais).
Eu sei que a palavra
“consenso”, tal como a expressão “acordo de regime”, causa
alergias à esquerda e à direita, e lembra excessivamente os
discursos de Cavaco Silva. Mas basta olhar para aquilo que se está a
passar na TAP para desejarmos ardentemente que PS e PSD abandonem
depressa a sua adolescência política e comecem a comportar-se como
partidos crescidos, capazes de conversar entre si. Aquilo que se está
a passar é uma vergonha, e ninguém sai bem na fotografia. O governo
tem andando a vender a companhia à velocidade a que Usain Bolt corre
os 200 metros, e o PS, que ameaça fazer marcha atrás na
privatização se vencer as eleições, propõe como alternativa uma
solução patética: vender a privados 49% de uma companhia de
aviação com 1,2 mil milhões de euros de dívida. Se o Estado
acabou de vender 61% – ou seja, o controlo da TAP – por pífios
dez milhões, onde estariam os terráqueos interessados em 49% de uma
dívida gargantuesca?
Em lado algum, como
é óbvio – e António Costa sabe isso. Tal como sabe que a
privatização da TAP estava prevista no memorando assinado com a
troika, tal como estava prevista no PEC IV. Argumentar que dispersar
49% da companhia também é uma privatização, ou é desonestidade,
ou é tolice, porque só malucos ou multimilionários filantropos
iriam meter dinheiro numa empresa falida, onde o governo continuaria
a ter a última palavra. A TAP é há muitos anos uma batata a
ferver, e tanto o PS como o PSD têm perfeita consciência disso. Mas
Costa sente-se na obrigação de fingir que não é Dupont nesta
matéria, preferindo lançar para o ar promessas absurdas, tal como
ontem prometeu neste jornal acabar com as assessorias privadas no
Estado. Claro está que António Costa irá tanto acabar com as
assessorias privadas no Estado como acabou com as segundas filas em
Lisboa. Só que é preciso dizer coisas.
Contudo, nada disso
justifica que o governo se tenha lançado num insensato
contra-relógio para ter a privatização tão atadinha lá para
Outubro que o PS já não tenha forma de a desatar. Compreendo mal a
pressa, mesmo tendo já havido uma privatização falhada no final de
2012. Num país com uma saudável cultura democrática, não se faz
uma privatização com este peso simbólico desta maneira. Das duas,
uma. Ou se tinha feito há dois anos, sem o consenso do PS; ou se
tinha feito agora, com o consenso do PS. Uma das boas ideias do
programa socialista é a exigência de maiorias de 2/3 para a
aprovação das grandes obras públicas – PSD e CDS deveriam ter
feito exactamente o mesmo em relação às grandes privatizações.
Privatizar a TAP em cima do joelho foi uma péssima ideia, que
levanta suspeitas justas e que não podiam existir.
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